O presidente da Associação Portuguesa de Escolas Católicas, o Pe. Querubim Silva, é muito crítico na questão dos contratos de associação. Acusa o governo de querer monopolizar a educação e de ler com «estrabismo voluntário» a Constituição.
Porque é que o Estado deve continuar a financiar contratos de associação em zonas onde a escola pública existe?
Primeiro há que distinguir que um serviço público não é a mesma coisa que um serviço estatal, pelo que dizer escola pública e privada é um erro. Há escolas estatais e escolas privadas. Algumas das escolas privadas integram o sistema público de educação, como é o caso das que têm contrato de associação e outros tipos de contrato.
Quanto à redundância de que fala o Governo e os arruaceiros que se estão a servir da educação em vez de estarem a servir a educação, eu estive no Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2006, quando foi pedido pela Assembleia da República um grande debate nacional sobre educação. Desse debate resultou um relatório entregue em janeiro de 2007. O Relatório do CNE aconselhava a fazer o estudo dos recurso existentes para os aproveitar. Em vez disso, nasceu a Parque Escolar, que delapidou milhares de milhões de euros do erário público, dos nossos impostos. A intenção foi invadir todo o espaço físico do ensino para dispensar qualquer outra iniciativa que não estatal.
Mas nessa altura porque é que não se falou disto?
Porque se acreditou que as coisas não mudariam. Mas em 2010 as coisas vieram ao de cima. Por isso é que continuamos a pedir que se prestem contas públicas sobre os alugueres que o Estado paga de renda à Parque Escolar pelas escolas que mandou construir, e as derrapagens que a Parque Escolar teve por toda a parte.
Quantos são os colégios católicos com contratos de associação?
Das 140 escolas católicas, apenas 27 têm contrato de associação, com um total de 15 246 alunos, embora algumas destas tenham outras formas de contrato ou propinas. O total é de 19 572 alunos e 1559 professores.
São 27 escolas num universo das 79 em todo o país… é que às vezes parece que todos os colégios são da Igreja.
Mas é essa proporção apenas. Sabe, há forças interessadas em semear a confusão para criar o conflito.
É uma guerra ideológica?
Para mim, é essencialmente uma guerra ideológica e o que temos encontrado nos diálogos e encontros com os vários grupos parlamentares, comissões e grupos de deputados são pessoas que não têm a mínima dificuldade em afirmar isso. Não há volta a dar, eles querem extinguir os contratos de associação. O objetivo é reduzir a liberdade de escolha apenas para quem tem dinheiro. Passaremos a ter apenas colégios privados de elite.
Desses 27 colégios, quantos é que funcionam apenas com o dinheiro que o Estado dá?
Não sei ao certo, mas são a maioria destes 27.
Quantos é que correm o risco de fechar?
No meu entender, todos. Mesmo os que têm outros alunos para além dos que estão em contrato de associação, o impacto com despedimentos será tanto que todos fecharão.
Pode haver colégios que, fechando, façam com que as escolas estatais não consigam receber todos esses alunos?
Se nós tivermos a coragem de dizer «a partir de 1 de setembro não há colégios com contrato de associação», em vez de 383 turmas que o Governo pretende cortar, vai ter de absorver 1500, e as escolas estatais não têm essa possibilidade.
Grande parte dos nossos alunos não vêm desta zona. Temos aqui muitos alunos cujas escolas estatais das suas áreas os rejeitaram e enviaram para cá. Não é segredo para ninguém que duas escolas estatais da cidade de Aveiro têm sido seletivas nos alunos que recebem. Notas dos alunos, qualificação académica dos pais e por aí fora.
Mas essa liberdade de escolha agora é um privilégio de poucos…
Pois, mas o Governo tem reconhecer aquilo que é a verdade dos factos: a turma no ensino com contrato de associação fica muito mais barata do que na escola estatal, e nunca tiveram coragem de atirar cá para fora as contas, mesmo quando o Tribunal de Contas provou isso. E quando deitam fazem uma certa batota, porque misturam as contas do primeiro ciclo, que é muito mais barato, com os ciclos seguintes. Como nunca dão estes números, passa a ideia de que estamos a “chular” o Estado.
O próprio Estado fez agora contas afirmando que é muito mais barato passar estes alunos para a escola estatal. São contas bem feitas?
Eles aqui também não pagam renda, portanto aqui também só pagam os professores e auxiliares, não me pagam o funcionamento completo das escolas. Nós temos de fazer angariações de fundos e muitas restrições para podermos subsistir com aquilo que eles nos dão.
Mas estas contas então estão erradas?
Sim, não são autênticas, são uma falsidade, uma falácia.
Alguns colégios com contrato de associação estão ligados a esquemas de alegada corrupção e aproveitamento de dinheiros públicos. Teme que os colégios católicos estejam a ser postos no mesmo saco?
É evidente que uma célebre reportagem televisiva da Ana Leal lançou uma nuvem de fumo sobre a opinião pública a este respeito. Se há irregularidades que se investiguem. As nossas contas são submetidas à fiscalização dos responsáveis governamentais. Se eles quiserem encontrar a corrupção têm forma de o fazer. Eu tenho inspeções aqui com alguma regularidade. Mas esse é o interesse desta senhora secretária de estado e do governo. Nós estamos a sofrer uma réplica do tremor de terra que foi a decisão do governo Sócrates de suspender os contratos que estavam em exercício a 31 de dezembro e fazer vigorar uma adenda até 31 de agosto, e eu tinha contrato até 31 de agosto. Esta prepotência governamental de unilateralmente e sem razões plausíveis, que estão enunciadas nos contratos, suspender contratos e enunciar outros ou fazer adendas, é uma arbitrariedade fora do comum e não cabe na cabeça de ninguém.
Este direito de escolha deveria, então fazer aumentar o número de contratos de associação assinados…
Naturalmente que sim. O ministro da educação Marçal Grilo, em determinada altura, disse em público: “se num determinado local eu tiver uma escola pública que não tem qualidade e uma escola privada (com contrato de associação) que tem qualidade, eu fecho a escola estatal e deixo ficar a privada a funcionar. Os custos são menores, portanto só não vê quem quer ver. Por trás de tudo isto, está um corporativismo ferrenho sindical que faz arruaça em toda a parte.
A FENPROF?
Sim, em especial o ministro-sombra da Educação que é o senhor Mário Nogueira, digo-o sem qualquer problema, porque todos sabem que é assim.
Mas os professores dos colégios também são sindicalizados. O sindicato não olha por eles?
Alguns são. E sabem o que é que lhes responderam, quando foram ao sindicato dizer que estavam em risco de perder o emprego? «Governem-se, isto quem quer estar sossegado no seu local de trabalho depois tem de aguentar com as consequências…» Isto foi dito pelo sindicato e pelo Partido Comunista. A verdade é que há portugueses de primeira e portugueses de segunda. Isto é uma estatização de toda a vida civil. O serviço público não é a mesma coisa que o serviço estatal. A sociedade não é o Estado, a sociedade é prévia ao Estado, o Estado é um serviço à sociedade. Não é uma manipulação da sociedade, nem uma invasão da sociedade, que é o que está a acontecer e vai acontecer a seguir às respostas sociais e outras coisas. Está na mira a Igreja Católica, apesar de os nossos bispos não se pronunciarem muito ou em voz alta. Querem tutelar todos os sectores que perpetuem esta forma de poder. Os grupos, quando chegam ao poder e quanto menos legítima for a forma como lá chegaram, mais facilmente são habilidosos para encontrar maneiras para se perpetuarem no poder. Isto caminha para uma Venezuela a passos largos, no meu entender.
É altura de voltar a falar do cheque ensino?
Eu não lhe chamaria isso. O Governo não quer financiar escolas, então financie as famílias em pé de igualdade, para a escola estatal ou privada. Financie-as consoante a sua capitação e permita que eles escolham o lugar onde querem pôr os filhos. Claro que isto vai desmantelar o centralismo sindical de colocação de professores, e isso é que não interessa. Por outro lado, e gostava de frisar isto, há um estrabismo voluntário da leitura que se faz da Constituição. Lê-se a Constituição de 1976, que fala do privado como supletivo na educação, o que explicaria a questão da duplicação da oferta. Mas em 1982 foi feita uma revisão da Constituição, e o supletivo desapareceu de lá.
E o Estado acompanha estes colégios?
Sim, claro, nós temos de responder ao Estado pelos currículos que lecionamos. Sabe quem é que não confia nas escolas estatais para esse trabalho? É a senhora secretária de Estado, que tem os filhos dela no Colégio Alemão. E perguntando-se-lhe porquê, ela diz que tem um currículo internacional. Significa que a escola estatal portuguesa, que ela tutela, não é de confiança para ela, não lhe garante para os filhos dela a possibilidade de um dia mais tarde darem o salto para fora do país. E, se não me engano, o colégio onde ela tem os filhos tem contrato de associação com o estado alemão. Porventura ela nem paga no colégio alemão, mas também não é o estado português a pagar. Vê como são estas coisas?
Qual é a solução para este caso?
Para já, a revogação imediata do despacho, que permitisse o cumprimento dos contratos plurianuais que estão assinados. Depois, fazer com que este período de dois anos fosse um tempo de verdadeiro diálogo na procura de soluções. Desmistificando a história das capacidades de absorção, os custos, pondo as coisas a claro em relação a isso. E, em última instância, respeitando os direitos, liberdades e garantias que estão considerados na Constituição. Um deles é a liberdade de aprender e ensinar, com a obrigatoriedade de o Estado acompanhar as famílias e apoiar a sua capacidade de escolha.
Neste rumo que estamos a tomar, o objetivo é livrar-se de incómodos da Igreja Católica, reduzir a possibilidade de escolha apenas para quem tem dinheiro para escolher e formatar a educação. Não tenho dúvidas de que são estes os objetivos.
E acredita num desfecho diferente?
Eu acredito sempre no bom senso do povo português.
Há quem diga que o próprio PS pouco pode fazer, refém que está dos acordos que fez…
Pois, mas isso é o PS que tem de resolver. Quem quer o poder a todo o custo tem de aguentar as consequências, e das duas uma: ou é capaz de se afirmar com verticalidade e sacudir aquilo que são os tais agentes de cativeiro, e retoma identidade própria, ou sujeita-se a levar o país à catástrofe e aguenta as consequências.
O Estado também tem acenado com a possibilidade de compen…
Isso é uma falácia! Eu vou despedir professores para contratar educadores de infância, onde é que está o benefício? Tenho aqui o jardim de infância público, ou centro social e paroquial, vou buscar as crianças onde? É para nos pôr todos à guerra? Isto não vai ser fácil, mas eles também não vão sair airosos desta situação, não tenha dúvidas, porque não vamos desarmar. E quando digo nós, digo funcionários, pais de alunos, o próprio comércio local que fica afetado…
Mas vocês são poucos…
Nós não desarmamos, porque estamos convictos daquilo que defendemos: uma educação integral, um sistema misto, regulamentado pelo Estado. São muitos os países que têm escolas municipais, independentes, confessionais… há essa diversidade, e muitas delas sustentadas pelo Estado. Isso é que é dar voz e corpo à sociedade civil. Nós é que vivemos com um sistema pombalino que nunca foi ultrapassado. Esta tradição de centralismo em relação à educação vem de longe.
Mesmo que agora consigam reverter, depois era preciso que não mudassem tudo no mandato seguinte…
A educação não pode estar entregue a mercenários, que mudam tudo conforme mudam os mercenários. A educação é a garantia de futuro do país, a primeira. Acho que haveria toda a vantagem em que isto não fosse vivido como uma pedra de arremesso político, mas sim como um serviço ao futuro. A educação não é para os professores ou para os funcionários. Eles são servidores da educação em função dos alunos.
Entrevista: Ricardo Perna
Fotos: Ricardo Perna e Colégio do Calvão
Continuar a ler