Precisa de ajuda?
Faça aqui a sua pesquisa
A eloquência dos gestos!
05.04.2022
Neste mês celebramos o mistério central da nossa fé: a paixão, morte e ressurreição de Cristo. Em todas as celebrações do Tríduo Pascal, a dimensão simbólica terá um papel fundamental. Os símbolos, bem como determinados gestos, tem a capacidade de exprimir eloquentemente realidades inexprimíveis através de palavras.

Neste tempo concreto que estamos a viver, entre toda a simbologia e ritualismo da liturgia da Páscoa, destaco o rito do lava-pés em Quinta-feira Santa, próprio da missa vespertina da Ceia do Senhor. Este gesto, cujo fundamento bíblico se encontra no capítulo XIII do Evangelho de São João, era habitual na cultura e sociedade do tempo de Jesus, porém, realizado pelos escravos no acolhimento dos seus senhores, quando estes chegavam a suas casas.

Em Cristo, este gesto adquire um novo significado, como as normas litúrgicas explicitam: «manifesta o serviço e a caridade de Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir». Torna-se, por isso, gesto paradigmático e programático para toda a Igreja: «vós deveis fazer a mesma coisa que Eu fiz», diz Jesus aos discípulos de todos os tempos.

Um rito, fundamentado num gesto com expressão bíblica e antropológica, tem a capacidade de demonstrar um dos mais belos aspetos da Igreja: estar ao serviço da humanidade, ao estilo divino. Tomáš Halík esclarece que «quando Jesus, Mestre e Senhor desempenha um trabalho de escravo, diz algo, até então, inédito: Deus acontece onde o homem, em humildade e amor, se inclina sobre o outro.» Um gesto simples que fala eloquentemente sobre a missão da Igreja.

Missão que na sua essência continua a ser a mesma, sobretudo nestes tempos, enquanto alguns dos nossos irmãos acrescentam, na própria carne, aquilo que falta à Paixão de Cristo, parafraseando São Paulo! Mas, o que faz a Igreja por todos eles?

Não são os únicos, mas detenhamo-nos no sofrimento dos nossos irmãos a sofrer o horror e a violência da guerra na Ucrânia! Neste momento, não é mensurável – nem convém que o seja – aquilo que se passa nos corredores da diplomacia vaticana. Aquilo que é evidente são determinados gestos do Papa e dos seus colaboradores mais próximos. Gestos que, tal como o lava-pés, se tornam programáticos da ação do Vaticano a favor dos que mais sofrem. Sem esquecer jamais que cada gesto ou palavra do Romano Pontífice têm como objetivo primeiro e último salvar vidas sem ceder à tentação de combater o mal com as próprias armas do mal.

E, não obstante, o Papa Francisco, de forma inédita, deslocou-se pessoalmente à embaixada russa junto da Santa Sé para expressar a sua preocupação com a guerra. O próprio que não hesitou em usar o termo “guerra” e exortou a que se parasse em nome de Deus com aquilo que apelidou de «massacre». Sem temer, Francisco enviou dois dos seus mais próximos colaboradores ao terreno, os cardeais Konrad Krajewski e Michael Czerny, para ajudar e servir o povo. Ainda assim, foi tornado público que o cardeal Pietro Parolin, número dois no Estado da Santa Sé, manteve uma conversa com o ministro das relações exteriores da Rússia, o senhor Lavrov. Durante esta conversa, o cardeal Parolin transmitiu «a profunda preocupação do Papa Francisco com a guerra em curso na Ucrânia», segundo o comunicado da Santa Sé.

Ainda, na senda da força da gestualidade, salientar que em 25 de março, o Papa consagrou a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria. Numa altura, em que o Núncio Apostólico, embaixador da Santa Sé na Ucrânia, foi dos poucos diplomatas a permanecer nos pais, porque ele representa o Papa na Ucrânia!

Sem nunca abandonar o plano dos gestos contundentes, o Papa Francisco, no âmbito da guerra na Ucrânia, manteve uma videochamada com Cirilo, Patriarca de Moscovo e de toda a Rússia. Nesta conversa ambos concordaram que «a Igreja não deve usar a linguagem da política, mas a linguagem de Jesus». Linguagem sobretudo nos seus gestos.

Gestos, entre outros tantos gestos a diferentes níveis eclesiais, que clamam ao mundo, que tanto critica a atuação da Igreja, o mesmo que Cristo disse aos discípulos enquanto lhes lavava os pés: «O que estou a fazer não o podes compreender agora. Compreendê-lo-ás mais tarde.» (Jo 13,7)