Representantes do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) e do Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (SECAM) estão reunidos em Fátima para debater os «efeitos da globalização sobre a Igrejas e as culturas na Europa e na África», conforme anunciaram os promotores do encontro, que se está a realizar em Portugal.
Num encontro com jornalistas ao início desta tarde, os presidentes da CCEE e do SECAM explicaram as razões deste encontro. D. Gabriel Mbilingi, presidente da SECAM e arcebispo do Lubango, foi muito crítico em relação aos aspetos menos positivos da globalização em África. Afirmando que «não se pode fugir à influência da globalização», falou de situações de «conflito e instabilidade» que ocorrem em diversos países africanos, onde «o convívio entre cristãos e muçulmanos é muito forte». Um dos aspetos mais significativos da sua intervenção foi precisamente o de ligar as dificuldades com a globalização a países onde a intervenção islâmica é mais visível na sociedade.
Na África de Leste, o arcebispo do Lubango afirma que «algumas culturas acolhem bem a ideia do Islão, mas outras resistem a este fenómeno por causa de uma ideologia que se opõe necessariamente aos valores que recebemos da tradição cristã», enquanto na África austral há o confronto com «a realidade das religiões tradicionais».
No ponto mais negativo, D. Gabriel aponta que a globalização «está a mudar os valores que eram passados às nossas famílias». «Nós temos uma ideia de família muito enraizada no nosso pensamento, e são esses valores que estão a ser bombardeados pela globalização, que coloca em causa o matrimónio, a fecundidade que a globalização procura desvalorizar, e sabemos as consequências disso, e a desestabilização entre as diferentes gerações, porque as atuas são feitas de pais que nasceram num contexto de mudança provocada pela globalização», lamenta o prelado.
D. Gabriel Mbilingi critica também os deputados cristãos que, nos parlamentos, aprovam leis contrárias aos ensinamentos da Igreja. «Os nossos parlamentos têm na maioria deputados cristãos, mas que quando chega a hora de fazer leis para o seu país, aprovam leis que promovem o aborto, valores contra a vida, leis que não respeitam os direitos e a dignidade da pessoa. São pessoas que professam a fé cristã, mas na prática das instituições estão constrangidos a viver de acordo com esta política internacional», afirmou.
«Estamos a precisar de políticos cristãos que conheçam o fenómeno da globalização, e que respeitem o seu eleitorado, que não comunga desses valores», pediu.
Ásia é um «monstro» onde «o Evangelho ainda não chegou»

Questionado sobre o movimento de sacerdotes africanos que vêm para a Europa em missão, D. Gabriel afirmou que essa é uma «alegria e uma preocupação». «Alegria porque a presença da igreja africana no continente europeu é sinal de que o Evangelho foi bem acolhido, produz fruto e que a Igreja que está em Africa quer ser adulta, e só o é quando sai e consegue ter missionários, quando não se fecha em si mesma», afirmou.
Mas ao mesmo tempo uma «preocupação», diz D. Gabriel Mbilingi, uma vez que África gostaria de «ir com a Europa para outros continentes, outras realidades onde o Evangelho ainda não chegou». «Gostaríamos de ser uma força, um movimento que se aliava à Europa para levar a força do Evangelho à Ásia, que é um monstro, mas onde o Evangelho ainda não chegou. Portugal lançou a semente, mas quando começa a dar os seus primeiros frutos, a Europa começa numa crise de fé, que afetou o modo e o estilo de vida de ser cristão aqui na Europa», afirma o arcebispo do Lubango.
Bispos europeus defendem que «não deve haver medo da globalização»
O Cardeal Angelo Bagnasco, presidente da CCEE, começou por dizer que o fenómeno da globalização não é para ignorar ou combater, mas para «conhecer». «Há que saber governar este fenómeno para não sermos dominados por ele, pois esse é o risco. Conhecê-lo passo a passo, para saber o que tem de bom e o que é falso, ilusório e de menos bom», disse aos jornalistas.
Referindo que o fenómeno da globalização permite «a diversidade de vivências», alertou para o risco de este «aumento de informação e interligação» da informação levar as pessoas a «pensar que tudo está bem e é aceitável», o que não é a mesma coisa. «Isto seria liquidificar a pessoa, seria receber a globalização de forma acrítica», e isso não pode acontecer, segundo o cardeal.
Neste sentido, propõe que a Igreja trabalhe sobre um «nervo delicado», o da «consciência». «A abordagem da Igreja deve ser a de sempre: anunciar Jesus Cristo e formar as consciências, para que possam ter os instrumentos, a coragem de escolher de entre as diversas informações o que é verdade, bom e o que não é». O Cardeal Bagnasco fala da «consciência individual de cada pessoa, mas também a consciência de Estado, ou de continente, para que também um continente tenha uma consciência».
O cardeal italiano agradeceu a «ajuda pastoral» que o clero africano dá na Europa, e defendeu que essa é uma das «riquezas» a Igreja. «A beleza da Igreja é este intercâmbio de missionários, que é uma resposta ao que o Senhor disse no Evangelho. A Igreja será sempre viva. Pode diminuir num ponto da terra, mas crescer noutro», sustentou.
O Cardeal Angelo Bagnasco defendeu ainda que a presença de clero africano na Europa vem «purificar e reforçar a nossa fé europeia, com a sua paixão e novidade interior», que os europeus parecem já ter esquecido ou deixado de parte.
«A globalização está na sua terra em Portugal»
D. Manuel Clemente foi o anfitrião do encontro e esteve presente na conferência de imprensa. Segundo o Cardeal Patriarca de Lisboa, «Portugal vive bem com a globalização», já que «foi aqui que começou a ligação marítima entre vários continentes, e a primeira viagem de circum-navegação foi feita por um português». «É algo de inato, nascemos com ela», garantiu.
Defendendo que em Lisboa vivem «cerca de 100 nacionalidades, e não estou a falar de turistas», e que no seu clero diocesano tem «25 nacionalidades» representadas, D. Manuel Clemente disse que o desafio principal é o da interculturalidade. «Não basta estarmos de várias proveniências sociais, é preciso que nos encontremos com aquilo que cada um transporta, integrando usos, costumes que são próprios da proveniência de quem está nesses países. Se se entender a globalização como pessoas que transportam tradições, é muito enriquecedora», garantiu.
Texto e fotos: Ricardo Perna
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