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«A oração serena-nos quando nos sentimos mais impotentes»
20.03.2020
D. Nuno Almeida, bispo auxiliar de Braga, inicia hoje, sexta-feira, um espaço de catequese para os mais novos na internet. Mais uma iniciativa que visa ajudar a preencher este tempo de quarentena que, afirma, pode ser um tempo de «crescimento» na fé para todos, afirma, em entrevista por telefone à Família Cristã a partir do Paço episcopal em Braga.


Nesta altura de provação, como podem as famílias manter vivência espiritual ativa?
A primeira constatação é que não é fácil passar do ambiente comunitário e social para o ambiente familiar e doméstico. Há aqui uma exigência e um desafio à criatividade que é de assinalar. Depois, manter as vivências que são essenciais num tempo como este que se tornam mais prementes e com mais consequências para nos manterem na esperança e na alegria em tempos de prova. Em primeiro lugar, ter muita atenção às crianças. Falar sobre o que está a acontecer, e os pais são os que melhor podem conversar e explicar gradualmente aos filhos. Depois, a atenção aos mais idosos e um diálogo que se vai fazendo em família. Depois, há um aspeto que eu tenho como desafio, de nos ocuparmos uns dos outros. Não só na família, mas dos que estão na nossa vizinhança. Corremos o risco de ficar rodeados de espelhos para nos protegermos quando é necessário mantermos as janelas de comunicação abertos uns com os outros, que se traduz muitas vezes em gestos de partilhas e de auxílio, sobretudo com o avançar do tempo que possa durar esta calamidade.

E em termos espirituais?
Temos a oração e a meditação centradas na Palavra de Deus. Temos aqui uma oportunidade de dar um impulso à catequese familiar. Temos tentado implementar, concretizar, e temos aqui um momento propício para isso, para que os pais se sintam como animadores e catequistas, colocando a Palavra de Deus no centro desse encontro. Podem ser as leituras do dia, basta um clique para as encontrar, podem ser as histórias da Bíblia. A partir de hoje (sexta-feira), complementando as eucaristias que estamos a fazer, irei ter um momento de catequese, procurando, a partir da casa episcopal, dar um contributo simples, usando a Sagrada Escritura, a música e a Palavra, procurando ajudar os pais nesta tarefa, orientando a catequese para os mais pequenos, as crianças.


Vivemos um tempo diferente. A maior parte das famílias vivem os hábitos comunitários, a catequese e a eucaristia pelo menos, e hoje tudo isso desaparece num tempo em casa...
Infelizmente, os pais entregam os filhos ao catequista e aguardam. Hoje há o esforço de que os pais participem na catequese ativa dos filhos, e temos agora aqui um momento em que tudo se altera rapidamente, e é preciso uma resposta com alguma diligência.

Essa resposta também terá que vir dos catequistas e das paróquias ou dioceses?
Sim, claro. Estamos a aperceber-nos que cada pároco, a partir do seu grupo de catequistas, está a organizar-se e a oferecer às famílias muitas sugestões que as famílias usarão conforme consigam. Mas julgo que precisaríamos de ter em conta que se prevê um período relativamente longo em casa, pelo que é importante não saturar com muitas coisas logo à partida, mas ir estabelecendo uma espécie de itinerário, para ser um percurso e não apenas um conjunto de momentos fortes. Mesmo a celebração diária que estamos a fazer tenta ter um fio condutor, não ser um momento isolado no dia, e a catequese precisaria de ser este caminhar juntos o tempo que estivermos nesta situação delicada.

Falou na eucaristia online. Como contornar o não poder comungar?
Sentimos sede e fome da eucaristia à medida que o tempo for passando. Isto traz-nos à memória e pode ser um momento de voltar à tradição da comunhão espiritual. Mesmo não podendo comungar fisicamente, podemos estar em comunhão interior e profunda e viver isso pessoalmente e em família. É uma sugestão que dará frutos certamente.

No ambiente doméstico é importante manter o convívio e a boa disposição?
Temos de passar para o ambiente doméstico o que eram os jogos e o divertimento. Com a minha família, tentamos não ficar só no que já está feito, mas há aqui um aspeto interessante de criar jogos e atividades. Com a minha afilhada, que tem 10 anos, estamos a colecionar porta-chaves, é um pequeno pretexto para manter contacto e ver o que cada um consegue recolher, ver os temas... é uma coisa banal, mas é dar prioridade ao que não está empacotado e pronto a usar, e que se cria em conjunto.

Jogos e brincadeiras que podem ter fundo religioso?
Sem dúvida. É muito fácil organizar uma espécie de concurso de perguntas e respostas a partir da Bíblia, e há muita coisa que se encontra na internet que pode criar um ambiente divertido e espiritualmente enriquecedor.

Falamos nas crianças, mas é importante não descurar os adultos...
Claro. Aqui é sobretudo ter atividades intergeracionais, que não isolem cada um no seu canto ou ecrã, é um momento de reaprendermos a viver intergeracionalmente e a encontrar atividades que agradem a todos, o que não é fácil, reconheço.

A catequese familiar também contribuirá para os adultos...
Sem dúvida. Quem já fez esta experiência, e felizmente ela está já em marcha a nível das dioceses, sublinha muito esse aspeto. Os pais fizeram uma descoberta e avivaram tudo aquilo que já tinham recebido ou que agora aprendem de novo. Uma fé mais existencial, que tem consequências na vida concreta. Estarem na catequese dos filhos é uma experiência de crescimento para eles também.

Que mais sugestões práticas podemos deixar às famílias?
Em jeito de sugestão, sentir-se Igreja mesmo estando isolado é sentirmos esta Igreja doméstica que se insere numa igreja mais ampla, a paróquia, a diocese e em sintonia com o Papa, que nos aponta muitos gestos. Depois, a questão do estudo e da cultura. Do ponto de vista cristão, nós temos um manancial muito rico. Antigamente, no retiro, lia-se à refeição a vida de um santo, e nós temos muitas aventuras extraordinárias, de missionários ou santos mais jovens, que poderiam possibilitar algum momento de leitura, partilha e interpretação em conjunto que seria enriquecedor da vida destes dias.
Depois, a vida nos media e o esforço de incluirmos os mais velhos nestes hábitos. Aqui o papel dos mais jovens é fundamental para que os mais idosos não se sintam excluídos.


Daí também o benefício das redes sociais...
Exatamente. Temos sobretudo esta certeza que nos vem do Evangelho, que o Senhor cumpre o que promete. E ele diz que onde dois ou três se reúnem em meu nome, eu estou no meio deles, e isto é verdade. Quando uma família se sente igreja doméstica e está unida no amor verdadeiro, dá visibilidade a Jesus Cristo vivo, que está presente e está atuante. Ele não precisa que lhe abram as portas e as janelas, porque ele entra e está e torna-se conterrâneo, contemporâneo e companheiro. De certeza que precisamos de sentir no meio de nós esta presença do Senhor e confiarmos a Maria como aquela que nos protege como mãe.

A oração e a meditação pode também ajudar a que não se entre em pânico?
Exatamente. A oração serena-nos quando nos sentimos mais impotentes. A oração é sempre possível, e quando eu rezo por alguém por uma família, estou em comunhão com os outros, estou ali, mesmo que não fisicamente. Esta dimensão de vivência espiritual que passa por mais ou menos momento rituais é essencial, porque nos abre e nos dá uma capacidade diante das dificuldades que não se baseia só nas nossas forças e capacidades e vem do Alto, e recebemos como dom e Graça.

 
Entrevista: Ricardo Perna
Fotos: António Fonseca e Ricardo Perna
 
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