O teatro Joaquim Benite, em Almada, leva à cena, a partir de amanhã, dia 9, a peça Nathan, o Sábio, um poema narrativo de Gotthold Ephraim Lessing, autor alemão do XVIII, que cruza as histórias de Nathan, um comerciante judeu com uma filha adotada, cristã, de nome Recha, um cavaleiro templário de nome impronunciável e o rei Saladino, a única personagem que encontra correspondência na história real.
O elenco conta com as participações dos conhecidos Maria Rueff, Luís Vicente e Guilherme Filipe, para além de André Gomes, André Pardal, João Farraia, João Tempera, Leonor Alecrim e Tânia Guerreiro.
A ação é passada na Jerusalém do séc. XII, uma cidade marcada na altura pelas cruzadas, guerras santas entre muçulmanos e cristãos. Uma peça «de época» que deu particular prazer a Maria Rueff preparar. «Apeteceu-me muito trabalhar este lado de época, que me implica virar 180 grau do que costumo fazer», afirmou à Família Cristão no final do ensaio de imprensa da peça.
«Gostei muito do tema, é absolutamente atual e importante. Mostrar agora, sobretudo nestas intolerâncias dos refugiados, do medo que há de que vêm infiltrados do islão. Faz todo o sentido caminharmos para alguma paz, tolerarmo-nos não no sentido de sermos mais que os outros, mas no sentido de nos aceitarmos com as diferenças, e tentarmos conviver com elas», afirma a atriz, que desempenha o papel de Daia, a criada cristã de Nathan, que se vê em conflito consigo própria por ter uma criança cristã numa casa de judeu, que ainda por cima não a educa em nenhuma das religiões.
O centro da peça é a figura de Nathan, que Maria Rueff descreve como um «pacificador». «Há outras versões da peça em que ele é apresentado como o Messias, e Jesus também era judeu. Eu acho que este Nathan hoje podia ser o Papa Francisco, ou o Mandela, de outra forma, pois são figuras que apelam ao amor, fraterno, neste sentido de nos amarmos com as nossas diferenças, sendo o que somos, tentando que as diferenças dos outros se juntem às nossas. Tarefa difícil numa época individualista, centrada em nós mesmos», lamenta.
Completamente diferente de Nathan ou Daia é o cavaleiro templário, que se encontra a viver numa cidade controlada por um muçulmano, o rei Saladino. Impulsivo, reflete aquilo que muitas pessoas são hoje: cheiias de ideias pré-concebidas, disparam argumentos em todas as direções, sem se preocuparem em pensar muito quando o fazem. Um papel que está cargo de André Pardal, que destaca o «coração muito perto da boca» da sua personagem. «No início há uma crise de valores e vai-se modificando. Ele traz muita coisa na cabeça, e nem a compreende, porque tem a disquete do que lhe foi imposto e ele não pensou. É uma das figuras com as quais o público se pode identificar, porque vai mudando e aprendendo», explica.
Apesar da peça ser apresentada sobre o tema da tolerância, André Pardal vai mais longe. «Nós falamos em tolerância, mas é mais aceitação dos outros. O templário começa no zero da aceitação, e vai quebrando os dogmas do que lhe foi imposto. Esta peça pretende mudar a forma como as pessoas pensam», diz, acrescentando que gostaria que as pessoas «pensassem sobre esta questão da aceitação».
Luís Vicente, o Nathan conciliador, que reflete, começa por dizer que é «o contrário de Trump». «A personagem Nathan é ponderada, acredita nos altos valores da humanidade. São arquétipos que são criados para nos orientarmos nas nossas vidas. Eu prezo-os, mas vivemos tempos muito complicados, em que estas coisas são contaminadas. Hoje não encontramos pessoas como Nathan», lamenta o ator.
Para Rodrigo Francisco, o encenador, o importante é «que o público possa refletir sobre aquilo que viu, desenvolver essa capacidade de pensar». A sua cena favorita, explica-nos, é «aquela em que o templário insulta o judeu de tudo, e ele responde-lhe “vem, vamos lá, temos mesmo de ser amigos”, porque é essa tentativa de ir ao encontro do que é diferente dele e conhecê-lo».
A peça esteve já para ir à cena, mas o projeto não se concretizou. Mas este é um tipo propício para este tema. «Todas as religiões têm a mesma origem, que é o amor. Estamos sempre bombardeados pela atualidade, mas acho que conviver com este tipo de textos faz-nos dar passos atrás para convivermos com o que é quotidiano e vivermos de uma forma mais clara, e o teatro dá-nos essa ferramenta», considera.
Os cenários, tão simples e despidos, cumprem a função de honrar o tipo de texto, um poema, não uma narrativa. «O cenário está vazio porque isto é um poema, o que importa é que as ideias venham ao de cima. Criamos o ambiente nesta caixa preta que é o teatro, e tudo o que esteja lá que não seja necessário distrai», explica.
A peça estreia amanhã, dia 9, e estará em cena até dia 17 de dezembro. De quarta a sábado, às 21h00, e domingos às 16h, na sala principal do teatro. Depois, volta em janeiro, de 12 a 28, no mesmo local.
Nota: Na fotogaleria abaixo, poderá ver alguma das imagens captadas durante o ensaio para a imprensa, levado a cabo dois dias antes da estreia.
Texto e fotos: Ricardo Perna
Continuar a ler