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Abusos na Igreja: investigação quer «dar a palavra às vítimas»
10.01.2022
Foi hoje, segunda-feira, apresentada a equipa que constitui a Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal. Foram apresentadas seis dos seus elementos, nomeada Pedro Strecht, o coordenador, Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Nunes de Almeida, Daniel Sampaio, Catarina Vasconcelos e Filipa Tavares, aos quais já se juntaram mais dois, numa equipa que irá «crescer conforme as necessidades», anunciou o seu coordenador.
 


Pedro Strecht disse aos jornalistas que a comissão existe «para estar ao lado das pessoas, tem disponibilidade toral para as escutar, a seu tempo e com tempo». «Todas contam», assinalou.
 
O estudo que vai ser conduzido não pretende investigar casos em aberto, ou fazer condenações. O objetivo é «dar a palavra às vítimas dos abusos, através de métodos de inquirição, não só do inquérito online, mas entrevistas a partir de guião comum, para analisar e interpretar os eventos contados na primeira pessoa. Todas as vítimas, todas as idades, todos os testemunhos contam», referiu Ana Nunes de Almeida, socióloga, acrescentando que irão ser estudados casos de 1950 a 2022.
 
Para isso, existe um site - https://darvozaosilencio.org/ - no qual é possível responder a um inquérito com o testemunho de todos os que tenham sido abusados por um membro do clero ou «leigos que estão envolvidos a nível paroquial, educativa, familiar, escolar, terapêutica», entre outras áreas de intervenção da Igreja em Portugal.
 
Para além disso, e para as pessoas que não consigam responder online ao inquérito, é possível contactar telefonicamente para uma linha aberta (+351 917 110 000) todos os dias úteis das 10h às 20h ou por email (geral@darvozaosilencio.org) ou ainda carta escrita, para um apartado a indicar em breve, sendo possível agendar um encontro presencial, ou digital, com membros da comissão, mediante marcação prévia por contacto telefónico.
 
Álvaro Laborinho Lúcio, jurista e antigo ministro da Justiça, referiu que não pretendem tratar denúncias, mas sim testemunhos. «Vamos distinguir o que podemos classificar como denúncias e como testemunhos. Não vamos trabalhar as denúncias, tudo o que for denúncia ou revelação de uma prática de crime que está dentro do prazo de investigação vamos de imediato enviar para as instâncias competentes», revelou, anunciando que já existem relações diretas com a Procuradoria-Geral da República, através do Gabinete da Família, da Criança e do Jovem, cuja diretora vai ser o ponto de contato entre a Comissão e a PGR.
 
A distinção é importante porque, considera o jurista, muitos dos crimes já terão prescrito em termos legais e penais. No entanto, esse não é o âmbito da comissão, e por isso essa questão não será um impedimento ao trabalho. «Quando estamos a falar de um estudo com várias décadas, vamo-nos defrontar com questões jurídicas. Algumas irão incorporar crime de natureza sexual, mas que poderá estar prescrito, e não poderemos fazer nada do ponto de vista jurídico e penal, mas as instituições que trabalham isto também não podem intervir aí», explicou.
 



Metodologia vai ser qualitativa, e não quantitativa
 
Ana Nunes de Almeida referiu que a realidade dos abusos ocorre maioritariamente em meio familiar, mas indicou que não irão ser tratados relatos que surjam de outras áreas fora do âmbito religioso. «Não vamos tratar testemunhos que surjam fora do âmbito religioso. Se forem denúncias de casos que possam estar associadas a crimes, serão também encaminhadas para a PGR», garantiu.
 
Sobre a amostragem, cujo método no estudo de França permitiu fazer uma extrapolação que foi muito criticada pelos números que alcançou a partir de uma extrapolação com base em inquéritos, Ana Nunes de Almeida referiu que o método no estudo português será diferente. «Esperamos que a amostra seja diversificada, mas não podemos falar de uma amostra representativa, é uma amostra qualitativa, porque vamos trabalhar com os testemunhos que vierem ao nosso encontro ou que encontrarmos, por isso queremos diversificar», referiu.
 
Esta diversificação não vai passar apenas pela recolha de testemunhos que cheguem à comissão. Para além disso, o trabalho da comissão passará por «procura de factos ocorridos, fazer análise de conteúdo e notícias, consultar dados da CPCJ, PGR, APAV e IAC, entre outras», referiu Ana Nunes de Almeida.
 
Para além disso, e de contarem com o apoio das estruturas diocesanas já criadas para lidar com denúncias de casos de abusos em cada diocese, vão «estudar arquivos da Igreja, não só das estruturas diocesanas, como também arquivos históricos nas dioceses onde se encontram os processos de denúncia e encaminhamento de casos» e, «por último, trabalhar com bases de dados dos núcleos protetores de crianças que existem nos hospitais e ARS» de todo o país. Isto tudo para preparar um estudo que deverá ser concluído em dezembro deste ano, embora, indiquem os membros da comissão, possa continuar a haver testemunhos mesmo depois das datas previstas (julho para receção dos testmunhos, dezembro para elaboração do relatório), que serão sempre incluídos no estudo final.
 
Neste campo, Daniel Sampaio refere que também a comunicação social tem um papel importante a desempenhar. «O estudo não existirá sem a vossa colaboração. Comunicação é a arte de ser entendido, queremos comunicar com as vítimas, queremos que entendam o nosso pedido, e captar o que se passou no silêncio durante tantos anos», e para isso contam com o apoio da comunicação social não apenas na investigação de eventuais casos, mas na divulgação das formas de testemunho, e para isso a comissão garante uma relação de proximidade constante. «A colaboração tem de ser reiterada, queremos que divulguem o telefone, e comprometemo-nos a dar relatos de tempos a tempos. É provável que nos próximos dias haja alguns testemunhos, mas durante um tempo haja silêncio, e é preciso que este assunto volte a ser trazido para a comunicação social, para que as pessoas percebam que ainda podem dar esse testemunho, possam continuar a dar voz ao silêncio», pediu o psicólogo.

 
Texto e fotos: Ricardo Perna

 
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