As intervenções da manhã no encontro que decorre no Vaticano sobre Proteção de Menores na Igreja foram protagonizadas pelo Cardeal Luis Antonio Tagle, das Filipinas, e por D. Charles Scicluna, arcebispo de Malta. Sobre o tema de Responsabilidade, ao qual está a ser dedicado o primeiro dia de encontro, o cardeal Tagle fez uma intervenção mais reflexiva, enquanto que D. Charles Scicluna se dedicou mais a relembrar todos os presentes dos procedimentos a adotar perante a denúncia e a descoberta de casos de abusos, assim como na prevenção de novos casos.

O Cardeal Luis Antonio Tagle dirigiu-se aos participantes e a todos quantos viam a intervenção pelas redes sociais (as intervenções estão a ser transmitidas em direto pelo canal de youtube do Vatican News) para falar sobre a tarefa do pastor, que deve ter «no seu coração» a vontade de «conhecer a dor e curar as feridas» das suas ovelhas.
Numa intervenção pesada, pontuada aqui e ali por momentos de emoção, o cardeal Tagle defendeu que, «se queremos dar testemunho autêntico da nossa fé na Ressurreição, todos nós temos de tomar responsabilidade em curar esta ferida no coração de Cristo». «É preciso garantir que as crianças e pessoas vulneráveis estão seguras e são cuidadas nas nossas comunidades», referiu, questionando como é que, bispos e sacerdotes, «podemos professar a nossa fé em Cristo quando fechamos os olhos a todas as feridas infligidas?»
O arcebispo de Manila continuou afirmando que «o nosso povo precisa que nos aproximemos das suas feridas e reconheçamos as nossas faltas para darmos um testemunho autêntico e credível da nossa fé na Ressurreição».
O arcebispo de Manila explicou que os bispos não devem ter «medo» ou «hesitação» de se aproximarem das vítimas de abusos só por receio de «sermos feridos», porque também Cristo se «deixou ferir» porque «adorava as pessoas concretas». «Muitas das feridas que iremos sofrer fazem parte da restauração da memória, como sofreram os discípulos, cujas feridas lhes lembravam as traições que fizeram a Cristo».
Sobre as vítimas, o cardeal Tagle afirmou que não basta procurar justiça para os crimes. «Quando houver justiça, como é que ajudamos as vítimas a curar dos efeitos dos abusos? A Justiça é essencial, mas não cura o coração», argumentou o cardeal.
Afirmando que «a cura do coração» só acontece com o perdão, o cardeal Tagle reafirmou que isto de forma alguma pode servir a «tentação» de deixar os crimes ficarem sem ser julgados. «Como podemos prevenir a distorção do perdão e deixarmos a injustiça escapar ou continuar?», questionou o prelado.
Para este cardeal, que afirma que «sabemos que o perdão é um caminho científico para eliminar a dor e o ressentimento no coração humano», é essencial «continuar a caminhar com as vítimas, reconstruir a confiança, continuar a pedir perdão, sabendo que não temos direito a receber perdão, e que só o receberemos se fizer parte de uma graça que provém do processo de cura».
Referindo que não deve ser feita uma escolha entre ajudar as vítimas ou ajudar os agressores, o cardeal Tagle afirma que devem ser apoiados ambos. «No que diz respeito às vítimas, precisamos de as ajudar a expressar as duas dores profundas e a curarem a partir delas. No que diz respeito aos agressores, precisamos que se faça justiça, ajudando-os a reconhecer a verdade sem a racionalizarem, sem ao mesmo tempo negligenciarmos o seu munto interior, as suas próprias feridas».
Saber o que fazer e fazer o possível para «evitar que aconteça de novo»
A segunda intervenção da manhã, do arcebispo de Malta, membro da comissão organizadora do encontro, foi mais direcionada para os procedimentos a tomar em face dos casos de abusos ou mesmo para a sua prevenção.
Da sua experiência de contacto com vítimas, D. Scicluna avisa para que não se «subestime a importância de nos confrontarmos com as feridas infligidas por membros do clero». «Em muitas reuniões com vítimas, apercebi-me que isso é solo sagrado, é onde encontramos Jesus na cruz», referiu.
O arcebispo de Malta defendeu que esta é «uma via sacra que nós bispos e outros responsáveis não podemos faltar». «Temos de ser Simão de Cirene a ajudar as vítimas a carregar a sua cruz», sustentou.
Neste sentido, repetiu todas as normas e procedimentos necessários no caso de denúncias que surjam de novos casos, acrescentando que «é importante estabelecer a verdade sobre o que aconteceu no passado e tomar todos os passos para evitar que aconteça de novo». «Trazer a cura para as vítimas e para todos os afetados. Deste modo, a Igreja crescerá mais forte», considerou.

O membro de comissão organizadora do encontro abordou também a necessidade de avaliar os novos seminaristas e implementar «programas de validação», assim como estimular a formação permanente dos sacerdotes em cada país.
Mas o arcebispo de Malta considerou também que esta formação não deve ser exclusiva dos sacerdotes. «Formar todas as comunidades é um hábito que já existe em algumas comunidades, mas que precisa de ser implementado em todo o mundo», argumenta.
Quase no final da sua intervenção, falou ainda no processo de nomeação de bispos, que deve ser mais transparente e aberto aos leigos. «É um grave pecado contra o episcopado ocultar factos negativos sobre pessoas que estejam a ser consideradas para o cargo de bispos», criticou, lembrando-se certamente de todos os bispos e cardeais envolvidos em casos de abusos ou outros problemas, que já vinham de trás, dos seus tempos de sacerdote e que teriam sido ignorados quando os mesmos foram propostos para o ministério episcopal pelas igrejas locais.
A reportagem em Roma no encontro sobre Proteção de Menores na Igreja é realizada em parceria para a Família Cristã, Agência Ecclesia, Flor de Lis, Jornal Voz da Verdade, Rádio Renascença e SIC.
Texto: Ricardo Perna
Fotos: Ricardo Perna e Vatican News
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