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Acabar com a pobreza que «mata» e abraçar a pobreza que «liberta»
14.06.2022
O Papa Francisco publicou hoje a sua mensagem para o Dia Mundial dos Pobres, que se celebra a 13 de novembro, com fortes referências à guerra e à pobreza provocada pelo impacto da guerra na Ucrânia. Uma guerra provocada pela «intervenção direta duma “superpotência”, que pretende impor a sua vontade contra o princípio da autodeterminação dos povos», numa referência que, continuando sem referir a Rússia e ou Putin, se torna cada vez mais clara nas intervenções do Papa.

 Foto © Jon Tyson | Unsplash
A mensagem deste ano é, assim, dedicada aos pobres que a «insensatez da guerra» cria. «Milhões de mulheres, crianças e idosos veem-se constrangidos a desafiar o perigo das bombas para pôr a vida a salvo, procurando abrigo como refugiados em países vizinhos. Entretanto, aqueles que permanecem nas zonas de conflito têm de conviver diariamente com o medo e a carência de comida, água, cuidados médicos e sobretudo com a falta de afeto familiar. Nestes momentos, a razão fica obscurecida e quem sofre as consequências é uma multidão de gente simples, que vem juntar-se ao número já elevado de pobres. Como dar uma resposta adequada que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da precariedade?», questiona o Papa.
 
O Papa Francisco dá assim o mote para refletir sobre a pobreza a partir do exemplo e das palavras de S. Paulo, para quem Jesus nos «enriqueceu com a sua pobreza». Francisco distingue, assim, «a existência duma pobreza que humilha e mata, e há outra pobreza – a d’Ele – que liberta e nos dá serenidade», e recorda como, ainda no tempo do Apóstolo que dá o mote ao tema deste ano para o Dia Mundial dos Pobres - «Jesus Cristo fez-Se pobre por vós» - a comunidade de Corinto se reuniu para fazer face à «carestia que assolara o país» e começou a reunir o que podiam, todas as semanas, para ajudar os mais pobres, mas que, como se está a assistir agora na Ucrânia e noutros conflitos em todo o mundo, começa diminuir à medida que o tempo passa.
 
Esta tem sido uma preocupação do Papa desde há algumas semanas, e temos assistido a várias referências sobre o assunto, desde logo na visita que D. Paul Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados da Santa Sé, fez à Ucrânia, que têm sido secundadas por outras organizações, que vieram entretanto partilhar dessa preocupação.
 
E é precisamente para evitar que a ajuda aos «milhões de refugiados das guerras no Médio Oriente, na África Central e, agora, na Ucrânia» possa diminuir ou deixar de acontecer que o Papa afirma que é «o momento de não ceder, mas de renovar a motivação inicial». «O que começamos precisa de ser levado a cabo com a mesma responsabilidade», pede o Santo Padre.
 
Francisco considera que «quanto mais cresce o sentido de comunidade e comunhão como estilo de vida, tanto mais se desenvolve a solidariedade», e fala dos países onde, «nas últimas décadas, se verificou um significativo crescimento do bem-estar de muitas famílias, que alcançaram um estado de vida seguro» graças à «iniciativa privada e a leis que sustentaram o crescimento económico». A estes, Francisco pede que «este património de segurança e estabilidade alcançado ser agora partilhado com quantos foram obrigados a deixar as suas casas e o seu país para se salvarem e sobreviverem». «Como membros da sociedade civil, mantenhamos vivo o apelo aos valores da liberdade, responsabilidade, fraternidade e solidariedade; e, como cristãos, encontremos sempre na caridade, na fé e na esperança o fundamento do nosso ser e da nossa atividade», pede.

Foto © Zac Durant | Unsplash 
O trabalho pelos mais pobres, em obras e dinheiro, é justificada pelo Papa com as palavras de S. Tiago na sua carta. «Tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos. Porque, quem se contenta com ouvir a palavra, sem a pôr em prática, assemelha-se a alguém que contempla a sua fisionomia num espelho; mal acaba de se contemplar, sai dali e esquece-se de como era. Aquele, porém, que medita com atenção a lei perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera – não com quem a ouve e logo se esquece, mas como quem a cumpre – esse encontrará a felicidade ao pô-la em prática», escreve o Papa, que fala de um «arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através de um envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém».
 
O dinheiro, defende o Papa, «não pode tornar-se um absoluto, como se fosse o objetivo principal» da vida das pessoas, mas também, por outro lado, «não se trata de ter um comportamento assistencialista com os pobres», mas sim «a atenção sincera e generosa que me permite aproximar dum pobre como de um irmão que me estende a mão para que acorde do torpor em que caí».
 
É a pobreza que «nos torna ricos», a pobreza de Jesus, que Francisco distingue da «pobreza que mata», a «miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos». «Quando a única lei passa a ser o cálculo do lucro no fim do dia, então deixa de haver qualquer freio na adoção da lógica da exploração das pessoas: os outros não passam de meios. Deixa de haver salário justo, horário justo de trabalho e criam-se novas formas de escravidão, suportada por pessoas que, sem alternativa, devem aceitar este veneno de injustiça a fim de ganhar o mínimo para comer», critica o Papa.
 
O contraponto chega da «pobreza libertadora». «Encontrar os pobres permite acabar com tantas ansiedades e medos inconsistentes, para atracar àquilo que verdadeiramente importa na vida e que ninguém nos pode roubar: o amor verdadeiro e gratuito», considera.
 
A mensagem termina com o exemplo de Carlos de Foucauld, um dos mais recentes santos da Igreja Católica, canonizado por Francisco há poucos dias, um «homem que, tendo nascido rico, renunciou a tudo para seguir Jesus e com Ele tornar-se pobre e irmão de todos».

 
Texto: Ricardo Perna
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