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Ainda se pagam promessas de joelhos?
05.05.2017
Com o aproximar do Centenário das Aparições de Fátima, cresce o número de peregrinos que se deslocam ao Santuário de Fátima a pé, assim como o número daqueles que, chegando a pé ou de carro, percorrem a já famosa passadeira branca de joelhos até à Capelinha das Aparições, onde circundam o espaço ainda de joelhos.

 
Se em relação à peregrinação a pé ao Santuário não há grande polémica, a penitência de percorrer de joelhos todo aquele percurso até à Capelinha das Aparições é uma prática exaltada por alguns e incompreendida por outros, que têm dificuldade em compreender a razão de tanto sofrimento.
 
Esta prática surge pouco tempo depois das Aparições de 1917, mas não a pedido de Nossa Senhora. É Lúcia quem, ainda jovem e com as suas irmãs, decide fazer uma Promessa a Nossa Senhora, pedindo pela sua devoção que iria a Fátima de joelhos se a sua mãe melhorasse do problema de saúde de que padecia. A mãe melhorou, e ela lá foi com as suas irmãs. «Eu tinha prometido à Santíssima Virgem, se Ela me concedesse o que eu Ihe pedia, ir aí, durante nove dias seguidos, acompanhada de minhas irmãs, rezar o Rosário e ir, de joelhos, desde o cimo da estrada até ao pé da carrasqueira; e, no último dia, levar 9 crianças pobres e dar-lhes, no fim, um jantar. Fomos, pois, cumprir a minha promessa, acompanhadas de minha mãe que dizia:
– Que coisa! Nossa Senhora curou-me e eu parece que ainda não acredito! Não sei como isto é!», podemos ler nas Memórias da Ir. Lúcia.
 
Depois desta data, muitas foram as pessoas que passaram a pedir graças e milagres a Nossa Senhora oferecendo em parte o mesmo tipo de sacrifício de Lúcia: ir de joelhos até à capelinha, já que são muito menos os registos de quem escolha dar de comer aos pobres, como ela também fez na sua promessa.

A Ir. Ângela Coelho explica que a tradição de ir de joelhos pagar promessas começou com a Ir. Lúcia, quando era nova 
O ato implica um sacrifício corporal bastante evidente e doloroso, mas isso não parece impedir as pessoas de percorrerem aquele caminho. A Ir. Ângela Coelho, postuladora da causa da canonização dos pastorinhos, explica à FAMÍLIA CRISTÃ que aqueles gestos não fazem parte do que a Virgem pediu aos pastorinhos. «Obviamente que não é o que Deus nos pede. Deus pede uma relação de intimidade e conversão com Ele, e partir daqui viver em favor dos outros, mas não estamos todos no mesmo nível da compreensão do mistério de Deus», afirma a religiosa portuguesa, que acredita que as coisas «já não são como antigamente».
 
Apesar disso, a Ir. Ângela não critica aqueles que escolhem fazer esse ato. «Não sabemos o que se passa no coração daquelas pessoas, não sei a aflição, a angústia, o sofrimento por que passavam quando resolveram olhar para Nossa Senhora, pedir ajuda e prometer este género de coisas. Não sei o que se passa no coração de cada peregrino. As pessoas, nas suas aflições, recorrem a Nossa Senhora e aos pastorinhos, e o que se passa entre essa alma e Deus é com eles», defende.
 
«Porquê sacrifício?», perguntou uma reportagem do Sol há um ano no santuário. «Porque a Senhora também me ajuda cada vez que lhe peço. Por isso o meu sacrifício é uma forma de agradecimento e de retribuição. E este ano foi muito duro!», afirma Rosa ao jornal português.
 
A Ir. Ângela dá o testemunho pessoal neste caso. «Eu tenho uma tia com 90 e tal anos, que fez isso [peregrinar de joelhos] ainda não havia a passadeira, fez em terra batida. Ela fez, e não valia a pena convencê-la do contrário. Eu perguntei porquê e ela disse “filha, é a minha fé com Deus”. E isto tenho que respeitar, e fui aprendendo a respeitar», declara a religiosa.
 

O Santuário construiu, há uns anos, uma passadeira branca em mármore, que marca o caminho dos peregrinos até à Capelinha. Embora muitos argumentem que é uma forma de incentivar estas práticas, a Ir. Ângela explica que é precisamente o contrário. «Não foi o Santuário que pôs passadeira para as pessoas fazerem aquilo, que fique claro, é o contrário. Se o Santuário tirar aquela passadeira branca, os peregrinos fazem-no no alcatrão, não tenham dúvidas. O objetivo da passadeira foi precisamente facilitar a penitência dos que já estão em penitência, nada mais», afirma. Para além disso, «obviamente que deve ser feito um trabalho de catequese, formação, e vai sendo feito. Se alguém me pergunta, eu vou explicando qual é o sentido do sofrimento e da penitência. Se não me perguntam, nunca condeno», sustenta.
 
Entregar o sofrimento do dia-a-dia a Deus, não acrescentar mais sofrimento
E qual é o sentido do sofrimento e da penitência que Nossa Senhora pedia aos pastorinhos? «Deus não quer o sofrimento, ponto. Aliás, Deus vem aliviar o sofrimento humano e fazer-se companheiro do sofrimento humano. O que Deus vem sublinhar, quer através do anjo, quer através de Nossa Senhora, é eu conseguir dar, por minha vontade, um sentido ao meu sofrimento. Não tanto um porquê, mas o que é que eu posso fazer com esta circunstância que me está a acontecer, que a vida me traz», diz a Ir. Ângela.
 
Esta é uma faceta que nem sempre é bem compreendida pelos devotos de Fátima. Aliás, nem os pastorinhos o compreenderam no início, porque começaram a fazer sacrifícios extras em honra de Nossa Senhora. «Mais importante que os sacrifícios que eles quiseram fazer, e que Nossa Senhora teve de lhes pedir que parassem, porque eles não tinham noção que se estavam a prejudicar na sua saúde, era que, nas circunstâncias que a vida lhes trazia, nos interrogatórios, nas incompreensões da família, viverem como Cristo viveu os seus sofrimentos: com muita paciência, com muito amor, e sabendo que estava a fazer a vontade do Pai e que a história da salvação estava a ocorrer», explica.
 
A ideia é, diz a religiosa, «entender que, nos meus sofrimentos, eu sou chamado a viver e a ter os mesmos sentimentos que Cristo tinha quando teve os seus sofrimentos», e não adicionar sofrimentos para além daqueles que já nos sucedem no nosso dia a dia.
 
 
Texto e fotos: Ricardo Perna
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