O arcebispo de Lahore, no Paquistão, D. Sebastian Shaw, defende que a ausência de Deus permite o aparecimento do medo que o terrorismo instala nas pessoas. «As pessoas vivem em medo, porque não conhecem Deus, Cristo ou o Catecismo. Quando uma pessoa acredita num poder sobrenatural, para além de nós, num Criador, temos esperança de que esse Criador nos vai ajudar. Mas se as pessoas não reconhecem a religião, o medo vem e as pessoas não têm nenhum pilar a que se agarrar, e sentem medo. As pessoas não vão à Igreja e portanto não sabem quem as pode proteger», sustenta o prelado.

O Paquistão foi alvo de atentados terroristas que vitimaram dezenas de pessoas. Há dois anos, uma igreja católica e uma anglicana foram alvos de bombistas suicidas, e na igreja católica o drama só não foi maior porque um dos jovens escolhidos para fazer de segurança impediu o bombista suicida de entrar na igreja, uma atitude que pagou com a própria vida. «Este jovem, Akash, atirou-se ao homem e deitou-o ao chão. Quando o bombista suicida pressionou o botão, ele morreu também, mas salvou a vida dos 1500 que estavam dentro da igreja», recorda D. Sebastian, que conta ainda como, no ano passado, dezenas de pessoas morreram num parque urbano em Youhannabad. «No dia 27 de março, dia de Páscoa, todos estávamos a celebrar a Páscoa, muito felizes. Mas estes terroristas sabiam que as igrejas estavam bem protegidos, e sabiam que muitos cristãos iriam para este parque, porque estava sempre aberto para a população mais pobre. Escolheram esse parque e um bombista suicida entrou e fez-se explodir, matando 80 pessoas e fazendo 40 feridos. Mas um parque é um parque, e não havia apenas cristãos ali, também muçulmanos», conta.
O momento está bem presente na sua memória. «Eram 18h35 e eu estava em casa a fazer zapping das notícias internacionais e vi a notícia na televisão. Fiquei muito preocupado e telefonei logo a muitas pessoas a tentar perceber o que se tinha passado», diz.
Depois dos atentados, a população cristã vive em medo, mas sem renunciar à sua fé. «Sim, houve muito medo. Mas tentámos sempre encorajar as pessoas a aparecerem. Eu dizia muitas vezes que Deus tinha um plano especial para elas, e por isso é que elas tinham nascido no Paquistão e não na América ou noutro sítio. Não sabemos, mas Deus pode ter um plano de nos tornar mediadores da paz, um exemplo para o mundo. Podemos ser uma pequena minoria, mas somos uma presença que ilumina a sociedade», garantiu o arcebispo paquistanês.
Depois do atentado no parque, D. Sebastian Shaw conta como visitou os hospitais onde estavam os feridos, para confortar não só os cristãos, como os muçulmanos. «No dia seguinte, fui visitar três hospitais e, ao chegar, o médico chefe pensou que eu iria apenas visitar os cristãos, mas eu disse que estava ali para todas as vítimas. Cristãos ou muçulmanos, todos são vítimas, e eu estou aqui para toda a gente», lembrou. O diálogo, aliás, tem sido uma das armas para um Paquistão mais tolerante. «Desenvolvemos o diálogo inter-religioso e acho que, através desse diálogo, as pessoas sentiram-se encorajadas a viver no Paquistão, a rezar pelo Paquistão e a trabalhar pelo desenvolvimento do país. Se não tivermos diálogo, não há nenhuma solução, porque os muçulmanos vão pensar coisas erradas sobre os cristãos, e os cristãos vão pensar errado sobre os muçulmanos, e não há solução, porque viveremos sempre só vendo o nosso lado. Mas se falarmos, vemos que há muitos pontos em comum e assim poderemos construir uma sociedade harmoniosa para nós e para as gerações que virão», considera o prelado.
Utilização abusiva de Lei da Blasfémia preocupa
D. Sebastian Shaw critica a forma como alguns muçulmanos utilizam a Lei da Blasfémia que existe no país. «As pessoas acusam, tornam-se juízes e carrascos, e a polícia só surge depois», conta à Família Cristã.

Os cristãos são uma minoria no país e enfrentam vários desafios, entre os quais esta lei que pune severamente quem blasfemar. «Esta má utilização acontece como no caso de um casal que foi queimado vivo em 2014 por ter alegadamente profanado o Corão. Eram um casal de cristãos muito pobres que trabalhava numa fábrica de tijolos. Parece que estavam a limpar a casa e a queimar alguns papéis e alguém disse que estavam a queimar o Corão. O problema era que estas pessoas tinham um problema de dívidas com o senhorio da casa, que arranjou esta desculpa e, sem qualquer justificação, as pessoas foram ao imã que tornou o caso público e legitimou a ação popular. Uma multidão juntou-se, foi a casa deles, bateu-lhes tanto que eles desmaiaram, e depois meteram-nos nos fornos em que eram feitos os tijolos. Eram 4 ou 5 mil pessoas e nenhuma teve a consciência de investigar, saber se era verdade... só depois da sua morte é que se investigou e se percebeu que eles eram inocentes. Foi muito cruel…», recorda.
Para procurar acabar com isto, o arcebispo tem trabalhado junto do governo para parar esta má utilização. «Estamos em contacto com o governo para que crie uma lei que impeça a má utilização da Lei da Blasfémia. Sabemos que o governo está a fazer algumas leis e a sensibilizar as pessoas. Espero que no futuro as leis sejam melhores para que haja investigação antes da condenação», defende D. Sebastian Shaw.
Texto e fotos: Ricardo Perna
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