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Bagão Félix: «Indiferença é a pior coisa numa sociedade»
14.11.2017
António Bagão Félix é independente, embora já tenha sido ministro em vários governos. Assumidamente católico, falou à FAMÍLIA CRISTÃ sobre a sua experiência e sobre os crentes na política.
 

Ser católico fornece uma forma diferente de olhar para os cargos políticos?

É evidente que me influencia. Do ponto de vista doutrinário, até porque sou muito estudioso da Doutrina Social da Igreja, evidentemente que me influenciou bastante, sobretudo os princípios que se devem aplicar indiscutivelmente na vida pública, na vida cívica, na vida política. Desde logo, em primeiro lugar, a prossecução constante do bem comum. A ideia do bem comum é muito intuitiva. Mas não se confunde sempre com o registo de maiorias democráticas. Para mim, o respeito integral pela vida, a questão do aborto ou das biotecnologias que ferem o princípio fundamental que é a dignidade e centralidade da pessoa podem até ser votados. Pode haver um referendo que dê: 99% das pessoas são favoráveis ao aborto. Continua a ser um não-bem comum.
Dignidade e centralidade da pessoa humana, prossecução do bem comum, destino universal dos bens e mais dois princípios: princípio da subsidiariedade e opção preferencial pelos pobres. Eu prefiro dizer opção preferencial pelos últimos, os que, depois de enunciar tudo, ficam no fim. Temos de fazer uma grande inversão desta escala… Algumas vezes não tive estes princípios em conta, algumas vezes falhei. Mas sempre me influenciaram.
 
A ideia geral, o senso comum, as pessoas na rua, o que dizem é que os políticos são todos iguais, são todos corruptos. Os partidos têm contribuído para isso?
Absolutamente de acordo, e está a agravar-se. Devemos combater o elemento, para mim, mais degradante e perigoso da sociedade contemporânea que é a indiferença.
Posso estar a ser injusto, e estou a ser injusto certamente com pessoas com mérito que continuam a existir na política. Mas, de um modo geral, as pessoas têm duas ou três perceções que me parecem muito ajustadas. Em primeiro lugar, hoje isso é evidente, a de que as pessoas que estão nos partidos nunca fizeram mais nada. Ora, quando não se faz mais nada senão política, mais tarde ou mais cedo erra-se na política. A vida faz-se de embates e é neles que aprendemos. Eu só aprendi com os erros que cometi. Hoje, muita gente vai para a política sem qualquer preparação, vai para lá pelas “jotas” e companhia. Há muito arrivismo, há muito oportunismo. Há mesmo pouca preparação de carácter, em muitos casos. Não quero generalizar.
Por outro lado, os partidos andam sempre num jogo floral de culpas e de responsabilidades.
Esta coisa de só dizer mal dos outros cansa as pessoas, não é compensatório, é ridículo mesmo, às vezes.
A política é centrífuga. Quando eu entrei para a política ela era centrípeta, era um íman. A política vai ficando reduzida a um downsizing não de competências, mas de carácter.

Nesse cenário, como é que os católicos e os cristãos devem agir? Cruzar os braços e deixar esse mundo para os outros? Ou…
Não, não. A indiferença é a pior coisa numa sociedade, seja-se católico, budista, ateu, muçulmano, agnóstico… Para os cristãos, o compromisso tem de ser maior. O compromisso da palavra, do testemunho, do serviço, da exemplaridade. Podemos não ser santos, mas devemos ser exemplares. Os cristãos têm uma responsabilidade grande como Povo de Deus e seus principais representantes. E o Papa Francisco tem sido exemplar.
 
Mas não é fácil, parece que tudo está contra. Um cristão meter-se na política é como meter-se num mar revolto. É lutar contra os ventos, não é?
É isso mesmo. Eu acho que, hoje, ser cristão é quase ser insurreto, é remar contra a maré. É um problema brutal. Já estive em debates em que um era apresentado como ateu, quase como um herói, e eu era apresentado como católico, só me faltava ter uma coisa na testa de estar ali numa situação de capitis diminutio, capacidade diminuída.
Às vezes, nós, católicos, também precisamos de ser apoiados pela hierarquia, pelos bispos e padres. Nestas causas que houve deveríamos ter sido mais apoiados. Os senhores bispos, às vezes, são muito politicamente corretos, são muito religiosamente corretos. A própria Igreja, nos seus membros, tem de dar exemplo.
 
Como é que a Igreja pode fazer?
É difícil, é cada vez mais apertado – os media, a opinião pública e as redes sociais são bastante brutais e violentos, mesmo contra a ideia de ser católico e de ser santo. Mas isso não nos deve fazer desanimar. Dei exemplos de meios que temos no domínio da palavra, dos meios, do testemunho.
 
Entrevista conduzida por Cláudia Sebastião
Fotos: Ricardo Perna

A versão mais longa desta entrevista pode ser lida na edição de novembro de 2017 da FAMÍLIA CRISTÃ.
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