O tema é polémico e particularmente sensível, mexe com valores e princípios éticos e morais, mas também com o lado emocional e humano das pessoas.
Barrigas de aluguer, maternidade de substituição, gestação de substituição são termos designados para expressar quase a mesma coisa, a existência de uma mulher que vive uma gravidez de um feto que entregará a terceiros aquando do nascimento.
Eurico José Reis, juiz-desembargador e presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), esclarece que para as propostas que têm estado em cima da mesa e que motivaram o parecer que o Conselho expressou na última legislatura – e acreditando que a ideia do Conselho se manterá relativamente ao último documento – o termo correto é gestação de substituição.
«Neste caso concreto, o que acontece é que há uma mulher que de forma benévola e altruísta quer ajudar outra mulher a ser mãe e portanto cede o útero para que aí seja feita a gestação do feto, que não é dela e para o qual não há qualquer comparticipação biológica sua.»
Embora reconhecendo a dor causada pela impossibilidade de gerar filhos em resultado de uma condição médica como a referida, e ainda que na base estejam motivos altruístas, a possibilidade de recorrer a uma outra mulher para levar adiante a gravidez de um casal não se afigura como uma hipótese considerando os documentos do Magistério da Igreja (Catecismo da Igreja Católica, Donum Vitae e Dignitas Personae, para nomear alguns), seja porque encaram os filhos «como uma dívida e não uma dádiva», «porque provocam a dissociação dos progenitores pela intervenção de uma pessoa estranha ao casal» (Catecismo da Igreja Católica, 2378, 2376), ou porque não alia a procriação à união do casal.
A posição da Igreja foi sempre «muito cautelosa e muito prudente no que diz respeito a avanços neste propósito», explica o Pe. José Manuel Almeida, médico e coordenador da Pastoral da Saúde. O sacerdote revela-se à vontade para assumir a crítica que é feita à Igreja de que esta posição “contra”, no que a estes temas diz respeito, é tomada «às vezes sem grandes argumentos, é verdade, a não ser o de que pode ser um terreno escorregadio» que «gera muitos conflitos à volta», até porque geralmente a prática vem mostrar e «dar razão a que esses avanços tecnicamente possíveis não eram tão humanamente realizadores». Para justificar este último aspeto, cita o artigo de Pedro Vaz Patto O Retrocesso que dá conta de várias iniciativas contra esta prática em países que a têm há mais tempo.
Por sua vez, o presidente do CNPMA não rejeita a ideia de que se podem levantar problemas éticos à proposta e, por isso mesmo, entende que nenhuma posição perante o tema deve ser «demonizada». Não rejeita sequer que efetivamente se possa considerar que nela há valores não atendidos, mas entende que, perante um dilema humano, se deu primazia àqueles que se consideraram mais importantes. «Perante este conflito de natureza ética, moral, ponderados os vários valores que estão em cima da mesa, o Conselho achou que sopesados os vários princípios e valores éticos em cima da mesa, embora reconhecendo que há valores éticos que não irão ser atendidos, aqueles que são atendidos são mais importantes e dão uma solução eticamente válida» a um dos «desejos mais profundos do ser humano», a «parentalidade», defende Eurico José Reis.
Sobre este ponto, a posição da Igreja é muitas vezes apontada como sendo fria e insensível ao sofrimento causado pela impossibilidade de ter filhos, não abrindo de maneira nenhuma a porta a esta possibilidade. O coordenador da Pastoral da Saúde entende que possa parecer isso, mas crê que «temos, como Igreja, uma grande sensibilidade à dor dos outros» e explica que ao nível da pastoral familiar há possibilidade de fazer um acompanhamento que tenha em conta esse sofrimento e que ajude os casais a reconciliar-se, aceitando os erros da natureza, porque «somos administradores fiéis da criação e não donos da criação».
Partem daqui muitas das razões invocadas para a desconfiança relativamente a uma proposta de gestação de substituição, mesmo que com princípios altruístas: a utilização de um corpo «por encomenda de terceiros» e a sua consequente «mercantilização, mesmo que não seja com dinheiro»; a dignidade do dom que é a vida da criança que «aparece sempre como um direito»; a relação que se estabelece entre a gestante e o feto, «que não é só de sangue e nutrientes», mas «afetiva e pessoal» num período de nove meses que culmina no corte abrupto da relação; o conceito de mãe, que era «quem dava à luz; sabia-se sempre quem era, agora até esse vínculo se perde», foram algumas das questões levantadas pelo Pe. José Manuel Almeida que justificam o ponto de vista de rejeição da Igreja, pelos conflitos que geram.
Alguns dos conflitos invocados pelas vozes contra a maternidade de substituição atravessam a proposta do CNPMA, mas, como referido por Eurico José Reis, o peso que se lhes deu foi outro e «a força moral» e a «validade ética» de atender à situação das mulheres em questão prevaleceu.
Uma das ressalvas feitas pelo Conselho foi a de que a gestante deverá ser uma mulher que já tenha filhos seus, por dois motivos que culminam num só: saber com o maior detalhe possível, aquilo a que se propõe. Em primeiro lugar, uma mulher que já tenha sido mãe, já passou por uma gravidez e tem noção das muitas alterações que ela provoca durante o tempo que dura. Em segundo lugar, porque tendo tido filhos seus e tendo já estabelecido laços com eles, «não terá tanta necessidade de manter uma ligação com aquela de que está a fazer a gestação».
Reportagem originalmente publicada na
Família Cristã de
fevereiro 2016