Hoje sobem aos altares da Igreja Católica o Papa Paulo VI, que liderou a Igreja entre 1963 e 1968, e D. Óscar Romero, bispo salvadorenho que foi morto enquanto celebrava missa numa capela do Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador.

Duas figuras que, aparentemente, pouco terão em comum, exceto o facto de ter sido Paulo VI a nomear D. Óscar Romero, porque vêm de contextos diferentes. No entanto, há um ponto semelhante entre eles e o próprio Papa Francisco: a opção pelos pobres.
Mas nem sempre foi assim para D. Óscar Romero. «É preciso saber enquadrar o D. Óscar em El Salvador, um território sempre governado por 14 famílias tradicionalistas e o clero e os bispos não passavam de “capelães” dessas famílias influentes. Quase sempre essas ternas [conjunto de três nomes que o núncio envia ao Papa quando é necessário nomear um bispo para uma diocese] que eram enviadas para Roma eram filtradas, e os bispos propostos eram tradicionalistas. O Óscar Romero, quando é eleito arcebispo da capital, também é um conservador. No entanto, logo depois da nomeação, dá-se uma conversão. Ao ver a situação daquelas famílias, daquelas pobrezas, e a morte violenta de um jesuíta, no programa de rádio dominical que mantinha começou a causticar toda aquela situação», explica o Pe. David Barbosa, professor de História na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.
No dia 6 de março, a reunião dos cardeais e bispos do dicastério expressou por unanimidade o seu parecer favorável, reconhecendo o milagre que é devido à intercessão de D. Óscar Romero, a cura de uma mulher que estava em perigo de morte devido ao parto. Também nesse dia, o consistório aprovou a canonização de Paulo VI por causa de um milagre atribuído ao antigo Papa do desenvolvimento completo de uma gravidez de alto risco, da qual nasceu uma menina completamente saudável.
Por seu lado, a figura de Paulo VI, muito considerado entre o clero, mas menos entre o povo, oferece poucas dúvidas ao Pe. David Barbosa. «Foi um grande Papa, que, ao servir de mediador entre duas posições opostas, optou sempre pela fidelidade à Igreja institucional», explica. A história do cardeal Montini é mais carreirista do que a de D. Óscar Romero. O que seria Papa foi sempre um sacerdote e bispo próximo do Vaticano e da Cúria. «Durante toda a sua vida, em momentos importantes, teve de servir de mediador entre duas posições opostas».
Afastado da Secretaria de Estado para a arquidiocese de Milão, no que foi visto como uma “promoção para afastar”, mantém-se fiel e regressa quando é nomeado cardeal por João XXIII, o Papa que convoca o Concílio Vaticano II (CV II), mas morre antes do seu fim, deixando Paulo VI encarregado de o concluir. «João XXIII tinha preparado o CV II de uma forma rápida, como explica no seu diário: «Vou abri-lo em outubro e vou clausurá-lo no dia de Natal de 1962.» Estava tudo preparado, e os bispos iam ser chamados apenas para o aplauso, que era a tradição nos sínodos e concílios. Aquilo foi turbulento, porque na primeira parte o concílio é agarrado pelo episcopado da Europa Central e todos aqueles esquemas que deviam ser aprovados foram todos postos de lado. Isso foi doloroso, e é interessante que Montini, já cardeal, só tomou a palavra por duas vezes nessa primeira parte, e depois da morte de João XXIII ele é eleito Papa e como Papa teve mérito de levar o concílio para a frente. Depois da segunda parte, pensou terminar, e depois da terceira deu mesmo a entender que gostava de terminar, mas só termina depois. Foi sempre muito respeitador», garante o Pe. David Barbosa.
Paulo VI foi também o primeiro Papa a visitar o Santuário de Fátima, num momento particularmente delicado da história portuguesa e europeia. Salazar governava o país e a ditadura do Estado Novo estava num conflito diplomático por causa das posições do Papa relativamente à Índia, onde tinha ocorrido um incidente diplomático com Portugal. «A vinda dele a Portugal, nas circunstâncias em que foi, revelou coragem. Pela primeira vez, o Papa não aterrou na capital, porque ele questionava essa capital, e encontrou aquela solução» de viajar diretamente para Monte Real, efetuando uma visita meramente pastoral, e conseguindo contornar o que teria sido uma situação diplomática complicada.

Os tempos eram outros, e por isso o contacto entre D. Óscar Romero e Paulo VI não foi muito frequente. Mas chegaram a estar juntos, e é possível perceber a relação que tinham através das memórias de D. Óscar, citadas pelo jornalista Andrea Tornielli. «Romero, por sua vez, agia na linha do magistério de Paulo VI e da exortação apostólica Evangelii nuntiandi, documento ainda atual e fonte de inspiração para o próprio Papa Francisco. O arcebispo mártir conservava no coração a lembrança do último encontro com Montini: “Paulo VI apertou a mão direita e segurou-a longamente entre as suas mãos, e eu também apertei com as minhas duas mãos a mão do Papa”. “Eu entendo a sua difícil tarefa – disse o Papa Montini –, é um trabalho que pode ser mal interpretado e requer muita paciência e fortaleza. Mas siga em frente com coragem, paciência, força e esperança.” O Pontífice referia-se às dificuldades e às incompreensões que Romero viveu em El Salvador, onde a sua proximidade evangélica com os pobres e sua defesa dos últimos foi vista como “marxista”», refere o jornalista.
Apesar da importância de ambas as figuras, o Pe. David não prevê uma multidão «muito grande» em Roma para a canonização. No caso de D. Óscar Romero, porque os seus admiradores estão na América Latina e não terão possibilidades de se deslocar em grande número, e no caso de Paulo VI por que acaba por ser uma figura que não desperta tanta movimentação da parte dos fiéis. Ainda assim, existe muita curiosidade para perceber o papel destes novos santos da Igreja para os fiéis.
Texto: Ricardo Perna
Fotos: DR
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