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Cinco anos depois, Bento XVI continua a «subir à montanha»
28.02.2018
No dia 27 de fevereiro de 2013, Bento XVI presidia à sua última audiência geral. Numa Praça de S. Pedro lotada de fiéis que se quiseram despedir do Santo Padre, Bento XVI afirmou que esta «inovação» foi para o «bem da Igreja».

Bento XVI acena aos fiéis no Terreiro do Paço, em Lisboa, na sua visita em 2010.
«Dei este passo com plena consciência da sua gravidade e inovação, mas com uma profunda serenidade de espírito», explicou o Papa, em português, perante mais de 150 mil pessoas reunidas na Praça de São Pedro, para a última audiência pública do pontificado. A sua resignação não foi a primeira, mas é preciso recuar quase 600 anos até uma situação similar, com Gregório XII. Um dia depois, faz hoje cinco anos, resignaria oficialmente à cátedra de S. Pedro.
 
Dias antes da saída oficial, na oração do Angelus, deixava a certeza de que iria continuar a acompanhar a Igreja. «O Senhor chama-me a “subir à montanha”, a dedicar-me ainda mais à oração e à meditação. Mas isto não significa abandonar a Igreja», afirmou na altura.
 
Hoje, depois dos 90 anos, Bento XVI assume o «lento declínio das forças físicas» e, a caminho dos 91 anos, diz estar a viver um momento de peregrinação interior. «A esse respeito, posso dizer que, no lento declínio das forças físicas, estou interiormente em peregrinação para Casa», escreveu ao jornal italiano Corriere della Sera.
 
 A verdade é que poucos esperariam que o Papa emérito, esta figura nova criada por Bento XVI e que Francisco assumiu como uma posição «institucional» e não «excecional», durasse tanto tempo, já que eram muitos os relatos da sua fraca saúde e dificuldades físicas.
 
Na altura, a reportagem da Família Cristã em Roma permitia conhecer algumas facetas menos conhecidas do agora Papa emérito. «É uma pessoa muito atenta, sensível, longe da imagem fria e distante que todos têm dele. É o gentleman no ponto mais desenvolvido do conceito», dizia-nos Mons. José Avelino Bettencourt, chefe de protocolo da Santa Sé que agora foi nomeado arcebispo e núncio apostólico pelo Papa Francisco. «Cada palavra que ele diz tem um significado próprio, uma intenção, não diz nada supérfluo, ou por acaso. É uma pessoa que traz um vasto mundo consigo, que consegue traduzir de uma forma acessível para todos. E isto tem a ver com aquela atenção que ele tem no trato com as pessoas. Quando ele recebe alguém, aquela pessoa é o centro do seu universo naquele momento. Não está com atenção ao próximo encontro, ou a outro assunto, mas sim à pessoa que tem à frente, e isso sempre me tocou muito», revelava-nos o chefe de protocolo da altura, que tinha sido conduzido ao cargo pelo próprio Bento XVI.

Bento XVI na sua última audiência geral, em 2013 
Uma figura que nem sempre foi bem compreendida pela comunicação social e pelos fiéis. «Infelizmente, os media nunca captaram a verdadeira essência de Bento XVI. A história vai olhar para Bento XVI de forma diferente daquela que nós olhámos. Não me surpreende que daqui a 100 ou 200 anos os seus textos se encontrem nos próprios breviários do clero. Ele tem coisas profundíssimas, e penso que a última linha não foi escrita ainda», adivinhava na altura Mons. Bettencourt.
 
Aliás, mesmo os fiéis católicos desconfiaram a princípio desta figura alemã, e muitos só se sentiram cativados depois de estarem mais próximos, como sucedeu em Portugal, relatava na altura uma família de portugueses que estava na Praça de S. Pedro no dia da resignação. «Estive cá no início do pontificado e pareceu-me uma pessoa fria e distante», dizia o Filipe, ao que a Mónica, sua esposa, acrescentaria de imediato «isso até à visita em Portugal, porque aí mudámos a nossa ideia e percebemos que é uma pessoa mais humana, mais simpática».

O Cardeal Saraiva Martins falava, na altura da sua resignação, de um pontífice «certo para o seu tempo». «Deixa coisas muito positivas. Deve ser considerado uma continuação do pontificado de João Paulo II. Há uma identidade absoluta entre os dois Papas».
 
De facto, depois da sua “reforma”, Bento XVI manteve uma postura discreta e muito pouco interventiva na esfera pública, mas não deixou de escrever ou de receber algumas visitas, como o caso do grupo de antigos alunos seus, que se reunia todos os anos com o Papa emérito.
 
A sua relação com Francisco foi sempre muito cordial, e Bento XVI afirmou sempre que a sua obediência era inquestionável. Aliás, ainda no ano passado, por ocasião da missa evocativa da morte do Cardeal Joachim Meisner, Bento XVI enviou uma pequena mensagem que foi lida na altura, na qual afirmava que «o Senhor não abandona a sua Igreja, mesmo se, às vezes, a barca esteja quase repleta a ponto de soçobrar», uma ideia que foi vista na altura como uma crítica velada ao pontificado de Francisco, noção que foi prontamente desmentida. Francisco, aliás, continua a afirmar a «dívida de gratidão» da Igreja para com o seu antecessor.

Não se sabe mais sobre o estado de saúde do Papa emérito do que a nota da Sala de Imprensa do Vaticano a negar notícias de complicações de saúde que circulavam há dias pela comunicação social. Que a saúde está frágil, ficou claro logo na altura da renúncia, pelas suas próprias palavras, mas mais que isso não se sabe, e o facto é que já passaram cinco anos.
 
Texto e fotos: Ricardo Perna
 
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