Uma empresa online está a vender um modelo de colchão que indica estar abençoado com água benta. No site Stock-off.com, é possível encontrar o anúncio abaixo, em que um colchão, que custava 2.000€, está à venda por 290€.

A venda de objetos religiosos benzidos é proibida pelo Direito Canónico e pode impedir o sacerdote que a pratique de exercer o seu ministério, já que se insere no pecado de simonia, «a compra e venda de realidades espirituais ou anexas às espirituais por um preço temporal», conforme define o código de direito canónico.
A FAMÍLIA CRISTÃ, fazendo-se passar por cliente, contactou a empresa através do seu sistema de atendimento online, a fim de verificar a situação. Em resposta, o operador indicou que a empresa se situava na zona da paróquia de Santo Tirso (diocese do Porto), que iria procurar mais informações sobre a paróquia que procederia à bênção e que depois entraria em contacto telefónico.

Dois dias depois, por telefone, a assistente indicava à nossa reportagem que o colchão seria benzido pelo pároco de Santo Tirso, cujo nome referiu não poder adiantar «porque tinha pedido anonimato», segundo disse.
Seguindo esta indicação, e continuando a fazer-se passar por um cliente interessado na aquisição do colchão, a FAMÍLIA CRISTÃ contactou o pároco de Santo Tirso, que reagiu com muita surpresa à nossa questão e disse «desconhecer de todo» qualquer protocolo com a paróquia no sentido de benzer colchões vendidos pela loja online.
Nesse momento, voltámos a contactar a empresa, enquanto clientes, para procurar esclarecer o assunto, e aí a resposta já foi diferente. «Quando recebermos a sua encomenda, iremos com o colchão a uma daquelas missas campais onde abençoam tudo em conjunto e depois fazemos a entrega do colchão abençoado», assegurando que «iremos informar-nos da próxima missa campal aqui perto ou mais longe, e depois o valor que reverter do colchão iremos entregar a essa paróquia», referiu a assistente via telefone.
Neste segundo telefonema, a operadora informou-nos de que não há ainda nenhum protocolo com nenhuma paróquia, pois ainda não tinha sido vendido nenhum colchão, mas assegurou que o procedimento é perfeitamente legítimo. «Numa missa campal, sendo uma bênção geral, qualquer tipo de objeto poderá ser benzido. A parte da doação iremos informar a Igreja que temos este artigo, que foi benzido numa missa campal em que foram benzidos vários objetos, e acaba por ser uma doação. Penso que algum dinheiro que possa ajudar os mais desfavorecidos não irá ser recusado», informou a empresa.
No entanto, esta é uma afirmação que não é verdadeira. Antes de mais, porque, segundo o Ritual Romano, os únicos objetos que se podem abençoar nesses momentos são «objetos que se destinam a exercitar a piedade e a devoção», como «medalhas, pequenas cruzes, imagens religiosas que não se expõem em lugares sagrados, escapulários, terços e objetos semelhantes que se usam nas práticas de exercícios de piedade». Em lugar algum se refere a possibilidade de bênção de colchões.
Depois, mesmo que fosse possível a bênção desse objeto, nenhuma paróquia poderia, em consciência, aceitar o dinheiro proveniente daquela venda, já que o sacerdote que o aceitasse estaria a incorrer em simonia.
Questionada sobre o que aconteceria se a paróquia recusasse a doação, a empresa referiu, pela voz da sua assistente, «acho que não irão recusar uma doação. Como nunca obtivemos vendas deste produto, ainda não sabemos se a paróquia vai recusar ou não, mas se o dinheiro é doado, e principalmente na altura do Natal, com famílias para ajudar, penso que não iriam recusar», considerou ao telefone.

Segundo fontes legais contactadas pela FAMÍLIA CRISTÃ, a venda deste produto pode fazer a empresa incorrer em dois crimes legais, para além dos problemas teológicos já explicados acima. Um seria o artigo 187 do Código Penal (CP), de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, já que, refere a mesma fonte, «a Stock-off vende o colchão com a indicação de que uma percentagem será entregue à instituição Igreja. O colchão, sendo benzido, pressupõe que a igreja aceita esta venda, o que é consubstanciado pela indicação de uma entrega à igreja de uma percentagem, tudo como se a mesma fizesse parte do trato comercial. Assim a Stock-off está a reputar como verdadeiro e propalar factos inverídicos, ainda que de forma subtil, capaz de ofender a credibilidade e prestígio da instituição».
Por outro lado, coloca-se também a hipótese do crime de burla, previsto no artigo 217 do mesmo CP. «A Stock-off pretende obter para si ou terceiro (se for plataforma de venda de terceiros) enriquecimento (produto da venda) por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou».
O anúncio está disponível através deste
link.
Texto: Ricardo Perna
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