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Combater a pobreza ensinando “a pescar”
22.06.2016
Quando o país mais sofreu com a crise económica e o desemprego, era normal os sacerdotes verem os paroquianos perderem o emprego e passarem por dificuldades. «Comecei a sentir nos meus paroquianos, sobretudo nos colaboradores mais diretos, as necessidades grandes que tinham. Ficaram sem emprego, alguns casais com filhos. Uma das coisas que me custava mais ver eram as carrinhas que à sexta-feira traziam os trabalhadores e que os vinham buscar de novo ao domingo à noite, faz doer o coração.» Foi neste contexto que o Pe. Samuel Guedes, pároco de três paróquias em Paços de Ferreira, decidiu pôr mãos à obra e ajudar quem tinha ficado sem emprego.



Se assim pensou, melhor executou. Pegando na experiência adquirida dos trabalhadores de uma estação de lacticínios que o Estado tinha fechado, o Pe. Samuel pediu-lhes que lhe ensinassem os seus segredos e assim formou uma empresa social que produz queijos gourmet para mais de 100 lojas em todo o país e já planeia a internacionalização. Aos queijos, e por necessidade logística, juntaram-se doces, compotas e bolachas conventuais, receitas criadas em exclusivo para o projeto, a que deu o nome de Paladares Paroquiais.

O projeto começou em força no Natal de 2012 com o apoio de fundos comunitários e já emprega nove pessoas de forma direta. «Os pobres não são apenas os que estão à porta da igreja a pedir. Esses socorremos no momento, damos comida, esmola, mas eles foram pobres toda a sua vida e têm outras facilidades para sobreviver. Temos de os ajudar, claro, mas a pobreza envergonhada, de pessoas que ficaram sem emprego e que vão perder a casa, que não têm dinheiro para os medicamentos, é muito complicada de gerir, descobrir e ajudar, mantendo o sigilo e a dignidade. E acho que a subsidiodependência, de estarmos a criar peditórios e ofertórios para socorrer às necessidades, não é solução. A solução é a velha máxima de “precisas de peixe, nós ensinamos-te a pescar”. Mais do que pensar num negócio para dar dinheiro, é olharmos para isto como a promoção de um bem comum, e mais do que isso, que isto tenha também um significado para a comunidade na pastoral sociocaritativa», defende o Pe. Samuel, para quem é tempo de as paróquias olharem para estes projetos de empresas sociais até como forma de financiar a pastoral.

Os queijos gourmet são uma das vertentes deste negócio social
«A conjuntura económica é difícil e as paróquias têm dificuldade em arranjar dinheiro para as suas atividades pastorais. Se as pessoas não têm dinheiro, não dão. Também me parece que o peditório já foi chão que deu uvas. Mesmo na parte pastoral, nós temos de começar a pensar em estruturas económicas que proporcionem a sustentabilidade das nossas atividades, porque os ofertórios das missas estão mais baixos, os rendimentos dos emolumentos (casamentos, batizados) são poucos, e temos de pensar nisso», avisa quem acha que «a pastoral precisa de ser bem feita», e isso significa «gastar dinheiro». «Temos de ser bons no que fazemos, e isso custa dinheiro», defende.

Para além deste braço de produção gourmet, o Pe. Samuel juntou as três cozinhas das IPSS que geria e criou um serviço de catering que alimenta não só essas IPSS como mais outras duas da região, para além de todas as escolas de ensino básico da zona e ainda uma cantina social para pessoas carenciadas, identificadas pela autarquia. No total, mais de 1000 refeições por dia saem dali. «Juntar tudo permitiu-me ter margem negocial para conseguir melhores preços, e poupámos em equipamentos também», refere o Pe. Samuel, para quem a autossustentabilidade é um imperativo, conseguido também através da otimização dos recursos. «Da produção dos queijos obtemos um soro que é poluente, mas é proteína que pode alimentar porcos, e por isso criámos uma suinicultura, cuja carne alimenta as nossas cozinhas. Para além disso, tínhamos terrenos a monte que começámos a cultivar com legumes para as nossas cozinhas. Já lá temos três pessoas em regime de contrato de inserção, uma parceria que fazemos com o centro de emprego da zona, e se conseguirmos que aquele projeto seja autossustentável faremos contratos com eles também», explica. Aliás, tem sido o centro de emprego da zona o principal fornecedor de mão de obra. «Os próprios governantes ficam espantados, mas 95% dos meus 60 funcionários vieram do centro de emprego», congratula-se.

Alguns poderão pensar que este tipo de empresas só se aguenta por via de muito voluntariado de pessoas que dão do seu tempo para que os custos e o projeto funcione. Mas é um erro pensar assim. «A empresa funciona como qualquer outra e é sustentável por si mesma. Os ordenados são os que a lei indica, as horas extraordinárias são pagas, estamos a fazer o pagamento dos investimentos que foram feitos, pagamos os nossos impostos ao Estado, e o ano passado já lá deixámos uma boa maquia», afirma o sacerdote, retirando quaisquer dúvidas sobre essa questão. O que há, também, é uma grande paixão pelo projeto. «É uma das coisas que me dá gosto sentir, é que os próprios trabalhadores olham para o projeto social como a menina dos olhos deles, porque no fundo foi a sua salvação. Eu disse-lhes que eles podiam comprar os produtos a preço de revenda, mas eles não quiseram, porque é a forma de eles colaborarem», diz o Pe. Samuel.

Bolachas, cuja receita é exclusiva, é outro dos produtos comercializados
O selo social da empresa tem sido um chamariz para a comunicação social, que tem dado muita visibilidade ao projeto, mas também para parceiros e clientes, que sabem que todas as receitas obtidas pela atividade serão aplicadas de volta na comunidade, através das IPSS e na contratação de mais gente.

O Pe. Samuel considera que este projeto faz ainda mais sentido neste ano, que o Papa Francisco pediu que fosse dedicado à Misericórdia. «Dar emprego é dar de comer, e não imaginam o que foi a alegria de podermos, este Natal, pegar nos envelopes e entregar aos empregados as horas extraordinárias e os subsídios de Natal a pessoas felizes, realizadas. Numa entrevista que me fizeram, perguntaram-me o que gostava que o Menino Jesus me trouxesse, e eu disse que queria que Ele me desse muito dinheiro, para que eu pudesse dar emprego a todos os que me batem à porta. Fico sempre com o coração partido quando não consigo solução. Ainda há 15 dias tínhamos uma empregada sem a qual nos podíamos remediar. Estava no projeto, mas não era possível inseri-la no orçamento, e não ficou… fui para casa, não dormi, e no dia a seguir liguei ao meu gestor e disse-lhe “vira isso do avesso, mas ela não vai embora, tem de ficar”», recorda.

Esta necessidade de chegar a todos contrabalança com a necessidade de manter a sustentabilidade do projeto. Um equilíbrio necessário, apesar de nem sempre fácil de fazer. «O entusiasmo da caridade não nos pode permitir estragar o que criámos e perder todos os que já salvámos. É um risco, mas aqui há muita renúncia de muita gente para que isto seja possível. O primeiro a renunciar serei eu, mas há aqui muitas pessoas que renunciaram, que vêm ajudar para que eu possa dar o mínimo ao outro. Este projeto deu-me muitos amigos competentes e com uma capacidade enorme de ciência, tecnologia e gestão que vêm falar comigo e ajudar-me, sem pedir nada por isso», sustenta.

Mas estes apoios não impedem que o projeto só funcione neste local, por via destes conhecimentos pessoais do Pe. Samuel ou de outros. «É possível encontrar, noutros locais, pessoas igualmente boas, e pode haver projetos igualmente válidos. Há muitas paróquias que têm meios de sustentabilidade muito interessantes. Há paróquias que têm residências, mas somos tão poucos agora. Porque essas residências paroquiais não podem ser utilizadas para um bom turismo de habitação, para a rentabilidade da pastoral, por exemplo?»

Em www.paladaresparoquiais.net todos podem conhecer uma empresa social, criada para combater a pobreza, que emprega cada vez mais pessoas e permite que o futuro de algumas famílias seja mais risonho. E também permite a encomenda de uns queijos gourmet de fazer crescer água na boca. Palavra de jornalista que teve a sorte de os provar durante a reportagem…


Texto e fotos: Ricardo Perna
(artigo publicado na edição de março da revista Família Cristã)

 
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