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Comunhão aos recasados depende «da forma como levem a sua vida»
28.12.2016
A publicação da exortação pós-apostólica Amoris Laetitia veio lançar o debate sobre a eventualidade dos divorciados recasados poderem aceder aos sacramentos que até ali lhe eram negados, e o Cardeal Mauro Piacenza, penitenciário-mor do Papa, falou à FAMÍLIA CRISTÃ sobre o assunto na altura em que fez também o balanço do Ano da Misericórdia.


O Papa fala num discernimento até «à mais plena integração na vida da Igreja», e refere, numa nota de rodapé no ponto 305, que, «em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos. Por isso, aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor. E de igual modo assinalo que a Eucaristia não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos».
 
Esta ideia trouxe várias vozes discordantes, que vão acusando o Papa de contrariar o ensinamento da Igreja. Quatro cardeais emitiram recentemente um pedido de esclarecimento a este ponto da exortação, ao qual o Papa não respondeu. A publicação deste pedido de esclarecimento incendiou ainda mais o debate, mas há também vozes em sintonia com o Papa, como é o caso do Cardeal Mauro Piacenza, penitenciário-mor da Santa Sé, que é o responsável por aplicar o perdão reservado ao Papa nos pecados cujo perdão lhe está reservado.
Este responsável do Vaticano afirma que Francisco não é «um confusionista». «O Papa já disse várias vezes que a doutrina da Igreja permanece tal como está», afirmou o cardeal.
 
Discernimento pode levar à comunhão
Mas o facto é que se parece abrir a porta a uma maior integração dos divorciados recasados, o que o Cardeal Piacenza não nega. «Devemos procurar por todos os modos fazer o melhor possível para integrar as pessoas na Igreja. Se tenho pessoas em situação objetivamente grave, então devo procurar de toda a maneira, ainda que não possam fazer a comunhão eucarística, fazer com que nunca se sintam discriminadas ou excluídas da vitalidade da Igreja. Podem fazer parte de associações eclesiásticas, conselhos paroquiais, etc. Na experiência de confissão que tenho, já passaram pelas minhas mãos pessoas a quem tive de negar a absolvição, mas eu nunca encontrei ninguém que não me tivesse agradecido o que fiz depois de lhe explicar», explica.
 
A ideia da comunhão como um apoio no caminho e não um prémio para quem caminha bem é originária da encíclica Evangelii Gaudium, mas ganhou ainda mais força depois desta exortação, já que na altura não se pensava ter as ramificações que agora estão a ser sugeridas. O Cardeal Piacenza afirma que «é preciso estudar as situações, porque tudo depende de como se empenham a viver conforme a disciplina sacramental». O discernimento caso a caso sugerido pelo Papa leva a que haja uma «gradação de situações que é preciso analisar», defende o cardeal. Aliás, o próprio Papa afirma, na exortação, que «é possível que uma pessoa, no meio de uma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver na graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja», uma ajuda que pode vir dos sacramentos, acrescenta na tal polémica nota de rodapé.
 
A possibilidade de acesso à comunhão ou confissão está a ser ponderada um pouco por toda a Igreja.
Há ainda algumas dúvidas no ar sobre como permitir este acesso aos sacramentos sem ferir a doutrina da indissolubilidade do matrimónio, ou a regra de que a comunhão é permitida apenas a quem está em “estado de graça”, ou seja, sem pecado. Mas o Papa refere também que, ao contrário do que se pensava até aqui, algumas das pessoas que vivem em situação irregular podem não estar em pecado mortal, devido a condicionantes que o caminho de discernimento poderá mostrar e fazer compreender. «Uma pessoa, mesmo conhecendo bem a norma, pode ter grande dificuldade em compreender “os valores inerentes à norma” ou pode encontrar-se em condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem uma nova culpa», diz o Papa no ponto 302.

Esta diminuição da culpa e, logo, da gravidade do pecado, poderá ser a porta que se abre para alguns casos de pessoas em situações irregulares, e o cardeal Piacenza defende que, «dependendo de como levem a sua vida», o acesso aos sacramentos «pode acontecer», reconhecendo até que poderá ser aconselhável que, «se a situação é conhecida e ele se quer redimir, pode ir a outra igreja onde não o conheçam para receber a comunhão, para evitar algum escândalo ou que as pessoas pensem que mudou a disciplina da Igreja».
 
Uma matéria que continuará a fazer correr muita tinta, já que o Papa continua a defender que não irá indicar uma regra geral para todos. «Eu poderia dizer "sim" e… ponto final. Mas seria uma resposta demasiado pequena», disse aos jornalistas depois da sua visita à ilha de Lesbos, logo após a publicação da exortação.
 
Texto e fotos: Ricardo Perna
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