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Crianças e argumentação: A “torto e a direito”
20.03.2016
O braço de ferro entre as crianças, que se querem afirmar, e os pais, que se querem fazer obedecer, resulta, muitas vezes, numa troca de galhardetes que os pais chamam de «respostas tortas» e os filhos de «um direito a falar». Onde ficam os limites entre estas duas perspetivas? Quando devem preocupar? Como lidar com elas? A FAMÍLIA CRISTÃ falou com um psicólogo para tentar responder a estas questões.

 
Em meados do mês de junho, as campainhas das escolas soarão para o período de férias dos mais novos. O cenário é o de um paraíso para a família: mais tempo juntos e todos juntos, disponibilidade para brincadeiras, atividades ao ar livre, maior descontração. A convivência mais chegada e demorada pode, no entanto, significar igualmente mais tempo de convívio com um aumento da probabilidade de “choque” entre miúdos e graúdos.

Os pais começam a fazer contas de cabeça ao número de vezes com que são confrontados com desafios à sua autoridade, acompanhados de uma voz em protesto, num tom “refilão” ao mesmo tempo que os filhos gravam a frase «mas não posso falar?» em resposta a um «não me respondas!»

Na opinião do psicólogo Bruno Luís Rodrigues, do Instituto de Psicologia e Pedagogia Infantil, há aspetos a ter em conta para alcançar um equilíbrio: o desenvolvimento da criança ou jovem, a autoridade dos pais, o exemplo e a comunicação. Antes de entrarem em pânico com a perspetiva de terem entre mãos uma criança ou um adolescente que está prestes a tornar-se um delinquente, os pais devem lembrar-se que os filhos não interiorizam as regras todas de uma vez e são seres em desenvolvimento.

Respostas menos polidas são transversais a todas as idades e, em princípio, não representam um comportamento anormal. «É natural que existam alguns comportamentos de oposição, algumas frases que os pais não gostam, que não encaixam no que os pais consideram o correto», considera o psicólogo, dando como exemplo «o questionar das regras, o não conformismo quando o pai manda fazer uma coisa, o dizer que não, “não é assim, não quero fazer isto, não tens razão”. Isto é o perfeitamente comum.»

Embora os pais sejam o foco da maioria das respostas tortas, uma vez que são quem detém autoridade e dita as regras, podem ultrapassar já o trauma do possível sentimento de rejeição, porque os ataques não são pessoais. «A dificuldade está na criança e é isso que tenho de ajudar a trabalhar.» Argumentar faz parte do processo de afirmação da personalidade e é uma ferramenta útil para termos pessoas que defendem os seus pontos de vista, os seus direitos e não se acomodam. «É muitíssimo importante que os pais ajudem um filho a argumentar, a perceber que quando ele tem uma ideia é bom que a defenda, é bom que tente explicar a sua opinião, mas de uma forma correta.»

O papel dos pais, considera Bruno Rodrigues, é ir orientando e ensinando a distinguir o certo do errado, o correto do incorreto, a argumentação do desrespeito, a assertividade da agressividade. «É bom que eu possa expressar a minha agressividade, a minha zanga, os meus comportamentos de oposição, mas depois também cabe aos pais ajudar o filho a perceber o que é que é ajustado e o que não é.»

Quem decide o que que é ajustado são os pais, tentando encontrar um equilíbrio entre a democracia e a autoridade. Os pais devem aceitar esta última, ainda que possa ser cansativo e trazer alguns sentimentos de culpa. «Os pais têm de assumir o controlo desde cedo. Na geração dos meus pais, o “não” imperava e ai de quem questionasse o poder. Hoje em dia verifica-se o oposto. É não porque o pai e a mãe mandam. Este é um poder que os pais têm de aceitar. É mais difícil para um pai dizer que não e ganhar a luta. Dá mais trabalho. Mas esse também é o nosso papel, o nosso dever.»





Compreensão e consequências têm de caminhar lado a lado, e este reconhecimento dos pais de que não são infalíveis não deve, porém, acontecer como recompensa de um mau comportamento ou de um desrespeito. «Não é bom que uma criança ou um adolescente que teve um comportamento incorreto possa vir a ser recompensado por esse comportamento. Quando um filho errou, é importantíssimo salientá-lo», explicando como é que a criança ou jovem poderia ter reagido, de que forma poderia ter dito as coisas, reforçando que a atitude não foi correta e dando a entender que numa próxima vez deverá adotar a postura adequada, a fim de ser compreendido e fazer valer o seu ponto de vista, diz-nos o psicólogo.

E como saber que o comportamento está a passar para lá dos limites do expectável? Como saber que a atitude “refilona” pode estar a tornar-se num problema de comportamento mais sério?
«Muitas vezes quando existe uma intensidade galopante, diferente do que sempre foi aquele jovem ou aquela criança, é sinal de preocupação. Se antigamente ocorria uma resposta de vez em quando e agora ocorre com muita frequência, se calhar temos de estar um pouco atentos ao que se poderá passar com este jovem, com esta criança. Quando a intensidade é maior e se prolonga alguns meses e preciso ter atenção», alerta o psicólogo, ressalvando no entanto que a maioria dos comportamentos de oposição tem picos e fases. Assim haja paciência! «Ultrapassa-se muito pela paciência, pela consciência de que isto vai ser ultrapassado, pela coerência e pelo estabelecimento de regras e limites.»
Lá diz o ditado… não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe.
Texto: Rita Bruno
Fotos: Rita Bruno e pt.freeimages.com
 

 
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