Precisa de ajuda?
Faça aqui a sua pesquisa
Cristo Rei e Senhor Santo Cristo celebram 60 anos
19.05.2019
Maio vai ser mês de festa para dois santuários portugueses, o Cristo Re, em Almada, e o Senhor Sant Cristo dos Milagres, em Ponta Delgada, que comemoram 60 anos de existência.


Em Almada, na diocese de Setúbal, é impossível passar ao lado do Santuário do Cristo-Rei, monumento construído e inaugurado há 60 anos como forma de os bispos e o povo de Deus pedirem que Portugal ficasse de fora da Segunda Guerra Mundial. O pedido foi atendido, e desde essa data a sua mensagem e espiritualidade têm estado ligadas ao tema da Paz. «O santuário é um marco importantíssimo que os bispos quiseram que fosse sinal da gratidão nacional pelo dom da paz. O santuário recorda muito isto: que haja paz nas nossas famílias, no nosso trabalho, na nossa sociedade. Hoje em dia há muito ruído, e este santuário, mais que um miradouro sobre Lisboa, é símbolo da fé de um povo que na segunda metade do século xx acreditou em Deus, para Ele olhou, pediu esse dom da paz e foi atendido», conta-nos o Pe. Sezinando Alberto, que é reitor do santuário desde 2003 e tem sido o grande obreiro na transformação de um espaço que era um simples miradouro sobre Lisboa num efetivo santuário. «As pessoas vinham ver o que havia para ver, que era a vista sobre Lisboa. A preocupação foi criar um conjunto de condições físicas para que o espaço se tornasse num centro de espiritualidade para os cristãos. E com certeza provocar a mensagem cristã naqueles que não vêm cá com essa finalidade», afirma, adiantando que gostava que quem vem como «turista saísse como peregrino».

Para tal, o santuário tem estado a ser dotado de várias estruturas de apoio aos peregrinos e à reflexão, o que se tem traduzido no aumento de peregrinos que procuram o espaço para rezar e não apenas para subir o elevador para ver a vista. Desde o miradouro com a Via-Sacra, que está agora a ser pavimentado, até às obras de arte que enchem a igreja e a capela do santuário, tudo serve para, simbolicamente, aproximar as pessoas de Deus. «O santuário é um lugar tão especial que as pessoas vêm cá por questões específicas, e por isso temos de apostar muito no simbolismo. Nos séculos passados não se sabia ler nem escrever, e a fé aprendia-se através da imagem. Atualmente, as pessoas têm uma grande cultura, mas não significa que conheçam a fé. Penso que este local, e outros semelhantes, levam a fé através do simbolismo e da imagem. Daí a aposta de convidar escultores e pintores estrangeiros e nacionais que venham fazer os seus trabalhos» a um espaço que recebe, anualmente, perto de um milhão de pessoas, entre turistas, peregrinos ou simples convidados de matrimónios e batizados que se celebram na igreja do santuário.

Em Ponta Delgada, nos Açores, a devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres é bem mais antiga do que o seu santuário e tem cerca de 300 anos. «Esta imagem, conta a tradição, veio para cá porque duas religiosas de São Miguel foram a Roma ter com o Papa Paulo III para lhe pedir autorização para a abertura de um convento de clarissas. O Papa autorizou a construção do convento e, supostamente, porque não há registos históricos disto, essas irmãs receberam das mãos do Papa a oferta desta imagem do Ecce Homo, imagem que foi trazida para os Açores, e construíram o convento que elas queriam numa zona chamada Caloura, à beira-mar, muito exposta aos perigos da pirataria que naquela altura grassavam no mar, com mais incidência nos mares dos Açores», explica-nos o cónego Adriano Borges, reitor do santuário.


E esse perigo atingiu o convento. «Os piratas iam muitas vezes a terra para ir buscar mantimentos e água fresca, e havia vários assaltos e ameaças às irmãs que ali viviam. As irmãs decidiram deixar o convento da Caloura e deslocaram-se para dois sítios: metade foi para Vila Franca, onde construíram um convento, e a outra metade veio para Ponta Delgada, onde começaram a construção de outro convento, que é o convento de Nossa Senhora da Esperança. Consigo trouxeram a tal imagem do Ecce Homo, que não tinha na altura grande devoção. Mas por volta de 1700 fez-se a primeira procissão com o Senhor Santo Cristo dos Milagres, e isso deveu-se a haver uma grande crise sísmica na ilha de São Miguel, juntamente com alguns temporais e secas. Uma religiosa que vivia no convento e tinha já nesta altura uma grande devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, madre Teresa da Anunciada, vai buscar a imagem do Ecce Homo e organiza, nas ruas da cidade, a primeira procissão. Esta procissão correu, e ainda hoje continua a correr, todos os conventos da cidade. O facto é que, após a procissão, acabaram-se as crises sísmicas e a vida voltou ao normal, e tal facto foi atribuído ao Senhor Santo Cristo, que passou a ser dos Milagres.»

Nos Açores, os 60 anos do Santuário do Senhor Santo Cristo serão marcados, além das habituais procissões de sábado e domingo, pela realização de um «congresso internacional que vai versar sobre a religiosidade popular em duas vertentes: a devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, e a devoção ao Espírito Santo, uma devoção própria dos açorianos e de todos os que estão na diáspora. Este será o momento alto das festividades para marcar estes 60 anos», refere o cónego Borges, adiantando que as comemorações já se iniciaram com o ano pastoral, com conferências e colóquios de várias personalidades, entre as quais o reitor do Santuário de Fátima.

Esta devoção continua bem viva no coração dos açorianos, e é visível não apenas nos mais de 70 mil peregrinos que se juntam para a festa em maio, mas também nos próprios gestos do dia a dia. «Muitos dos emigrantes, quando vêm a casa, o primeiro lugar onde vão, até antes de irem para sua casa, é o Santuário do Senhor Santo Cristo. E quando vão embora é o último sítio que visitam antes de irem para o aeroporto», conta o cónego Borges, que adianta que «é uma devoção espalhada pelo mundo inteiro», em virtude da diáspora do povo açoriano. «Recebemos diariamente centenas de cartas de pessoas a pedir a intercessão do Senhor Santo Cristo dos Milagres, ou a agradecer por graças recebidas», diz.

A presidir às celebrações nos Açores vai estar D. José Bettencourt, núncio apostólico na Geórgia e Arménia. «O convite foi uma grande honra para mim, sobretudo porque é uma devoção que levo muito no coração», revela o prelado, que conta que «após a consagração episcopal, desloquei-me à terra onde nasci e fui batizado, às Velas, na ilha de São Jorge, e passei pelo Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres para colocar o meu ministério sob a sua orientação, tendo deixado na altura um protótipo igual ao anel episcopal que o Papa Francisco colocou no meu dedo no dia da minha consagração em Roma.»

Aos fiéis que vão estar presentes nas comemorações, D. José Bettencourt dirige-se como «peregrino» e «filho da terra». «Eu vou até à igreja do convento de Nossa Senhora da Esperança, Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, como peregrino, homem de fé e filho da terra, para também me prostrar diante do Senhor. Vou para rezar em ação de graças para pedir a sua intercessão pelas intenções que me são confiadas. Vou para me encontrar junto a uma fonte de fé e espiritualidade e para me renovar. Juntamente com os fiéis que se encontrarem nos Açores, espero poder testemunhar Cristo vivo, encorajar no caminho da fé e a empenharem-se cada vez mais na mensagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres – que é a mensagem de Jesus Cristo.» Em Almada, por seu lado, é D. José Ornelas, o bispo da diocese de Setúbal, quem preside às cerimónias.

O Santuário do Cristo-Rei oferece hoje muito mais aos peregrinos que há uns anos, tornando a subida do elevador apenas uma das muitas atividades que ali se possibilitam, apontadas a crentes e a não-crentes. «Queremos com certeza provocar a mensagem cristã naqueles que não vêm cá com essa finalidade. Daí a nossa grande preocupação de colocar azulejos alusivos ao cântico das criaturas de Daniel no miradouro lá em cima, os quadros simbólicos da capela, a Via-Sacra exterior, toda a simbologia à volta do monumento, as estátuas que iremos colocar à volta do monumento... é inevitável que esta é a melhor vista sobre Lisboa, e todas as pessoas que vêm com esse intuito são bem-vindas e esperamos que se sintam bem neste local. Mas com o cuidado que temos nos espaços verdes, a simbologia que damos ao espaço, queremos que as pessoas se sintam acolhidas. Muitas pessoas começam a pedir hoje visitas guiadas, que não havia, e o edifício da reitoria acolhe grupos de pessoas todos os fins de semana, sinal de que há condições para outro tipo de atividades», afirma o Pe. Sezinando.


Estava na calha para os 50 anos, mas não ficou pronta, e portanto será lançada nos 60 uma Cantata a Cristo-Rei como uma das principais marcas das comemorações. «É uma peça de uma hora, a letra é do D. Carlos Azevedo, que vai estar presente, no dia 18 de maio em Almada, 17 de junho para os bispos em Fátima e 3 de novembro na Gulbenkian. A peça tem envolvidas 394 pessoas, um coro com 250 vozes, com base no Lisboa Cantate, um coro profissional, com quatro solistas e uma orquestra. Vai ser na igreja paroquial de Almada», diz o Pe. Sezinando, que acrescenta outros dois marcos: o centro de espiritualidade e réplicas do Cristo-Rei que andarão pelas paróquias. «Há duas iniciativas importantes: o lançamento do centro de espiritualidade do santuário que vai ter um curso sobre espiritualidade cristã, com a duração de dois anos, no final de setembro», entre outras vertentes, como a publicação de livros, e a distribuição de «uma réplica do Cristo-Rei que irá ficar em cada vigararia, a partir de setembro, acompanhada por uma catequese para jovens, uma para adultos e um guião de celebração, para proporcionar às comunidades um momento para se recordarem da mensagem associada ao santuário.»

 
Reportagem e fotos: Ricardo Perna
Continuar a ler