Tão importante como comer é o ato de beber. E se em Portugal as redes de saneamento permitem que todas as pessoas tenham acesso a água potável, mesmo as mais carenciadas, em Moçambique o mesmo não é verdade hoje, nem há nove anos, em 2007, quando Fernando Espírito Santo arrancou com o projeto Água e Instrução, em colaboração com a MAGIS, uma ONG dos jesuítas de Itália.
De forma voluntária, empenhou-se nesta obra de misericórdia «como nunca tinha feito antes na vida», assumindo funções de planeamento e execução de construção de poços e, ao mesmo tempo, formação para a gestão desses projetos. «A água é um bem primário, essencial à vida. Quando alguém precisa de água e tem de caminhar quilómetros para a recolher, ou recorre a um poço de água imprópria, é porque essa pessoa está desesperada», conta Fernando, que se recorda de como as pessoas reagiam à construção dos poços. «Durante as obras havia sempre muitas pessoas presentes, muitas crianças a acompanhar os acontecimentos. Sempre que era necessária ajuda das populações havia muita disponibilidade para as tarefas. Quando jorrava água pela primeira vez, havia sempre cânticos de alegria», recorda com saudade.
Moçambique era, na altura, um dos países com menor índice de desenvolvimento humano no mundo, e a Angónia, onde Fernando desempenhava as suas tarefas voluntárias, era das zonas mais pobres do país. «O que me motivou para ser voluntário em África foi acima de tudo uma forte indignação para com as desigualdades que existem no nosso mundo», conta.
Procurava esbater essas desigualdades através do trabalho voluntário na construção dos poços, que proporcionariam às populações uma maior qualidade de vida. Era também por isso que envolvia todos os líderes locais nos processos de decisão, pois facilitava também o andamento posterior dos trabalhos, que se queriam «a todo o vapor», conforme explica, pela premência de poder disponibilizar água às populações locais que se viam constantemente assoladas por doenças decorrentes da recolha de água imprópria para consumo.
Isso e uma necessidade de exercer misericórdia? «Não consigo dizer se era um agente da misericórdia de Deus mas em todos os projetos em que estive envolvido tentava sempre implementar muitas ações, partilhar a água, muitas vezes sem tempo para levantar a cabeça, sempre confiando que Ele é que guiava os acontecimentos, e que garantia que o bem maior estava a ser conseguido», confessa.
Fernando recorda os discursos da Régula (figura de autoridade local) daquela zona em que andavam a construir os poços. «A intervenção dela foi preciosa na escolha dos locais, diminuição de conflitos que sempre aparecem. Gostava dos discursos que ela dava em Chichewa sobre como as águas profundas eram mais limpas do que aquelas mais à superfície, porque caminhavam sobre pedras especiais», recorda este voluntário.
Assim como recorda que, apesar de andar preocupado com a água, outros tinham preocupações que não podiam deixar de ser atendidas. «Na aldeia de Bintoni, o local mais indicado para a perfuração era bastante próximo de um campo de futebol. Na minha urgência de fazer as coisas estávamos para iniciar a perfuração naquele local quando um grupo de jovens nos falou na importância do campo para eles. Por sorte ainda fomos a tempo de refazer o trabalho de prospeção», relembra, divertido.
NOTA: Artigo foi publicado na edição de janeiro da revista Família Cristã.
Texto e fotos: Ricardo Perna
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