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«Dar voz ao silêncio» é lema da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais na Igreja
02.12.2021
Sob o lema «Dar Voz ao Silêncio» para «Conhecer o Passado, Planear o Futuro», foi apresentada publicamente esta quinta-feira a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica Portuguesa. D. José Ornelas apresentou e agradeceu a Pedro Strecht pela sua aceitação do convite para liderar a Comissão Independente que analisará os abusos sexuais na Igreja. O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa salientou que «pretendemos conhecer […], oferecendo oportunidade de ter voz e vez» às vítimas, «razão de ser fundamental desta comissão».



Pedro Strecht afirma que «vai ser um trabalho que vai exigir multidisciplinaridade» e que se trata de «equipa de estudo e não equipa de investigação».  Fazem parte desta comissão, além do coordenador Pedro Strecht, Álvaro Laborinho Lúcio, antigo ministro da justiça, Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais, Daniel Sampaio, psiquiatra, Filipa Tavares, terapeuta familiar, e Catarina Vasconcelos, cineasta. «Não definindo um tempo físico» a analisar, esta comissão trabalhará durante o ano 2022. O pedopsiquiatra salienta que «apenas poderemos conhecer uma pequena parte do que aconteceu na realidade. Qualquer estudo ou investigação não é tudo, infelizmente. É a parte que vem a cima». Pedro Strecht reconhece que se trata de um trabalho «complexo, longo, difícil de definir quanto a resultados finais, mas que verdadeiramente teria que ser feito, mesmo que ainda assim venha a ser olhado como origem de outros que se lhe possam vir a seguir no futuro, procurando sempre a necessidade de reforço de verdadeiras políticas de proteção e promoção da infância e adolescência, contribuindo assim para sociedades mais justas, saudáveis e livres num futuro melhor que tanto desejamos construir».

Pedro Strecht garante que a comissão será «autónoma», admitindo que «durante muito tempo a Igreja escondeu, o Estado escondeu, nem sequer se percebia as consequências que isto tinha nas crianças e adolescentes». Mesmo assim, acredita que agora a Igreja Católica Portuguesa está disponível e totalmente aberta e afirma que «será o primeiro a se sentir alguma situação a dizer “paro por aqui”».

A metodologia para o estudo será apresentada em janeiro com toda a equipa que constitui a comissão. Será disponibilizado um espaço físico autónomo para trabalhar, um apartamento em Lisboa, email e contacto telefónico para denúncias. A comissão vai acolher denúncias, colaborar com as comissões diocesanas que já têm conhecimento de casos e pede à comunicação social que possa informações.

O pedopsiquiatra reconhece que «o encorajamento para depoimento das vítimas requer um habitualmente longo tempo de espera e conquista de confiança para que estas sintam que a sua palavra é importante para relatar experiências traumáticas das suas vidas passadas, minorando ainda agora danos psicossociais importantes, tal como sentimentos comuns de zanga, raiva e, sobretudo de desproteção e injustiça face a membros a Igreja católica, outros adultos de proximidade e até da sociedade em geral». Pedro Strecht deixa um pedido: «Apelamos desde já a todas e todos quanto possam ter sido vítimas destes crimes hediondos para que falem. Que relatem, finalmente e sem medo, o que lhes aconteceu. Mesmo perante naturais hesitações, completamente aceitáveis diante de situações sobre as quais podem ter passado décadas, tocando agora em assuntos que não desejam voltar a fazer emergir, por favor, confiem na vossa voz interior e na utilidade de a partilhar para que nada de semelhante possa continuar a acontecer». A quem abordar a comissão, Pedro Strecht garante «absoluto sigilo e respeito sobre a história e vida traumática de qualquer pessoa que nos venha a contactar».

No final de 2022 será apresentado o relatório final. O objetivo é mesmo «provocar mudanças» e «interessa-nos concluir dando sugestões».

Pedro Strecht garante que não há vontade de “ajuste de contas”, mas admite que «é claro que “este ajuste de contas” será sempre muito importante através de várias formas para todos aqueles que foram vítimas deste tipo de abusos. Há crimes que podem ter prescrito, há pessoas que podem querer falar mas não fazer denúncia. A todos pode ser devido um pedido de desculpa e a outras que possa ser devolvido o seu sentido de dignidade de pessoas hoje».

Quanto ao prazo de um ano, o médico pedopsiquiatra diz também tem «dúvidas que um ano seja suficiente. Mas num ano podemos dizer se chega ou se é preciso ter outros estudos em que moldes ou temas. Eu não gostaria nunca de fazer parte de uma comissão com uma janela aberta, sem prazo definido e o objeto de estudo também se vai diluindo. Estamos sem um a priori. Imaginemos que somos invadidos por milhares de casos. Teremos de prolongar, eventualmente».

O financiamento deste trabalho é assegurado pela «Conferência Episcopal Portuguesa sem que isso nos torne não livres de aceitar esses meios que são postos à nossa disposição», não querendo o coordenador da comissão avançar nenhum valor. D. José Ornelas garantiu que «não vamos negar os meios necessários para facilitar a própria investigação. Isso há de ser feito de acordo também com as sugestões e as necessidades da própria comissão, dentro também do respeito para com o direito no que diz respeito à partilha de dados». Tanto Pedro Strecht como D. José Ornelas disseram não ter uma expectativa quanto aos números. «Não sei o que espero porque se soubesse não precisava de tanto trabalho. Assusta-me não saber mais da realidade. Que seja o mais realisticamente possível», disse o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.

A Comissão Independente trabalhará de forma autónoma não se substituindo às entidades judiciais ou de investigação criminal, como também dos apoios psiquiátricos e psicológicos.
 
Texto e fotos: Cláudia Sebastião
 
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