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«Discuto com Deus todos os dias»
31.08.2015
O Arcebispo Bashar Warda de Irbil, Iraque, diz que a crise no Iraque desafiou a sua fé, apesar de continuar a encorajar os cristãos que fogem para Irbil. O arcebispo, que ajudou a gerir a crise no Iraque no último ano, disse que, enquanto para fora incentivava os cristãos, por dentro ele ia «discutindo com Deus», em declarações a jornais americanos aquando da sua deslocação a este país a semana passada.



Quando questionado sobre como a sua fé tinha sido desafiada e mudou em face da crise, o arcebispo católico caldeu Bashar Warda de Irbil, no Iraque, tapou a sua cara com as mãos.

O Arcebispo Warda admitiu que, enquanto exteriormente encorajava os cristãos que recebia em Irbil, fugidos do Estado islâmico, dentro do seu coração a história era bem diferente. «Eu não entendo o que Ele está a fazer, quando olho para o que aconteceu na região», disse o Arcebispo Warda. «Discuto com Ele todos os dias.»

O prelado explicou que a troca de argumentos acontece dentro do seu relacionamento íntimo com Deus, um relacionamento que, com a ajuda da graça, resiste até mesmo aos desafios inimagináveis para a sua fé que ele tem enfrentado ao longo do último ano. «Antes de ir dormir, costumo entregar-Lhe todas as minhas crises, desejos, pensamentos e tristezas, para que eu possa pelo menos ter algum descanso», disse o Arcebispo Warda em declarações ao The Criterion, jornal da Arquidiocese de Indianápolis, nos Estados Unidos. «No dia seguinte, eu costumo acordar com a Sua providência, coisa com que eu nunca iria sonhar», revelou.

Olhando para trás, para o ano em que mais de 100 mil cristãos e outras minorias procuraram refúgio em Irbil, o Arcebispo Warda disse que viu a misericórdia de Deus a chegar para os crentes que sofrem de forma mais eficaz do que ele jamais poderia ter previsto.
Isto é devido, em parte, ao trabalho dos leigos e religiosos católicos locais e a organizações como os Cavaleiros de Colombo, Catholic Relief Services, o Catholic Near East Welfare Association e a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.

A sua arquidiocese, na região do Curdistão, no norte do Iraque, tem, com a ajuda de agências humanitárias católicas, fornecido abrigo, alimentos, assistência médica e serviços educacionais para os deslocados. «(Deus) fez isso de uma forma que um estado não poderia realmente oferecer aos seus cidadãos em tal situação», disse o Arcebispo Warda. «Ele fez isso através da igreja e através da generosidade de tantas pessoas», adiantou.

O prelado disse ainda que a sua própria fé é reforçada quando testemunha a fé destemida dos cristãos deslocados. «As pessoas vêm contar as suas histórias de perseguição e de como estavam realmente aterrorizados, tendo que andar oito a 10 horas durante a noite", disse o Arcebispo Warda. «No final, diziam-me: "Graças a Deus estamos vivos. Nushkur Allah. Agradecemos a Deus por tudo". Essa é a frase com que terminam. Isso é de certa forma reconfortante», afirma.

Em contraste com a bondade que ele vê nos fiéis que sofrem que têm enchido as ruas de Irbil, o Arcebispo Warda retrai-se quando descreve o Estado islâmico, a que muitas vezes se refere pelo seu "nome criminoso" árabe, "Daesh". «Daesh é o Mal», disse ele. «A maneira como eles abatem, a forma como eles violam, a forma como eles tratam os outros é brutal. Eles têm uma teologia de massacre de pessoas.»

E ele sabe que o mal que se abateu sobre Mossul também poderia atacar Irbil. «É bem possível, mas a coligação, liderada pelos americanos, impediu o Daesh de avançar», disse o Arcebispo Warda. «Isso deu um sentimento de alguma segurança às pessoas. Mas o Daesh está a apenas 40 km (25 milhas) de Irbil. Não é muito longe. Tudo pode acontecer», alerta.

Esta incerteza e as experiências terríveis do último ano levaram muitos cristãos que fugiram para Irbil a mudarem-se para campos de refugiados na Jordânia, Líbano e Turquia, com a intenção de emigrar do Médio Oriente de vez, algo que entristece o Arcebispo Warda. «Eles perderam a confiança na terra e nos seus vizinhos», disse ele. «Todos os traíram e os trataram como um tesouro para ser roubado, tomaram as suas casas e bens. As suas filhas estavam sob ameaça a todos os momentos», relata.

Os milhares de pessoas que permanecem em Irbil passaram de abrigos improvisados nas propriedades da igreja e nas escolas públicas para casas pré-fabricadas e casas pré-existentes providenciadas ou alugadas pela igreja. Alguns querem ficar na região e estão à procura de emprego para sustentarem as suas famílias. «Todos eles estão à espera que Mossul seja libertada para que eles possam voltar e começar a sua vida de novo", disse o Arcebispo Warda.

Um passo importante que o prelado acha que pode ajudar a galvanizar a comunidade internacional a ajudar os cristãos iraquianos é que os líderes nacionais se juntem ao Papa Francisco a reconhecer que o que está a acontecer é um genocídio. «É um genocídio. Tem todos os factos, eventos, histórias e experiências que se enquadram na definição de genocídio», defendeu o Arcebispo Warda ao The Catholic Standard, jornal da Arquidiocese de Washington.

Reconhecer o genocídio significaria que «essas pessoas não seriam esquecidas», disse o arcebispo. «Elas são lembradas e reconhecidas. Os seus sacrifícios e experiências não são esquecidos. Mas estaríamos a dar-lhes um estatuto, para ajudar o mundo a não repetir (isto)». «Não esperem mais 20 anos para olharem para trás para o que aconteceu e dizerem: "Bem, eu tenho muita pena que não tenhamos feito algo para acabar com aquilo"», disse ao The Criterion.


Texto: Ricardo Perna (com Catholic Herald)
Foto: Catholic Herald
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