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«Educação é criar condições para que a criança cresça e se desenvolva ao máximo»
20.10.2020
José Ribeiro Dias, professor catedrático jubilado da Universidade do Minho. Tem dedicado a vida à investigação e docência. Foi presidente do Instituto de Educação e do Conselho Pedagógico da Universidade do Minho, da Comissão de Avaliação dos cursos das Escolas Superiores de Educação e da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. Com ele vamos perceber qual o papel da escola e da família na educação das crianças.

Qual o papel da escola ao longo do tempo?
A escola inicialmente significava o tempo de descanso, de lazer, mas a certa altura foi mudado. Era naquele tempo em que havia homens livre e escravos. O tempo de lazer era só para os homens livres os escravos tinham de trabalhar sempre. A certa altura, passou a significar o tempo em que as crianças deviam dedicar-se ao estudo próprio dos homens livres. Era o tempo em que se preparavam para ser homens livres pelo estudo. Estudo vem do étimo que tundere que significa utilizar instrumentos contundentes para dominar. A escola apareceu como sítio para por violência obrigar as crianças a estudarem para se tornarem homens livres. A escola é o lugar do estudo. Tanto assim que depois a definição foi ficando… Os professores batiam nas crianças. É o tundere. A escola era e tornou-se isto. Quem mandava na escola? A política. Os políticos. Tudo o que se faz na escola, quem manda na escola? Agora alguém pode discutir que é o Estado que manda na escola? Escola deve ser pública [, dizem]. Quem manda é o Estado e mais nada.
Isto tem durado até agora. Mas, em 1989, as coisas mudaram com a Convenção dos Dreitos da Criança. A ONU, em 1990, fez uma reunião em que assistiu uma parte espantosa das nações. Uma coisa que toda a gente reconheceu e havia de pôr em prática. Diz no seu art. 1.º «criança é todo o ser humano menor do que 18 anos». Criança! Quer dizer, criança é todo o ser humano no tempo da menor idade. A partir daí vem a maior idade, o tempo dos adultos. Até 18 anos [é] criança.
A convenção diz bem claro que o lugar primacial da educação da criança não é a escola, mas a família. Que a escola chega depois e muitas vezes já tarde, mas a família que já lá estava anteriormente e por isso chega sempre a tempo (Preâmbulo). A educação cabe aos pais. É pelos pais ou pelos substitutos, quem tem a responsabilidade da educação.
Diz a convenção que os Estados Partes respeitam a responsabilidade, os direitos e os deveres dos pais nisto da educação e tomam as medidas para ajudar os pais para fazer a educação. Educação pertence aos pais (art. 18.º, números 1 e 2). Os estados partes que estavam habituados a mandar na escola aceitaram isto. A escola vai ajudar. Mas é depois. A responsabilidade máxima é dos pais. A missão do Estado é contribuir, ajudar os pais. Como os pais não podem ensinar matemática até à profundidade, as escolas vão desenvolvendo isso. Mas a responsabilidade é dos pais. A escola representa o Estado, mas na ajuda aos pais. É o que diz a Convenção dos Direitos das Crianças.
 
Que implicações existem na educação e na escola de se considerar criança toda a pessoa até aos 18 anos?
Se a infância é até aos 18 anos, toda a educação escolar até aos 18 anos é educação de infância. E não ensino. A nossa sociedade não tem assimilado isto.
 
Qual a diferença entre ensino e educação?
Ensino é transmitir conhecimentos. Educação é criar condições para que a criança cresça e se desenvolva ao máximo. Toda a educação escolar até aos 18 anos, se é criança, é educação de infância. Além da educação até aos 18 anos, tem de haver educação de adultos. Ninguém fala da educação de adultos.
A Unesco trabalhou na educação de adultos a partir dos anos 1946/47, durante anos, e introduziu a educação de adultos em grande, como formação contínua. Durante a 2.ª Guerra Mundial ninguém tinha tempo para estudar. Verificou a Unesco que depois desses anos os adultos precisavam de formação. Mas uns anos depois, na segunda reunião internacional sobre educação de adultos, a maior parte já eram os países antigos colonizados. Para eles, a educação era ensinar a ler, escrever e contar. A educação de adultos apareceu aí como alfabetização. Mas logo a seguir, noutras reuniões, deram conta da alfabetização funcional, em função das necessidades.
Em 1975, muitos países fizeram a análise da sua percentagem de alfabetização funcional. Os Estados Unidos da América tinham 10% de analfabetos funcionais. Não tinham a 5.ª classe da escolaridade obrigatória.
Os adultos é que se forem educados podem educar os filhos e educar os filhos não apenas nos valores materiais mas nos morais, sociais, transcendentes e em todos os valores. Se os adultos não são educados, não têm educação. Para ser bom educador, os pais, a quem pertence a educação dos filhos, têm de ser educados.
Não é nenhum pacóvio que está a dizer isto. É a Convenção dos Direitos da Criança. Em 1940, o nome do Ministério passou de Instrução Pública para Educação. Mas hoje os ministros continuam a falar de ensino. Isto demora! A Convenção de Direitos da Criança ainda não entrou. Ninguém dá conta que criança é toda a pessoa até aos 18 anos. Ninguém deu conta que o lugar primacial da educação é da família e os Estados respeitam os deveres e haveres dos pais. Para os pais serem capazes de ministrar a educação têm eles de ser educados. Têm eles de ter educação de adultos. Se a educação de crianças depende dos pais, e os pais não têm educação, como vai ser?
 
Nesta questão da educação sexual também defende que deve ser assim?
A moral sexual – veja a luta que está a haver na sociedade… Falo por experiência própria. No meu tempo, os pais eram incapazes de falar aos filhos sobre a educação sexual. Era absolutamente impossível. Nenhum pai era capaz de dar educação sexual. Falar de sexualidade era [considerado] horrível e ninguém sabia. Sabe como os filhos se iam educando? Era através dos irmãos e de outras coisas menos... Era a situação até bastante recentemente. Se os adultos não são educados em todas essas coisas, como é que podem educar os filhos?
Educação sexual é das mais necessárias. Hoje, está se a dar conta que a educação sexual é essencial e importante. Mas quem é que a deve dar? É o Estado através da escola? Ou são os pais desde que as crianças são pequeninas? Os erros que agora querem resolver-se desta maneira…
São os pais que devem. Tem de se trabalhar em dar educação de adultos para os pais cumprirem os seus deveres e o Estado apoiar.
Os pais continuam a não saber. Eles é que têm a responsabilidade. Continuam a ser incapazes. Como são incapazes, o Estado agora acha que é ele que tem de educar. Depois toda esta gente que não tem conhecimento aprofundado diz que tem de ser o Estado. Essa luta, compreendo-a. Mas tem de se ir à raiz dos problemas, assumindo e invocando a Convenção dos Direitos da Criança, assinada por todos os Estados que havia nessa altura, em que se diz que o lugar primacial da educação das crianças é a família. Os Estados respeitam esses deveres e direitos e tomarão medidas de ajuda aos pais. Meus caros, não tenham medo de falar de sexo aos seus filhos. Tirem essas ideias da cabeça que vieram muito da Igreja Católica. “Isso é pecado.” “Sexo, não pensem.” “Só pensarem já é pecado.” Isso foi-me dito. Ficava toda a vida de criança, de jovem e de adulto e de pai a pensar isso. Os pais continuam em geral a serem incapazes de pensar em sexo e menos infinitamente menos de falar nisso. As crianças não têm educação sexual. Agora o caminho é: que a escola a dê descontroladamente como se tem ouvido? Estão-se a dizer coisas terríveis. Educação sexual tem toda a vantagem de ser dada pelos pais em vez dos professores.
 
Entrevista conduzida por: Cláudia Sebastião
Fotos: Filipe Neves
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