Quase 200 km separam os agrupamentos de escolas de Carcavelos e de Santiago do Cacém. Mas estão ambos a viver uma “revolução” em passos pequeninos. Pontos em comum: o telemóvel é usado como ferramenta de aprendizagem e não há retenções dentro de cada ciclo.
O diretor do Agrupamento de Santiago do Cacém explica que ter mais do que três negativas não é sinónimo de chumbo. Só se as notas forem mesmo muito baixas. Em Carcavelos, a regra é a de que ninguém chumba até ao 9.º ano. O diretor, Adelino Calado, explica que «o aluno acompanha o seu grupo de turma, estamos atentos com atividades complementares e, ao mesmo tempo, aproveitando a motivação e as capacidades que o aluno demonstre». Quem tiver muitas negativas vai para uma turma flexível, com o apoio de vários professores. Já em Santiago do Cacém, o projeto «Classe Mais» junta alunos com notas idênticas durante seis semanas numa turma especial. Tanto podem ser os alunos de 5 ou os de 2. Manuel Mourão defende que «é uma resposta para o sucesso de todos os alunos».
Joaquim Azevedo é doutorado em Ciências da Educação e conselheiro do Conselho Nacional de Educação. Admite que ainda temos «o modelo escolar do séc. XVIII» e que é preciso alterá-lo profundamente, «sob pena de as escolas se transformarem em parqueamentos juvenis imensos, sem interesse para os jovens e para o acesso à cultura». O professor universitário defende que «o trabalho escolar tem de ser drasticamente reorganizado, quanto a grupos-turma, a horários, a equipas de professores, a “disciplinas”; tem de se instalar uma maior capacidade de as escolas perceberem, localmente, qual é o melhor serviço que têm de prestar à comunidade». Além disso, sublinha a necessidade de os professores se focarem em «melhorar as aprendizagens de todos os alunos, e não apenas em “debitar ensino”» e de as escolas terem mais autonomia.
Foi isso que Manuel Mourão quis. É diretor do Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal, desde 2013. Através de um contrato de autonomia conseguiu ter disciplinas semestrais no 3.º ciclo: Ciências Físico-Químicas, Ciências da Natureza, História e Geografia.

O mundo mudou muito, e muito rapidamente. O professor universitário Joaquim Azevedo sublinha que as novas tecnologias transformaram a forma como as crianças e jovens vivem e também como aprendem e estudam. No Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém, as novas tecnologias são usadas nas aulas. Para já, isso começará a ser feito com as chamadas «Salas de Aula do Futuro» (SAF). É projeto que começou na Bélgica, com uso de com novas tecnologias para pôr os alunos a investigar sob orientação do professor. Portugal é já o país europeu com mais salas a funcionar. São 6 e há 24 a ser preparadas. Dessas, 6 são em Santiago do Cacém. Manuel Mourão quer tê-las todas a funcionar no final do ano letivo 2017/2018.
Mostra-nos a que já está pronta na biblioteca da escola básica. «Cada uma custa cerca de 20 mil euros e tem de ter dois quadros interativos, uma mesa interativa, equipamento de laboratório, um quadro normal, cadeiras e mesas deslocáveis para poderem funcionar individualmente ou em grupo.» Além disso, pode ter computadores, usar os
tablets e portáteis da escola ou os equipamentos dos próprios alunos. Mas o objetivo é tornar todas as salas de aula das escolas mais interativas, deslocando equipamentos e usando rede wi-fi.
A Escola Secundária de Carcavelos, no concelho de Cascais, não tem contrato de autonomia e o diretor, Adelino Calado, diz que não precisa. Aqui não há testes, nem aulas nas tardes de quarta e sexta-feira, nem trabalhos para casa. «O que fazemos está na lei. Porque não se faz? As pessoas têm medo da inspeção e de mexer na tradição.»
De barba grisalha e sorriso fácil, o diretor explica as mudanças que decidiu introduzir quando, em 2003, ganhou as eleições. Na altura, a escola era bem diferente. Havia «muita droga e muita confusão». Os problemas de comportamento aconteciam sobretudo na sexta-feira à tarde e com alunos retidos. Conclusão: acabaram as aulas nessa tarde e os chumbos. Mas a direção da escola descobriu também outros desafios: «Os alunos não eram autónomos, eram pouco empenhados.» A mudança passou por responsabilizar os alunos. «Não há toques de campainha. São os alunos quem vai buscar o livro de ponto. São responsáveis por não desaparecer, não haver rasuras ou folhas perdidas. Quando os professores faltam, ficam sozinhos na sala.»
Dar autonomia e responsabilidade é um dos lemas desta escola. Os alunos são responsáveis por chegar a horas, por usar o telemóvel na sala de aula, por fazer trabalho autónomo em casa e são tidos em conta nas decisões.
Quanto à avaliação, há apenas um teste em cada período feito no mesmo dia por todas as turmas de cada ano. Adelino Calado explica: «Nós avaliamos as aprendizagens e isto faz uma diferença enorme. Os alunos trabalham um conteúdo e o que fazemos é perceber se aprenderam ou se não aprenderam.»
A escola passou de 400 alunos para quase 2000. Neste momento, «não cabe nem mais um», e são muitos os pedidos para entrar. A escola oferece três cursos profissionais: turismo, multimédia e gestão desportiva. Outro atrativo é o maior centro de atividades náuticas do país. O espaço é propriedade da escola e permite formação em vela, canoagem, surf e windsurf.
Os diretores Adelino Calado e Manuel Mourão começaram a dar aulas na década de 70. Um formado em Educação Física, o outro, em História. Ambos defendem que a mudança no ensino tem de começar pela sala de aula. «O aluno tem de investigar, orientado pelo professor. Não podemos continuar com um professor a falar e os alunos de braços cruzados», afirma Manuel Mourão. Adelino Calado concorda e constata que «os professores dão aulas como na Idade Média e já estamos no séc. XXI. Ainda não estão dispostos a deixar de ser os transmissores do conhecimento e passar a ser os orientadores. Enquanto não conseguirmos dar este salto dificilmente podemos mudar o ensino.»
No mundo, há dois modelos que entusiasmam os investigadores: o finlandês e o dos colégios jesuítas da Catalunha. Na Finlândia, os alunos trabalham e investigam várias matérias em torno de projetos, sob orientação de professores. Joaquim Azevedo acredita que na Catalunha está a acontecer «uma “revolução” que todo o mundo irá seguir dentro de alguns anos, a começar pela participação dos alunos». Estes colégios jesuítas juntam alunos de duas ou três turmas para trabalho de projeto durante 60 % do tempo letivo. Na prática, estão na sala de aula cerca de 75 estudantes com 2 ou 3 professores a explorar, investigar e discutir temas com grupos e dinâmicas diferentes. Alguns conceitos de Matemática, disciplinas de Música ou de Educação Física continuam a ser trabalhados da forma tradicional.
Joaquim Azevedo sublinha que é preciso pensar a educação para lá do ensino. «A educação em valores e para valores assume atualmente uma enorme urgência. É preciso desenvolver as múltiplas inteligências dos alunos, incluindo a inteligência espiritual. As neurociências permitem hoje reorientar a educação escolar, que tarda em "dar a volta".» Muitas escolas, um pouco por todo o país, estão a experimentar alternativas. No entanto, Manuel Mourão lamenta que tenhamos «um sistema educativo a seis velocidades. Cada escola está por si a procurar coisas.» Também o investigador Joaquim Azevedo constata que as escolas funcionam «muito desconectadas entre si», e mesmo assim «fazem um caminho pioneiro de abrir as fronteiras proibidas ou dificilmente alcançáveis». A escola do futuro é já presente em algumas escolas, mas a “revolução” é feita de passos lentos e pequeninos.
Texto: Cláudia Sebastião
Fotos: Ricardo Perna e João Matos (Flor de Lis)
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