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Encontro Mundial de Famílias: pastoral de relação é o caminho para chegar às famílias nas margens
05.01.2022
O ano de 2022 vai convidar as famílias a olhar para o seu projeto com critérios e amor, vocação e santidade. Em junho, o Papa Francisco irá receber, em Roma, não as famílias de todo o mundo, mas um encontro para encerrar o Ano Família Amoris Laetitia. A revista FAMÍLIA CRISTÃ foi falar com Francisco Pombas, do casal responsável pelo Departamento Nacional, sobre uma nova forma de fazer pastoral, e com a terapeuta familiar e psicoterapeuta Margarida Cordo, sobre o que entende, hoje, serem os pedidos das famílias à Igreja Católica.
 
A Igreja Católica encerra, em junho, o Ano Família Amoris Laetitia com o X Encontro Mundial das Famílias, em Roma, onde se prevê a presença de responsáveis da área vindos de cada país. Em Portugal, o Departamento Nacional da Pastoral Familiar (DNPF) lança o desafio a dioceses, movimentos e leigos para que façam a preparação para o encontro com base nas catequeses disponibilizadas pelo Dicastério para os Leigos, a Família e Vida, e se reúnam numa festa a realizar, de acordo com a sua realidade.

Francisco e Isabel Pombas, casal diretor do Departamento Nacional da Pastoral Familiar.

«O encontro, em Roma, é o culminar do Ano Família Amoris Laetitia e desperta em nós um sentimento misto: a possibilidade de as famílias se reunirem seria muito atrativa e não poder acontecer no formato a que estamos habituados, num encontro mundial festivo, entristece-nos um pouco. Devido à pandemia a proposta é diferente, mas tem muito de entusiasmante: um encontro, em Roma, para delegados das conferências episcopais do mundo inteiro, numa ocasião mais de trabalho, e os encontros festivos em cada diocese num formato multicêntrico», apresenta Francisco Pombas, que juntamente com a esposa, Isabel Pombas, são o casal diretor do DNPF.

As catequeses preparatórias do encontro, disponíveis online (https://www.romefamily2022.com/pt/), desenham o tema do convite para a reunião mundial: «O amor em família: vocação e caminho de santidade». Em sete propostas, pede-se que as famílias reflitam sobre «Vocação e Família», «Chamados à santidade», «Nazaré: tornar o amor normal», «Somos todos filhos, somos todos irmãos», «Pais e mães», «Os avós e os idosos», «Com licença, obrigada, desculpa».

Reconhecendo que o Ano Família Amoris Laetitia tem sido «um pouco ofuscado por várias propostas simultâneas e pelos efeitos da pandemia», o responsável nacional destaca a marca da exortação apostólica Amoris Laetitia (AL) na pastoral que a Igreja deseja fazer com as famílias, sendo um documento que, sublinha, vale a pena visitar assiduamente.
A equipa do DNPF assume a necessidade de mudar as propostas e a forma de fazer pastoral junto das famílias, ao mesmo tempo que rejeita uma «ideia de paternalismo».

«Há uma ideia de um paternalismo: eu sou uma família cristã e posso ajudar uma família não-cristã – isto é paternalista e está errado. Devemos caminhar juntos, colocados lado a lado, sejam famílias integradas ou não na comunidade. Esse apoio, encontro, diálogo e acolhimento é a metodologia certa de fazer pastoral familiar», numa lógica que, entende, se deveria estender a todas as formas de anúncio na Igreja.

«Estamos muito habitados a uma pastoral hierárquica. Para chegar às margens e a quem não está é fundamental a pastoral de relação. Se cada família se sentir agente de pastoral e estiver disponível para acolher, seguramente que, no seu prédio ou no seu bairro, vai encontrar outras famílias que, não tendo nenhuma relação com a Igreja, podem vir a sentir-se acolhidas no seu seio. Desta relação poderá caminhar-se para o sentido de pertença. É uma rede capilar de famílias que estão próximas de outras famílias. Daí a necessidade de sair das hierarquias para a pastoral de relação», indica.

Margarida Cordo, psicoterapeuta e psicóloga clínica. Foto: Lígia Silveira.

Margarida Cordo é psicóloga clínica e da saúde, terapeuta familiar e psicoterapeuta há mais de 20 anos, acompanhando diversos quadros familiares. À revista FAMÍLIA CRISTÃ reconhece que as famílias hoje pedem «suporte, acolhimento, ponto de encontro».

«As famílias hoje pedem pares para se conseguirem identificar e refletir. Muitas vezes necessitam de um lugar onde possam relativizar as suas dificuldades e para isso precisam de encontrar pares que passam pelos mesmos desafios e não se importam de partilhar as experiências.» O acolhimento em Igreja, destaca, «não é para quem está dentro, pois essas pessoas já estão inseridas, apenas continuam o seu caminho. Quem, a medo, está a chegar ou a espreitar para ver o que é, precisa encontrar propostas boas, de esperança, de confiança, que depois os vão conduzir à fé».
 
As famílias perfeitas
A equipa que dirige o DNPF é composta por seis casais – Margarida e Vasco Sá Nogueira, Isabel e Francisco Pombas, Maria e Simão Mira, Ana e Rodrigo Rhodes, Helena e Luís Pais, o padre Francisco Ruivo e a irmã Inês Serra, das Servas de Nossa Senhora de Fátima.

«Quando nos desafiaram a integrar este projeto, não nos sentimos habilitados para fazer parte da equipa nacional. Idealizávamos casais sem arestas por limar, ao contrário de nós. Com vários anos de casamento, a nossa realidade inclui os problemas, dificuldades, dúvidas e angústias, mas também alegrias, como as famílias de hoje. A ideia de perfeição, como meio de pertença à comunidade cristã, tem de ser desmontada. Todos estamos a caminhar, e a pastoral de relação, que propomos, ajuda nisso», traduz Francisco Pombas.

Margarida Cordo entende que a ideia de «família perfeita» pode ser «excludente» da comunidade e evidencia uma «confusão» entre «impor e propor».

«As famílias, desde os anos 70/80, mudaram muito. Passámos de um tempo em que muito pouca coisa era permitida e muito era proibido, para é proibido proibir. As famílias não sabem por onde caminham. Mas a Igreja tem de ser uma porta aberta, encontrar uma linguagem de todos e não de um “nós e eles”».

Para a terapeuta familiar, a «família perfeita» é a que tem como pilares o «amor, a confiança e a admiração recíproca». Em consultório, Margarida Cordo é procurada por casais «muito assimétricos na sua vida profissional» – divergindo do modelo clássico –, e com todos reflete que o grande desafio que dá consciência ao projeto é «amar sem instrumentalizar».
 


O desafio do tempo
Francisco e Isabel Pombas estão casados há 29 anos, têm três filhos com 22, 27 e 28 anos, e reconhecem que o ritmo de stresse imposto, bem como a conjugação de vidas dos filhos, pode acrescentar tensão.

«Temos de ter noção que todas as solicitações, se forem vistas cada uma na sua gaveta, só vão criar conflitos e mais stresse. Há que olhar para o que fazemos como algo que se interliga. Pertencer ao DNPF tem de nos enriquecer e ser bom para nós. Vamos estar menos tempo com os filhos, sim, porque iremos a atividades que nos ocupam dois ou três dias. Mas se esses momentos forem utilizados para nos enriquecer e o transmitirmos à nossa família, então é vantajoso. Mas isto é tudo um equilíbrio e somos confrontados com situações que não dependem de nós, que desafiam esse equilíbrio.»

Margarida Cordo fala da «fundamental necessidade» de ter uma relação «saudável com o tempo»: «Depressão é excesso de passado, stresse é excesso de presente e ansiedade é excesso de futuro. O que temos para viver é no presente e nunca em excesso. É a relação com o tempo que está a estragar a realidade das famílias.»

«O que dá um bom suporte para podermos viver bem é não deixarmos para a família o resto de nós. As pessoas em consultório dizem-me: “Em casa é onde o pior de mim fica. Grito com os meus filhos, incompatibilizo-me com o meu marido.” Uma boa relação com o tempo permite evitar o stresse; ter consciência que temos de lidar com a perceção dos três tempos do tempo – passado, presente e futuro – só nos ajuda.»
 
Sonho e projeto
A partir dos desafios que a AL lança à pastoral familiar, é intenção do DNPF apostar na preparação para o matrimónio, uma vez que sentem que o atual modelo se centra, quase exclusivamente, na preparação imediata para o casamento.
A realidade mostra «um vazio» que não enquadra os namorados «nem na pastoral juvenil, nem na pastoral familiar», apesar de «propostas interessantes aqui e ali», reconhece Francisco Pombas.

«O que estamos a equacionar propor é uma preparação próxima para o casamento, dirigida aos pares de namorados, feita com tempo. É um desafio difícil, temos dificuldade em perceber como o esquematizar, mas temos de fazer um esforço para dar essa resposta», assume.

Francisco Pombas olha para uma «realidade diferente» que a sociedade foi assumindo e o «Papa Francisco reconhece na própria AL»: «As pessoas casam mais tarde, vivem juntas antes do casamento. Há que ter a noção da realidade social, sem deixar de propor algo exigente e desafiante para os namorados. O acolhimento é determinante, mas não exclui uma proposta desafiante e exigente.»

Margarida Cordo indica que a construção de uma família significa «a construção de um sonho», mas reconhece uma «tendência para um projeto pouco pensado, entre os mais novos».

O sociólogo polaco Zygmunt Bauman desenvolveu o termo «modernidade líquida» para falar de um tempo de relações sociais, económicas e de produção frágeis, fugazes e maleáveis, tal como os líquidos. Margarida Cordo aplica a reflexão à realidade das famílias.

«A Igreja não pode não compreender os desafios dos novos tempos, a facilidade com que as pessoas vivem juntas, os novos formatos de famílias – a Igreja tem de o perceber. Mas não pode ser flexibilidade excessiva, não vale tudo», enfatiza.

Por isso, sublinha a psicóloga e terapeuta familiar, propor a santidade e a vocação, que o Papa Francisco convida a olhar, é propor «um grande trabalho de fundo que permite ir em busca da melhor versão de cada um».

«A melhor versão não é estar estafado sem paciência para uma conversa; ter seis horas para dormir a pensar no que amanhã se tem de fazer. Há um tempo para nos dedicarmos, olharmos e nos escutarmos. Se primeiro vem o esforço, depois virá a gratificação – é um chamamento à santidade.»

Caminhar com as famílias desde 1994
O I Encontro Mundial de Famílias foi uma iniciativa de São João Paulo II em 1994, a partir da convocação do Ano Internacional das Famílias pela Organização das Nações Unidas. Em fevereiro desse ano, o Papa polaco endereçou uma carta a todas as famílias, Gratissiman Sane, na qual sublinhou que de entre as muitas estradas apresentadas ao homem para a sua «missão e ministério», «a primeira e a mais importante é a família». Depois de Roma, nesse ano, o encontro, que até ao dia de hoje convocaria as famílias para uma festa com o Papa, passou em 1997 pelo Rio de Janeiro, no Brasil; Manila, nas Filipinas; Valença, Espanha; Cidade do México, no México; Milão, Itália; Filadélfia, nos Estados Unidos da América, e Dublin, na Irlanda. A pandemia fez adiar o encontro esperado em 2021 para 2022.
Mais informações em http://www.laityfamilylife.va/.
Texto: Lígia Silveira
Este artigo resulta de uma parceria FAMÍLIA CRISTÃ/Agência Ecclesia.
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