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Ensino doméstico católico: Aprender com Deus
18.10.2016
De acordo com os dados enviados pelo Ministério da Educação à FAMÍLIA CRISTÃ, no ano letivo 2015/2016 estavam inscritos em ensino doméstico 743 alunos. A esmagadora maioria frequentava o 1.º ciclo, antiga primária. Este número revela um crescimento espantoso, tendo em conta que em 2009/2010 eram apenas 82.
A família Mendes, de Fátima, faz ensino doméstico com os filhos. (D.R.)Na casa dos Mendes, em Fátima, há sete anos que os filhos (sete) aprendem em casa. Fernanda, a mãe, explica: «A Filomena fez sete anos de ensino doméstico até ao 9.º. A Teresa terminou agora o 8.º, o João está no 6.º, a Maria no 5.º, o Armandinho está no 3.º, a Jacinta começa agora o 1.º e a Clara tem quatro anos.» A filha mais velha deixou o ensino doméstico e está agora na escola para fazer o secundário. «Prefiro que encontrem alguma coisa menos amistosa enquanto estão em casa para poderem conversar e desabafar do que quando estejam numa cidade diferente na universidade», explica Fernanda.

O que é o ensino doméstico?
Em Portugal, o ensino doméstico é permitido até ao 12.º ano. A matrícula é feita na escola da zona de residência e tem de haver um adulto responsável com pelo menos mais um grau de ensino do que o frequentado pela criança. Estes alunos têm de fazer os exames nacionais e provas de equivalência à frequência no final de cada ciclo. Nas línguas há provas orais.

Os filhos de Fernanda são ótimos alunos, e as notas variam entre o 4 e o 5. Mas o ensino que fazem em casa é católico. «Em casa podemos e devemos falar de tudo, mas olhar pelo prisma católico, libertador. Vemos a história à luz da fé, a matemática à luz da fé. É muito normal no meio de uma aula estarmos a discutir coisas da fé porque é a nossa vida.» Isso não implica esconder a realidade. Fernanda chegou a ser acusada de querer pôr os filhos numa redoma. Pelo contrário, diz Fernanda. «Para estar no mundo temos de conhecer tudo e é isso que tento fazer com os meus filhos: mostrar tudo para que eles possam escolher.» Isso implica investir amor e tempo.

Ensino doméstico não significa ficar fechado em casa.

Sociabilidade é falsa questão, dizem pais
Sendo hoteleiros, a liberdade de horários é uma mais-valia. As filhas mais velhas já viajaram durante várias semanas pela Europa com famílias amigas. Experiências impossíveis de concretizar se estivessem no ensino regular. Além disso, os sete filhos têm atividades fora de casa: ballet, ginástica acrobática, coro, catequese e o próprio hotel, onde têm papel ativo (cantam e convivem com os hóspedes). A casa também está sempre cheia de amigos.

Na família Atalaia, o filho mais velho está na escola e as mais novas em casa.Helena Atalaia vive em Sesimbra e pratica ensino doméstico pré-escolar com as filhas mais novas: Inês de seis anos e Leonor de três. Enquanto conversamos com a mãe, as meninas pintam com o pai. É ele o responsável pela parte artística.
Tiago e Helena têm três filhos. Bernardo, de 14 anos, esteve e está na escola. Inês frequentou a creche, mas o nascimento de Leonor mudou os planos da família. Helena tirou uma licença de maternidade prolongada e ouviu falar de ensino doméstico. Primeiro, estranhou e depois começou a pesquisar. «Dei com blogues e sítios de internet com estudos geracionais que mostravam ótimos resultados. À medida que ia aprofundando, comecei a perceber que era uma modalidade de ensino que nos atraía a todos enquanto família.»

Para já, oficialmente, nenhuma das filhas está em ensino doméstico. Os pais decidiram não inscrever Inês na escola. Mas em casa tem tempos mais formais de aprendizagem de 1.º ano. A mãe organizou um calendário. Inês espreita as imagens e vai adivinhando: «Aqui são aulas, aqui é missa, aqui é ballet, aqui é o quê?» A mãe responde «ateliês».

Criar comunidade
Helena foi a promotora do projeto PONTES do ensino doméstico católico que cria uma rede de apoio, e onde se partilham fé e conhecimentos. «Existe o ateliê de teatro, inglês, piano, leitura, ciência, arte e o clube santana, que é específico para falarmos e fazer atividades sobre alguns santos», explica Helena.
Em casa dos Atalaia, o dia começa e termina com oração. Há Missa semanal, catequese e escuteiros. Mas o contacto com Deus não se restringe a isso. «Quando existe uma dificuldade, algo para agradecer, quando estou a aprender alguma coisa que me está a dar um grande entusiasmo, seja o que for, tudo isso são ocasiões para agradecer ou para pedir», explica esta mãe, acrescentando que a ideia é ter Deus presente ao longo do dia.

Helena não fica fechada em casa com as filhas e aproveita todos os recursos: «avós, tios, amigos, vizinhos, bibliotecas municipais, todos os serviços que possam fomentar uma aprendizagem estruturada».
A professora do ensino superior quer deixar bem vincadas duas ideias: é preciso discernir bem se o ensino doméstico se enquadra na família e perceber que a qualquer momento a criança pode ir para a escola.

Mães assumem a educação dos filhos
Foram mães como Helena que Álvaro Ribeiro conheceu quando fez investigação de doutoramento na Universidade do Minho sobre ensino doméstico. Há oito anos que estuda o tema e acompanhou cerca de 100 famílias.
No ensino doméstico religioso, Álvaro Ribeiro diz que os pais se veem perante o confronto entre os seus valores e o que é ensinado nas escolas. O investigador acrescenta que «as mães aproveitam o tempo em casa para educar os filhos, catequizar, ensinar segundo a sua narrativa».
Álvaro Ribeiro investigou ensino doméstico durante doutoramento.Álvaro fala sempre de mães porque são quase sempre elas a encarregar-se do ensino doméstico, seja religioso ou não. «São mães sobretudo com ensinos superiores, a maioria licenciadas e já há casos de pós-doutoramento. Sabem o que estão a fazer e leem muito.»

Durante a investigação, Álvaro Ribeiro percebeu que em Portugal «os alunos ensinados em casa também tendem a ter notas mais altas». E porque há cada vez mais crianças em ensino doméstico? O investigador Álvaro Ribeiro fala em «diferentes maneiras de ver o mundo, e de conceber a existência humana».

Para as famílias Mendes e Atalaia essa existência humana está impregnada de Deus. Tiago Atalaia diz que o ensino doméstico ajudou «a ter uma coesão familiar mais forte». Fernanda Mendes acredita que «mais do que uma escola de conhecimentos, tem sido uma escola de vida» onde «crescemos muito na fé juntos, os meus filhos ganharam a liberdade de me ensinarem algumas coisas e aprendemos muito a respeitar-nos».

Excerto de reportagem publicada na edição de outubro da FAMÍLIA CRISTÃ.
 
Texto: Cláudia Sebastião
Fotos: Ricardo Perna/Cláudia Sebastião/Família Mendes


 
 
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