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«Estamos num momento crucial porque a situação da igreja é o que é e não é boa»
12.12.2021
A Capela do Rato organiza hoje, segunda-feira, dia 13, a última conferência relacionada com o caminho sinodal proposa pelo Papa Francisco. A oradora convidada é Cristina Inogês-Sanz, uma teóloga leiga espanhola que integra a Comissão Metodológica do Sínodo dos Bispos.
 
A conferência acontecerá via Zoom, pelas 21h30. Pode encontrar todas as informações clicando aqui.
 
Nesse âmbito, a Família Cristã publica a entrevista feita à teóloga em outubro, por altura da abertura do Sínodo dos Bispos, em Roma, na qual ela fala sobre o processo sinodal que se iniciava por esses dias no Vaticano.

 
 
Em primeiro lugar, muito se tem falado da necessidade do Sínodo chegar às pessoas que já desapareceram [da Igreja] e que nem sequer nos demos conta de que desapareceram. Como podemos chegar agora a esta gente?
Esta situação acontece, porque normalmente temos uma ideia do Povo de Deus muito enraizada e damos por certo que algumas pessoas são povo de Deus sem nos perguntarmos nada. Por outro lado, há outras pessoas que, sendo povo de Deus, consideramo-las menos depois de terem desaparecido. Esta é a realidade que devemos mudar, mas é difícil sim, porque o problema radica-se em que devemos aproximar-nos delas, pensando bem como o devemos fazer. É necessário integrá-las positivamente, dizer-lhes que não se sintam marcadas. Não podemos estar constantemente a falar de afastados, porque o conceito de afastamento, por um lado é muito rígido, e por outro também pode ser elástico, porque as causas do afastamento podem ser muitas.
Se englobarmos o mundo inteiro como afastados, na realidade pode haver pessoas afastadas por mais de cem mil motivos e essas pessoas não se podem sentir etiquetadas, como parte de um pacote simplesmente. São pessoas com situações e realidades normalmente dolorosas, porque o seu afastamento foi produzido por causas que as fizeram sofrer. E se formos capazes de falar desse povo de Deus, dessa parte do povo de Deus pela positiva, é uma forma de lhes dar a entender que são convidados para que venham dizer-nos porque se marginalizaram e como lhes fizemos mal ou o que não lhes fizemos. Na verdade, muitas vezes não se trata de fazer, mas também de não fazer. Então, eles podem-nos ensinar como corrigir os nossos erros.
 
Temos de ser nós a dar o primeiro passo, e até assumir que possa haver responsabilidades inclusivamente por parte da igreja por exemplo.
Sim, sem dúvida, temos que assumir a nossa responsabilidade, isto não se pode negar. Temos que ser corresponsáveis por todos, quero dizer, se falarmos de uma igreja-comunhão somos comunhão para o bem e também somos comunhão para assumir o mal, e por isso, somos corresponsáveis de tudo. Isto não significa que todos os membros da igreja se tenham comportado mal, mas se somos responsáveis e corresponsáveis devemos aproximar-nos dessas pessoas, sobretudo com uma sensibilidade especial e com uma forma de encanto para os não ferirmos ainda mais porque, ao agirmos com eles, estes acreditam que vamos pedir-lhes explicações por nos terem virado as costas… não deve ser assim. O que queremos saber é o que lhes fizemos para terem desaparecido.
 
Há aqui uma questão de metodologia neste sínodo, que visa uma descentralização, ou seja, começa pelas dioceses e têm de encontrar um canal de comunicação. Vai haver comunicação entre as dioceses e a Secretaria do Sínodo?
Sim, é um desafio, mas realmente é algo que a estrutura deste sínodo mudou muito, por isso o que compete a cada diocese já foi previsto. É verdade que, localmente, há umas equipas que vão ser os que organizam e um pouco coordenam a celebração do Sínodo. Estas equipas vão trabalhar, enviando todos os materiais que se recolheram à conferência episcopal, mas também vão ser enviados diretamente à Secretaria do Sínodo, e isto é uma novidade tremenda, porque quer dizer que há uma relação direta não só entre as dioceses e a conferência episcopal de cada país, coisa muito normal a ver bem as coisas, mas que cada diocese tenha acesso direto à Secretaria geral do sínodo. Esta, sim, é uma grande novidade.
 
Poderá haver dúvidas, de como posso ir falar com pessoas que não vêm ter comigo ou que nem querem falar comigo? Mas mesmo assim, sou eu que tenho de ir ter com elas… Irão dar sugestões?
Vejamos, a realidade de cada diocese é muito peculiar… Nem os membros da comissão nem a Secretaria do Sínodo terão respostas para tudo. Mas nem se devem dizer “aí está o vademécum” como se isso fosse um dicionário para encontrar a solução. Em todo o caso, sugestões sempre se podem dar.
 
A comissão metodológica tem uma particularidade: não tem nenhum bispo e vemos que em todas as comissões há presença significativa de leigos e de mulheres, se compararmos com os sínodos anteriores… isto é um sinal também para toda a Igreja?
Na comissão metodológica somos nove membros. Dos nove, somos seis leigos e praticamente somos metade homens e metade mulheres. Não creio que aqui se tenha buscado um número casual, de quota, mas não deixa de ser um sinal de que há uma realidade vital na igreja com que se está a contar. Sobretudo, é um pouco de coerência para viver ou para iniciar a viver o caminho sinodal no qual já embarcámos. Creio que é uma mensagem que se lança.

 
Crê que haverá uma solução em que todos os participantes se possam sentir representados no documento final?
São passos que se vão dando, porque a estrutura deste sínodo nada tem que ver com a estrutura do sínodo da família, para dar um exemplo… pouco a pouco, temos que ser conscientes de que estamos primeiro num sínodo de bispos e não se pode desmontar o que é a essência de um sínodo de bispos. No entanto, o facto de que se possa trabalhar por fases, e sobretudo que na primeira fase inclua todo o povo de Deus e uma amplíssima base laical, que esteja aí representada e que tenha opção para falar, sugerir e questionar, é importante.
Então quando isso passar para as conferências episcopais e assim que passar a fase continental, que será uma parte muito interessante do sínodo, porque não estamos acostumados a ver a igreja por continentes, vamos ver o conjunto dos continentes e isso vai-nos dar uma perspetiva muito diferente, porque por exemplo a Igreja da Austrália dela não temos muitas notícias, mas é uma realidade assombrosa, o que está a fazer essa Igreja vai-se ver.
 
E muito se fala sobre o Sínodo de 2023, quem poderá votar…
Sobre o que será a sala sinodal, também veremos como e quantos poderão participar nesta fase que se vai realizando. Quanto à questão dos votos, no final temos que pensar que, se todo o processo sinodal é vivido em chave de discernimento, algo vai ter de mudar. O importante é sobretudo que acabe esta fase, pois é a primeira vez que a base do povo de Deus participa durante tanto tempo. Estamos a sair da pandemia, mas se mantivemos este espírito sinodal vivo, de uma maneira fresca e direta e a comunicar como se deve comunicar com transparência, creio que podemos conseguir algum resultado, pois, quem nos dirige é o Espírito e nunca se sabe donde sai ou por onde vai, algo que é surpreendente.
 
Falou em apoio para as dioceses que têm dificuldades em implementar um processo metodológico, mas o que fazer com as dioceses que não demonstrem interesse em fazer este trabalho sinodal?
Nem a secretaria nem nós mesmos podem meter-se onde não a chamam literalmente, vamos dizer assim. Imagino que em todos os países haverá dioceses que mostrarão muitíssimo interesse e dioceses que serão absolutamente indiferentes, tudo bem, aí nós não podemos meter-nos nas questões de cada diocese, nem nelas podemos entrar! Nós só podemos ajudar, mas não podemos meter-nos a dizer o que devem fazer, perguntar-lhes não é a nossa missão.

 
Mas o que lhe poderíamos dizer?
Eu creio que seria interessante animá-las para que entendam que estamos num momento crucial porque a situação da igreja é o que é e não é boa. Temos que ser sinceros, o primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que o problema existe. Então temos um problema de uma estrutura rígida, vertical, clericalizada ao máximo, não só por parte do clero, mas também por uma parte do laicado que não soube viver doutra maneira e que reproduziu as formas que recebeu e isso é uma evidência, que nos levou à situação que temos.
Então devemos ser conscientes de que não se deve pensar numa Igreja nova, porque não se trata de fazer isso, mas todos juntos aprendermos a ser igreja de outra maneira, leigos e hierarquia. Se todos apagarmos o nosso ego e deixarmos realmente que a palavra surja e que o Espírito atue, teremos muito a ganhar por sermos uma igreja sinodal; reconhecendo que há estruturas que necessitarão reconduzir-se sinodalmente, se se puderem reconduzir; outras haverá que não se poderão reaver e terão que cair porque não caberão nessa estrutura sinodal e aparecerão outras que serão mais sinodais. Se queremos que o processo sinodal arranque e continue, porque este processo sinodal realmente não se vai esgotar, as primeiras estruturas que há que cuidar e mudar são os seminários e as paróquias, porque estão na origem de tudo. Se isso não se muda, será muito difícil seguir adiante.

A reportagem da abertura do Sínodo dos Bispos em Roma é fruto de uma parceria estabelecida entre a Família Cristã, a Agência Ecclesia, o Diário do Minho e a Associação de Imprensa Cristã.
 
Entrevista: Ricardo Perna e Octávio Carmo
Fotos: Ricardo Perna


 
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