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«Eu não me compreendo na minha vida sem a Fé»
01.07.2022
Em 2018, o Pe. António Vaz Pinto, que faleceu hoje, dia 1 de julho, aos 80 anos, concedeu uma entrevista à revista Síntese, por ocasião da edição do seu livro Iniciação à Fé cristã, da PAULUS Editora. Por ocasião da sua morte, relembramos aqui o testemunho do sacerdote que deixa uma obra social e apostólica tão grande que levou a que, a 30 de janeiro de 2006, tivesse sido distinguido pelo presidente da República, Jorge Sampaio, com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.


 
É um homem de grandes obras. Como tem conseguido conciliar tudo na sua vida?
Primeiro que tudo, eu gosto muito de responder às necessidades. Este é o meu critério básico. “Se podes deves, se deves faz” é o que costumo dizer a todos. Estive na fundação do Banco Alimentar Contra a Fome, dos Leigos para o Desenvolvimento, do Centro S. Cirilo para apoio aos refugiados no Porto, e mais algumas coisas. Há a preocupação de responder a necessidades, e tenho uma boa capacidade de escolher os meus colaboradores e delegar. Vou controlando, vendo as coisas, tomando conhecimento, fui alto-comissário para a Imigração, e só foi possível com uma boa equipa, ideias claras e uma liderança forte.
 
Esta obra, Iniciação à fé cristã, denota essa experiência...
Sim, mas muito concreta. Em Coimbra, imensa gente vinha ter connosco com grandes dúvidas de fé e vida cristã, e reparámos que as dúvidas eram comuns, a maior parte delas. E, portanto, começámos a ter esta ideia de juntar as pessoas, crentes, não-crentes e duvidosas, num fim de semana onde pudessem pôr todas as suas dúvidas e dificuldades, e a partir daí ir respondendo num curso muito intenso de um fim de semana. E é esta a história do CIF – Curso de Iniciação à Fé, que acabou por se consolidar nisto. Tenho dado estes cursos, mas já tinha este sonho de pegar nos esquemas e sintetizar tudo em livro para quem queira compreender melhor a sua própria Fé.
 
Portanto, a Fé aprende-se?
A Fé aprende-se, não se vive de rendimentos. A Fé pode ser como uma pessoa que nasce muito rica, mas se não tratar dos seus bens pode ficar na miséria. E é muitas vezes isso que acontece. Há muitas pessoas descrentes que são descrentes porque, primeiro, tiveram uma má catequese, e a catequese é deficiente em geral, porque apanha uma altura da vida muito infantil. Não há uma catequese adequada para uma pessoa que faça o ensino secundário e a universidade. Há um desfasamento enorme entre o seu nível cultural e o seu nível religioso, e isso não pode deixar de provocar cisões e dúvidas; depois, a pessoa foi educada na Fé, teve alguma prática de Fé, mas abandona porque as coisas deixam de fazer sentido. O problema não é da Revelação, é da nossa atitude pessoal.
 
Considerar uma iniciação à Fé de uma forma condensada é bom, porque hoje há falta de tempo para tudo...
Exatamente. Claro que isto não é uma lavagem ao cérebro, são linhas que mostram como a Fé tem coerência e como responde às grandes questões do Homem. É normalíssimo que a pessoa tenha vontade de aprofundar mais depois de ler isto, nomeadamente algum assunto mais específico, como os sacramentos ou a transmissão de fé. Este livro é um “abrir de estrada” para que as pessoas possam escolher, compreender, procurar e encontrar mais aprofundadamente.
 
O Homem ainda procura Deus?
Procura sempre, embora essa procura possa ter aspetos diferentes. Nós vivíamos todos em sociedades mais religiosas onde a problemática de Deus se punha expressamente. Isso hoje já não se consegue, o homem deste século é secularizado, mas a procura de Deus está implícita na procura da justiça, da realização própria, da Verdade, do Bem, está lá.
 
E com os descrentes, como abordar esta questão?
Há vários tipos de descrentes: a pessoa que não quer crer, que se fecha, e com essas nada se pode fazer a não ser respeitar. Não creio que sejam muitas as pessoas nesta atitude. Há muitas pessoas de outras religiões, descrentes do Cristianismo, mas que procuram a Verdade e o Bem. Na medida em que procuram a Verdade e o Bem, sem o saberem, já estão captadas por Jesus Cristo, e salvam-se indiretamente, porque a primeira de todas as normas religiosas, antes de tudo, é a fidelidade à nossa consciência. Quem segue a sua consciência, na Verdade e no Bem, está em Jesus Cristo, mesmo que não o saiba.
 
Mas a Fé também não pode ser algo remetido para a dimensão privada...
De maneira nenhuma! Claro que tem uma dimensão privada, mas a coisa mais natural é que as pessoas que partilham a mesma Fé se associem, chamemos-lhe Igreja, e estejam a fecundar a sociedade onde estão. A Fé tem uma expressão societária, e encurralar a Fé na liturgia e na oração pessoal é tirar-lhe os braços.
 

O que é que a Fé tem trazido ao Pe. Vaz Pinto até aos dias de hoje?
Eu não me compreendo na minha vida sem a Fé. A Fé transforma-se na coisa mais importante da condição humana, que é a confiança. Nós precisamos de confiança. Uns confiam no dinheiro, outros na saúde, outros nos amigos, outros na inteligência. São tudo formas da pessoa ser livre, embora muitas sejam ilusórias, como estas que apontei. Na medida em que Deus está na minha vida, confio n’Ele, no seu Amor, no seu projeto para mim e para tantos outros, ganho esta confiança fundamental, que me permite continuar a viver com alegria, anunciar a Boa Nova, fazer aquilo que julgo estar nas minhas mãos para que outros O encontrem e possam experimentar a confiança que eu também experimento.

 
Texto: Pe. José Carlos Nunes
Fotos: Rita Bruno
 
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