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Germano de Sousa: «Leis sobre eutanásia são egoístas»
16.03.2017
Germano de Sousa afirma que a eutanásia é um tema cultural, mas não só. «Há uma cultura e uma cultura do egoísmo. Leis sobre eutanásia são leis egoístas. É alguém que não quer sofrer nem ver sofrer», afirma.
Francisco Vilhena da Cunha e Germano de Sousa
O antigo bastonário da Ordem dos Médicos critica fortemente os deputados que apresentam propostas para legalizar a eutanásia: «Estes senhores deputados do BE, PS e alguns do PSD é gente que na realidade é gente frágil, que tem medo de encarar o sofrimento dos outros e nós médicos fomos ensinados a encarar o sofrimento dos outros. Hoje é possível tirar o sofrimento às pessoas. As pessoas são acompanhadas sem dor e o sofrimento psicológico também é minorado.»
 
No encontro do movimento cívico STOP Eutanásia, que decorreu esta quinta-feira, em Lisboa, Germano de Sousa manifestou-se contra a eutanásia, o suicídio assistido e a distanásia «não por razões religiosas ou teológicas, mas éticas». O médico explica porquê: «Nos nossos princípios médicos e deontológicos há um que é não infligir mal a ninguém… Temos o dever ético e não podemos administrar, prescrever a morte a ninguém mesmo com o princípio da compaixão».
 
Germano de Sousa lembra um caso que se passou há muitos anos quando ainda era interno: «Havia uma senhora tetraplégica e cada vez que via um médico dizia: “Mate-me por favor.” Foram passando uns meses e ela um dia chamou-me e disse-me: “não quero que me mate.” Então porquê? «Porque a minha filha está grávida e quero ver a minha neta nascer.” Os pedidos de eutanásia são pedidos de auxílio. E nem sempre sabemos responder.»

«O meu dia a dia é ter pessoas que querem morrer e depois já não querem»
Ana Sofia Santos é enfermeira na unidade de Cuidados Paliativos do Hospital da Luz há nove anos. Concorda que há egoísmo em falar de eutanásia e evitar a morte e o sofrimento. «Falar e tocar em assuntos menos agradáveis não é fácil. Não é fácil receber um doente que me diz que quer morrer e não é fácil eu sentar-me à beira dessa pessoa e perguntar o que se passa com ele. Tenho de ser capaz de ouvir e conseguir encontrar soluções. Não é fácil eu sair do quarto e ir falar com toda a envolvência dessa pessoa. Não é fácil ouvir dizer: “Não consigo aguentar mais ver o meu marido assim.” O meu dia a dia é ter pessoas que querem morrer e depois já não querem.»
 
Quando alguém chega à unidade e pede a eutanásia o que faz? A enfermeira explica que o prioritário é acabar com a dor física. Depois «tentar compreender o que está na base desse pedido. Então o que é que se passa? Muitas vezes não tem dor física. Que meio envolvente temos? Que situação existe? Muitas das vezes o que vem por trás é “eu preciso de ajuda, preciso que me escutem e que me ajudem a viver da melhor forma possível”.

Graça Varão (STOP Eutanásia), Ana Sofia Santos (enfermeira) e Fernando Costa (doente em recuperação)

«Nunca pensei na eutanásia»
Fernando Costa tem 61 anos e dois filhos. Em 2015, adormeceu ao volante e teve um acidente grave. Esteve às portas da morte várias vezes, coma induzido, colostomia e quase um ano em dois hospitais. «Nunca pensei na eutanásia, nem mesmo nos dias maus», afirma. Este doente defende que a eutanásia não deve ser legalizada para os doentes que pensem de outra forma. Na sua situação tão frágil, afirma que «os amigos e a família foram essenciais. Acho que quem está nos hospitais e não sente esta aproximação da família… Eu ia-me abaixo se não tivesse a aproximação da família».

300 euros por eutanásia
Germano de Sousa assume-se contra um referendo neste tipo de assuntos, mas preferia que não houvesse uma aprovação no Parlamento. «Comparo esses senhores deputados ao Dr. Salazar: também não querem consultar o povo. O PS não tem o direito de fazer aprovar uma lei porque não disse ao que ia quando foi a eleições. É a democracia fugitiva. O BE o mesmo. Mas, pelo menos, se não o fizeram e constou dos programas respetivos, façam um referendo. Preferia que isto nem sequer fosse posto nem num referendo nem na Assembleia. A questão aqui é civilizacional», defende. O antigo bastonário questiona: «Qual é o meu dever se uma pessoa se quiser atirar da ponte? Impedi-lo. Não é como médico, é como cidadão. Pessoas com depressão simples, como é que alguém pode aceitar que possam ser eutanasiadas? Que mundo é este que estamos a criar? A solidariedade acabou neste Século XXI.»
 
Germano de Sousa não aceita que um médico possa matar ou ajudar a morrer e lamenta que haja colegas seus a aceitar fazê-lo: «Há quase uma pulsão e uma cultura da morte. Sabem quanto ganha um médico por eutanásia? 330 euros! Um médico que faça três eutanásias por mês são quase 1000 euros, não está mal.» Se a lei vier a ser aprovada espera que a Ordem dos Médicos publique a lista dos médicos que fazem eutanásia e afirma que «nunca aceitaria ser doente de um médico que estivesse disponível a matar e gostaria de saber que médico é que gostaria de estar na lista dos médicos “eutanasiólogos”».

Estado pode reconhecer que certas pessoas não merecem viver?
Francisco Mendes Correia analisou os dois projetos de lei do Bloco de Esquerda e do PAN que propõem legalizar a eutanásia. O advogado afirma que em comum as propostas têm a «fundamentação no direito de autonomia e autodeterminação segundo a qual cada um é o melhor árbitro e juiz para determinar se a sua vida merece ser vivida».
 
Para Francisco Mendes Correia, há uma contradição: «Se o universo de titulares deveria ser todas as pessoas que podem exercer a autodeterminação, os autores destes projetos estão a dizer que a eutanásia é um direito constitucional escondido e que estamos a esclarecer, mas por outro lado estão a destiná-lo a um só leque de pessoas». O advogado vai mais longe e afirma que «reconhecer o direito à morte é dizer que aquela vida já não merece ser vivida, é dizer juridicamente que aquela pessoa não merece viver. O Estado reconhece que há certas pessoas que já não merecem viver. É o limite da ditadura».

Os riscos de deslizamento da eutanásia
Francisco Vilhena da Cunha é membro consultivo do Movimento Cívico STOP Eutanásia e apresentou a realidade da eutanásia e do suicídio assistido no mundo. Na Holanda, Francisco Vilhena da Cunha explica que «a eutanásia triplicou desde que a lei está plenamente em vigor. Há um aumento da incidência da eutanásia no total de mortes. A eutanásia e o suicídio assistido estão a avançar nas causas de morte». Além disso, o engenheiro aeroespacial afirma que há casos noticiados de «pessoas eutanasiadas sem consentimento expresso ou por doenças psiquiátricas. Em 2015, 165 pessoas foram eutanasiadas por este motivo. Na Bélgica, Francisco Vilhena da Cunha alertou para um aumento de cinco vezes em 10 anos.
 
Fundadoras do movimento cívico STOP Eutanásia

STOP Eutanásia lança 10 ideias solidárias
No final do encontro, Graça Varão, do movimento cívico apresentou 10 ideias solidárias para empenhar todos no encontro e no auxílio dos outros. São eles:
1 – Dê e receba notícias.
2 – Visite uma pessoa doente.
3 – Escute. Olhe, escute.
4 - Não esconda a verdade.
5 - Nunca deixe de considerar cada pessoa na sua plena dignidade.
6 - Atreva-se a misturar gerações.
7 - Viva os rituais do luto.
8 - Lembre-se dos que partiram.
9 - Apoie os cuidadores.
10 - Torne-se voluntário num serviço de cuidados paliativos.
 
Reportagem e fotos: Cláudia Sebastião
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