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Governo publica despacho polémico sobre transsexuais nas escolas
26.08.2019
O despacho n.º 7247/2019, que «estabelece as medidas administrativas para implementação do previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto», sobre «direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa» abriu uma enorme polémica na sociedade portuguesa. O documento saiu dos gabinetes da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e do secretário de Estado da Educação no dia 30 de julho de 2019 e foi publicado em 16 de agosto, para entrar em vigor «no dia seguinte».



O texto no seu artigo 5.º sobre «condições de proteção da identidade de género e de expressão», estabelece que as escolas, do ponto de vista administrativo, devem «estabelecer a aplicação dos procedimentos para mudança nos documentos administrativos de nome e/ou género autoatribuído, em conformidade com o princípio do respeito pelo livre desenvolvimento da personalidade da criança ou jovem em processo de transição social de género, conforme a sua identidade autoatribuída» e «adequar a documentação de exposição pública e toda a que se dirija a crianças e jovens, designadamente, registo biográfico, fichas de registo da avaliação, fazendo figurar nessa documentação o nome adotado, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, garantindo que o mesmo não apareça de forma diferente da dos restantes alunos e alunas, sem prejuízo de nas bases de dados se poderem manter, sob confidencialidade, os dados de identidade registados». Define-se que esses procedimentos devem «respeitar a vontade expressa dos pais, encarregados de educação ou representantes legais da criança ou jovem».

As casas de banho e balneários
O ponto que mais polémica gerou foi outro. Referindo-se a práticas não discriminatórias, o despacho defende que «as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade». Do mesmo modo, a criança ou jovem deve poder usar «o nome autoatribuído em todas as atividades escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar, sem prejuízo de assegurar, em todo o caso, a adequada identificação da pessoa através do seu documento de identificação em situação que o exijam, tais como o ato de matrícula, exames ou outras situações similares». Define-se ainda que em «atividades diferenciadas por sexo» se permita que «se tome em consideração o género autoatribuído, garantindo que as crianças e jovens possam optar por aquelas com que sentem maior identificação» e que os alunos devem poder vestir-se de acordo com «a opção com que se identificam» e também «nos casos em que existe a obrigação de vestir um uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo».

Em declarações ao Observador, o secretário de Estado da Educação, João Costa, explicou que para aplicar as medidas previstas no despacho «os encarregados de educação terão sempre de dar autorização». O governante explicou ainda que «o despacho não prevê a construção de espaços específicos» ou de casas de banho e balneários indiferenciados. «Já há casos de práticas neste sentido, como o acesso a balneários dos professores, que têm uma privacidade que os outros podem não ter», explicou João Costa.



Escolas privadas de fora?
A polémica instalou-se e a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular Cooperativo (AEEP) a emitir um comunicado alegando que «o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo assegura autonomia das escolas, permitindo que estas possam garantir os direitos e o bem-estar de cada aluno, na sua singularidade, lidando com cada um de acordo com a sua identidade, necessidades e capacidades, à luz de cada projeto pedagógico». No texto, a associação defende que o despacho não cria novos deveres porque «o princípio geral de não discriminação e de proteção e respeito pela identidade de cada pessoa está previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa». As escolas privadas entendem que o despacho publicado em agosto «tem como função orientar os estabelecimentos de ensino público estatal no desenvolvimento das medidas necessárias para dar cumprimento aos direitos dos seus alunos» e por isso «não é aplicável ao ensino privado», podendo sê-lo nos «estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que assim o desejem».


Petição pede suspensão
Foi também lançada uma petição a pedir a suspensão do despacho. Mais de 34 mil pessoas já assinaram o texto que acusa o Governo de oficializar «a implementação da Ideologia de Género nas escolas». O texto questiona: «A principal questão, entre tantas, é a seguinte... Qual mesmo o objetivo da aprovação e consequente entrada em vigor, em pleno Agosto, quando tantos pais e crianças estão de férias, de um despacho desta natureza fraturante?» Também o movimento Pontos nos II emitiu um comunicado acusando-o de ser «abusivo visando atingir uma das camadas mais vulneráveis da sociedade, as crianças e os jovens». Este movimento diz-se indignado com o documento e com a «doutrinação das escolas que o mesmo encerra». Pontos nos II acusa o Governo de utilizar as crianças «como cobaias para introduzir medidas que nas escolas sirvam para implementar a doutrina de género e fazer das mesmas laboratórios para experimentação de ideologias», defendendo que «irá potenciar o aparecimento de novas situações». Por isso, o movimento pede a suspensão do despacho.

Os partidos também reagiram. Em junho um conjunto de 86 deputados do PSD e CDS pediram a fiscalização sucessiva da Lei n.º 38/2018. Agora, as primeiras críticas vieram da JP, juventude do CDS. Assunção cristas veio, mais tarde, dizer que o despacho «errado e que não faz sentido». Rui Rio, presidente do PSD, no Twitter, lamentou: «em agosto, a um mês do começo das aulas, o Governo faz um despacho de perfil bloquista, semeando a confusão nas escolas e nos pais».
 
Pode ler o despacho aqui: https://dre.pt/application/conteudo/123962165
A Lei n.º 38/2018 está disponível aqui:https://dre.pt/pesquisa/-/search/115933863/details/maximized
Pode aceder à petição aqui: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT94077

 
Texto: Cláudia Sebastião
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