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Grata memória!
14.11.2022
Cabe-me, enquanto atual diretor, escrever o último editorial da revista FAMÍLIA CRISTÃ. Como é, nestas circunstâncias, doloroso escrever a palavra «último»! Significa encerrar 68 anos de uma história que em tudo me transcende; e da qual fui tomando consciência, ainda que limitada, nos últimos meses, ao receber vários comentários ao encerramento desta revista dos verdadeiros protagonistas desta história, os seus leitores.

Como qualquer história que chega ao fim reclama o seu princípio – também, na sequência da preparação desta edição –, deparei-me com a edição ANO I – N.º 1, de janeiro de 1955. De um nostálgico tempo, paradoxalmente para mim, em que a vida se contava em escudos e a nossa revista simplesmente se apelidava A Família, definindo-se, desde logo, como sendo uma revista mensal de formação católica.

De um outro tempo em que o diretor da revista era o Pe. Benedito Boano Xavier, fundador da Pia Sociedade São Paulo em Portugal. Padre de quem muito ouvi falar, sobretudo pela capacidade – ou, talvez, fosse simplesmente o dom da fé – de enfrentar as maiores dificuldades, também económicas, com tanto de implementar o carisma do Pe. Alberione em terras lusas. Em A Família de janeiro de 1955, num artigo intitulado: «Foi há quarenta anos», mencionava-se que este carisma encerrava «o soberbo programa de competir com as grandes indústrias do livro, do cinema, da rádio e da televisão, usando os mesmos meios, a mesma técnica, a mesma organização, com o único intento de espalhar a palavra de Deus no mundo.»

Nessa edição, daquele primeiro ano da nossa revista, sem título nem autor, um outro texto que refletia sobre outro fim: «Também o ano 1954 fechou as portas sobre um período da nossa vida com o seu belo e o menos belo, o seu bem e o seu mal…» Aquela redação continuava com a pergunta: «Como fechamos nós o ano?» De regresso ao presente, com a tristeza como companheira, interrogo-me como fecharemos nós esta revista? Como encerraremos esta história?

O anónimo, de então, discorria, afirmando que «muitas são as atitudes que os homens tomam para com o ano que morre. Há a atitude de quem, batendo furiosamente as portas, se afasta depressa amaldiçoando o ano que foi demasiado cruel para ele: vai, e seja-me concedido ver apagada para sempre uma qualquer lembrança de ti. Esqueceram ou não sabem, estes, que um dia foi revelado ao mundo atónito e incrédulo uma estranha Bem-aventurança que hoje tem a seu favor a experiência de vinte séculos: Bem-aventurados os que choram porque serão consolados». Aquele anónimo começava a responder-me…

A amarga tarefa de subscrever o fim desvanecia-se perante a forte consolação que me chegava por aqueles que fizeram grande parte desta história. Eu, que nada havia semeado, colhia os testemunhos e as memórias que outros arduamente tinham possibilitado. Alguns dos testemunhos que recolhemos, para memória futura, nesta edição, que queremos seja especial. Testemunhos que, sem esconder o desgosto pelo fim, demonstram a importância desta revista desde o princípio.

Consolação enorme saber que esta revista foi tão importante para alguns assinantes em momentos de particular delicadeza das suas vidas: perdas, doenças ou separações! Privilégio, também, saber que ao longo destas décadas houve professores que usaram o conteúdo dos nossos artigos no seu magistério, assim como catequistas os usaram para transmitir a fé da Igreja. Houve escolhas profissionais influenciadas pela FAMÍLIA CRISTÃ e artigos que auxiliaram na realização de teses. Houve celebrações de matrimónios cujos vestidos de noiva foram inspirados nas tendências da revista. Consolação enorme em saber que a FAMÍLIA CRISTÃ tocou, quase ao jeito de Jesus nos Evangelhos, a vida concreta das pessoas e, de modo particular, as famílias.

Para honrar esta história, quisemos tornar esta última FAMÍLIA CRISTÃ uma edição especial. Convidámos antigos colaboradores, como o senhor arcebispo de Évora, D. Francisco José Senra Coelho, o Pe. José Luís Borga e a Dra. Isabel Jonet. Acrescentámos ensaios, de autores conceituados, que nos ajudam a pensar a problemática da família, como o da professora Helena Rebelo Pinto e o do teólogo Juan Ambrósio. Quisemos contar a história da revista, sem esquecer a História que a revista foi acompanhando ao longo destas seis décadas.

Consolação, por uma história que não é apenas minha, que me inspira a dizer MUITO OBRIGADO, a todos. Obrigado aos assinantes de uma vida inteira e aos leitores atentos. Obrigado aos colaboradores de ontem e aos de hoje, bem como às instituições que nos ajudaram com os melhores conteúdos. Obrigado aos vários jornalistas, que colaboraram connosco ao longo destes anos, e também aos vários revisores, paginadores e designers, responsáveis pela produção, e pelo serviço de assinaturas, aos vários livreiros e promotores da FAMÍLIA CRISTÃ. Obrigado aos diretores e a todos os sacerdotes paulistas que colaboraram na redação, impressão e difusão da revista, ao longo da sua existência.

Existência que me honra muitíssimo, porque, tal como afirma Helena Rebelo Pinto, foi sempre uma «publicação que ao longo de décadas nos proporcionou ampla, aprofundada e aberta reflexão sobre temas e problemas da Família». Não obstante, no seu comentário habitual, o economista João César das Neves recorda-nos que «embora a FAMÍLIA CRISTÃ pareça ter chegado ao fim, tem ainda um grande futuro. Não podemos esquecer que as famílias cristãs não acabaram, nem a sua necessidade de evangelização. O propósito prossegue, a urgência é a mesma...»

Certo de que a última palavra a respeito das famílias cristãs não será a nossa, é tempo de confiança no Espírito Santo, para que suscite na Igreja novos métodos e meios que continuem o propósito que a nossa revista cumpriu até aqui: formar e informar as famílias cristãs.