«Há imensa coisa a fazer quando já não se consegue curar»
10.03.2020
Maria João Lage é médica pediatra e faz parte da comissão organizadora das Jornadas sobre Cuidados paliativos que decorrem em Portugal em 16 e 17 de março. A sua experiência em cuidados paliativos diz-lhe que cada vez mais as pessoas terão mais doenças e uma vida mais longa. Precisarão mais de cuidados paliativos. «Cada vez somos portadores de doenças que não nos matam logo, mas que nos vão matando aos poucos. Temos de saber viver com elas e precisamos de acompanhamento que muitas vezes deixa de ser curativo. Há muitas doenças que não têm cura logo desde o diagnóstico», afirma. Daí a pertinência destas jornadas em Portugal. Nas jornadas será lançada a versão portuguesa do Livro Branco do PAL-LIFE. Quais são os obstáculos à aposta nos cuidados paliativos? Um está relacionado com os próprios médicos. «Os cuidados paliativos ainda são considerados secundários à prática clínica, como um extra, algo que algumas pessoas acrescentam à atividade clínica.» Mas porque acontece isso? «Porque a formação médica está ainda muito centrada na cura e os cuidados paliativos são dirigidos à pessoa. O ensino da Medicina esqueceu-se deste segundo pilar da relação com o doente e está muito fixado na atividade clínica de cura, de salvar a vida. Está muito esquecida a relação e a importância da pessoa como um todo», lamenta a pediatra. «Contacto muito com colegas e com os pais das crianças. É pior nos médicos do que nas enfermeiras. O curso de Enfermagem está muito mais virado para o cuidar da pessoa no seu global e introduz muito mais os conceitos de cuidados globais. Falta muito interessar os estudantes e os médicos pela medicina incremental e na relação, neste segundo pilar obrigatório da atividade médica. Há imensa coisa a fazer quando já não se consegue curar. E é uma irrealidade pensar que as coisas são todas curáveis. Não são», defende a médica Maria João Lage.
Entrevista conduzida e editada por Cláudia Sebastião
Foto: Cláudia Sebastião