Luigi Maria Epicoco é um padre italiano da arquidiocese de Áquila. Tem 38 anos e já escreveu 21 livros. A maioria de Filosofia em que é doutorado pela Pontifícia Universidade Lateranense. É presença habitual na televisão no seu país e tem experiência com jovens, tendo trabalhado na paróquia universitária em Áquila e fundou uma república universitária. Esteve em Portugal para falar do seu livro Somente os doentes se curam, recentemente publicado. O livro nasceu do seu sofrimento com o terramoto de Áquila, no qual morreram muitos jovens que acompanhava.
Porque decidiu escrever este livro?
Este livro nasce como o desejo de fazer a síntese de uma crise pessoal de encontro com o sofrimento, sobretudo na experiência que vivi do terramoto [de Áquila], e do encontro com o Ressuscitado. Quando pensamos no Ressuscitado, pensamos sempre como uma experiência positiva e luminosa. Mas, na verdade, todos os que se encontram com o Ressuscitado não sabem que ressuscitou. Só percebem depois. Não é uma experiência imediata mas uma experiência mediata. Interessava-me aproximar-me de perceber como é o tempo em que se está com o Ressuscitado, mas não se percebe que é Ele. E aí surge esta imagem belíssima dos discípulos de Emaús, que regressam a casa, desiludidos, tristes e cabisbaixos. Com uma crise às costas. Regressam a casa convencidos de que a sua história acabou. Mas, na sua desilusão de aproximação a casa, Jesus aproxima-Se deles e fala às suas desilusões, a falar a sua língua, a falar à sua tristeza e começa a reconstruir um significado, a juntar as peças da crise.
Porque escrevo este livro? Porque nós quando vivemos uma crise vivemo-la como se fosse uma patologia, qualquer coisa que fosse curada com a medicina. É como eu sentir uma dor e em vez de ouvir essa dor só procuro não a sentir. A dor é escutada. Jesus escuta o sofrimento que vivem estes rapazes, escuta a sua tristeza, a sua inquietude, ele guia-os, educa-os. É possível uma educação na crise? Este livro nasce por este motivo a partir da minha crise, do meu sofrimento.
Esteve no terramoto em Áquila?
Sim. Sou pároco da paróquia universitária. O tempo do terramoto, vivo-o ali. Morreram 54 dos meus jovens da minha comunidade. Para mim, foi muito duro enfrentar isto. Porque é que eu estou vivo quando eles estão mortos? Um sentimento de culpa muito profundo. Porquê? Porque quando tens uma responsabilidade educativa tens de proteger as pessoas que te são confiadas. E quando percebes que não as consegues proteger, sentes-te profundamente impotente. Não te salva a teologia e as ideias, etc. é preciso repensar tudo, a tua vida a partir de um sentimento profundo de fragilidade.
Como trabalhou este sofrimento com os outros jovens?
Quando vivemos isto, damo-nos conta de que na realidade há uma coisa pior do que o sofrimento. É viver o sofrimento sozinho, na solidão. É muito importante que as coisas sejam vividas em conjunto, juntos. Passa-se o mesmo com os discípulos de Emaús: eles vivem juntos aquela crise. Isso define a necessidade da Igreja. O que é a Igreja? A necessidade de não viver sozinho. Mesmo uma coisa bela como o Evangelho não pode ser vivida só, tem de ser relacional. Só percebemos as coisas na relação. Assim, se a dor tende a isolar-te, a estares só, o esforço não deve ser encontrar á força uma solução para o sofrimento, mas vivê-lo juntos. Então: se tu te dispões a partilhar o teu sofrimento e a vivê-lo com outros, muda alguma coisa, começa a haver horizonte.
Diz que só os doentes se curam. Somos todos doentes, no sentido não físico?
Esta é uma expressão roubada ao Evangelho. O que quer dizer? Jesus é duríssimo contra uma mentalidade de não ter necessidade de nada. O que Jesus nos traz que é a Salvação só pode ser acolhido por quem sinta necessidade de ser salvo. Se tu pensas ser justo, se pensas ser são, se tu pensas não precisar, então não podes compreender o Evangelho. Ainda não chegou o dia para ti. A tua jornada começa no dia em que tu aceitas estar doente.
Dou sempre um exemplo muito simples: Uma pessoa que esteja doente com cancro, que é uma doença muito grave, pensa que o tratamento começa no dia em que inicia os medicamentos. Mas não é assim. Quem trabalha com doentes nos hospitais dá-se conta de que a primeira fase da doença é a não-aceitação da doença. Isto é, as pessoas não aceitam estar doentes: fazem de conta que não existe, não querem ver as análises, não querem ir ao médico, vivem a vida como se não tivesse acontecido nada. O primeiro trabalho a fazer com elas é ajudá-las a aceitar estar doentes. É quando começa a sua recuperação, mesmo ainda sem tomar os medicamentos. Este livro diz exatamente isto: que só os que reconhecem estar doentes podem curar-se, porque só quem tem esta consciência de fragilidade, só quem tem consciência da sua doença pode curar-se.
É este um livro para crentes ou também para não-crentes?
Para todos. Para ambos. Este livro divide-se fundamentalmente em duas partes. A primeira, digamos assim, é para todos, também para os não-crentes, porque fala de coisas que todos temos: a inquietude, a nostalgia, a tristeza, a necessidade de amizade. Fala da parte humana que é um pouco como querer encontrar a pergunta que todos trazemos no coração. Todos. Na segunda parte a necessidade da fé, que surge como uma resposta a esta grande pergunta. Mas gosto deste excerto do Evangelho porquê? Porque Jesus ressuscitou. E Jesus ressuscitou já mesmo quando eles ainda não sabem que é Ele. Isto é, Jesus ressuscitou quando eles ainda O procuravam sem fé, com inquietude, quando ainda não o reconheciam. É bonito ver que Jesus não se aproxima somente daqueles que têm fé. Jesus enche a vida também daqueles que não O reconhecem e que por toda a vida nunca chegam a dizer «Jesus é o Senhor». E todavia, como um estrangeiro, como um forasteiro, como um qualquer, dizia um grande teólogo «travestido de acaso», Jesus faz-Se próximo das pessoas e começa a falar às suas inquietudes, começa a falar às suas perguntas, começa a falar ao seu humano. Nós cristãos não devemos mendigar. Isto é, para ser cristão é preciso ser profundamente humano. Se mendigamos a nossa humanidade o que resta do cristianismo é só uma informação, é só teologia e só moral. Mas não te salva. E o cristianismo em que acreditamos é encarnação. Logo, significa que a primeira grande linguagem que Jesus fala é a linguagem do humano. Então não devemos ter medo de entrar em diálogo com todos, mesmo com quem não tem fé, porque todos temos esta procura. O senhor fala ao humano que há dentro de nós.
Trabalha muito com jovens. Eles também são buscadores neste sentido?
Os jovens, sobretudo, jovens universitários, neste momento histórico não amam histórias. Querem viver por coisas muito concretas, muito verdadeiras. A experiência do pecado, a experiência da fragilidade é vista muitas vezes apenas do ponto de vista moralista. O que quero dizer? Que falar do pecado faz nascer logo dentro de nós o que chamamos sentimento de culpa. Sentimento de culpa não é o argumento mais importante da nossa vivência porque o pecado na realidade não é mais do que uma tentativa falhada de ser feliz. Alguém tenta ser feliz e erra o modo de lá chegar. De fundo é uma coisa boa: estamos à procura da felicidade. Só que falhamos. Quando quero propor um cristianismo de reconciliação com sermos pecadores, agrada-me salientar não um sentimento de culpa mas uma vontade justa de ser feliz e uma outra vontade justa de encontrar um caminho para ser feliz. Nem todos os caminhos nos fazem felizes. Cristo diz-nos que a porta que conduz ao reino é estreita. Como vivemos numa época hedonista em que temos medo da dor e do trabalho, quando uma coisa implica dor e trabalho fugimos. Então, é preciso educar para que a dor nem sempre é bruta e a fadiga nem sempre é bruta. E que há coisas que valem a pena serem procuradas, mesmo que seja preciso sofrer e trabalhar.
E como se faz isso com os jovens? Como fazê-los sentir que este é o caminho?
Nos meus anos de sacerdócio percebi que, na realidade, nós padres, nós educadores, nós Igreja, não devemos procurar nada de novo. Há grandes vias que nos ajudam neste encontro com Cristo. A primeira é a Palavra, porque o encontro com o Evangelho, mas não com os sermões sobre o Evangelho mas com o encontro com a Palavra, com o próprio Evangelho muda completamente a mentalidade dos jovens. Conto sempre uma história: quando eu era pequeno, o meu pai levava-me à festa do país. Eu era muito pequenino e baixo e ele dava-me a mão. Era uma festa, era uma coisa muito bela. Mas eu sentia-me esmagado por todos. Era uma festa mas eu não conseguia ser feliz porque era muito pequenino. Então o meu pai pegou-me nos braços e pôs-me às cavalitas. Naquele momento, era também uma festa para mim. Mas a festa era igual. Eu é que tinha mudado o ponto de vista. Então: a palavra de Deus não muda a realidade, se tu tens um problema, o problema continua. Mas muda o ponto de vista sobre o problema. Isto muda tudo. O primeiro encontro com Cristo é o encontro com o Evangelho, porque é o encontro com algo que te muda o ponto de vista.
O segundo encontro com Cristo é o encontro com a experiência da misericórdia. O que propomos fundamentalmente? Responder a esta pergunta: que tem Cristo que ver comigo? Ele que tem que ver realmente com a minha vida. É preciso fazer compreender que não são duas retas paralelas que nunca se encontram: aqui eu e ali o Evangelho e nunca nos encontramos. Mas constantemente a nossa vida está ligada com o Evangelho. E assim o único modo de poder compreender tudo isto é recuperar a nossa capacidade de amar. E o que te ajuda a recuperá-la? Os pobres. Recordo que na minha experiência na paróquia universitária, começámos a propor formas de voluntariado com doentes terminais no hospital, com os velhinhos, com as crianças depois da escola, etc. porque é que isto era importante? Não era para que o jovem se sentisse bom, mas porque o encontro com a fragilidade do outro ajuda a dares-te conta da tua própria fragilidade. E se tu aprendes a amar uma pessoa quando não é “amável”…. Temos uma visão muito poética dos pobres. Pensamos que eles estão assim, de mãos juntas à nossa espera. Muitas vezes, os pobres são antipáticos, não querem falar-te, muitas vezes são egoístas. E tu seres capaz de amar assim gratuitamente, sem esperar nada em troca, este exercício cura-te interiormente. Dizemos que esta é uma proposta que fizemos para promover este encontro.
O que aprendeu ao trabalhar com os jovens e estando ao lado deles?
Que não precisamos de curar a juventude, porque um jovem é sempre estimulante. Um jovem vive a vida esperando sempre algo da vida. Quando nós já não esperamos nada da vida, a vida está mal. Então estar com um jovem significa estar constantemente em crise. Mas isso não quer dizer que a crise é uma coisa má porque é uma crise de esperar algo da vida. Às vezes, pensamos resolver a crise destes jovens dizendo como irá acabar a sua história. Mas nenhum de nós sabe como irá terminar. Por exemplo, o que me fez sofrer muito no terramoto foi que estes jovens morreram quando esperavam tudo da vida: casar-se, serem médicos, engenheiros. E encontraram a morte assim, em 30 segundos… Que significa? Que a sua vida foi inútil por isso? Que ainda vale a pena sonhar, esperar algo da vida? Se alguém, por medo de sofrer, já não espera nada, então já morreu. Então: eu aprendi isto com os jovens: é-se jovem não pelos anos que se tem, mas pela capacidade que se tem de esperar algo.
Entrevista conduzida por Cláudia Sebastião
Fotos: Cláudia Sebastião
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