
Seguimos o senhor António até casa. Move-se com facilidade numa cadeira de rodas pela instituição de solidariedade social Os Pioneiros, em Mourisca do Vouga, Águeda. Fora do edifício abre-se um espaço amplo, relvado, com casinhas de madeira. António Alves de Jesus tem 80 anos e é ativo, apesar de agora estar «dependente», de forma passageira, enquanto espera por uma prótese.
Chegou às Casinhas do Pinhal «vai fazer seis anos no dia 1 de julho», depois do AVC da esposa. «Eu estive dois anos com ela em casa e estava a ficar pior do que ela», conta. «A casa foi construída nessa altura. Fiquei a viver com a minha mulher aqui», explica. A moradia é independente, tendo o casal apoios do centro de dia e do lar da instituição. «De manhã, tomo o meu café aqui e vou lá para cima. Eles vêm aqui a casa, tratam dela, agarram nela e levam-na para o centro de dia.» Ir viver para um lar de idosos nem pensar. «Ai, num lar não. Não sabe o que é um lar! Eu vou lá acima três vezes por semana à fisioterapia. Não dá para mim! Aqui, agora sou dependente. Mas era independente, entrava à hora que me apetecia, saía à hora que me apetecia. Nunca houve problemas. Num lar já não é assim.» Conversamos na varanda da casa de António e Rosa Maria, o único casal da “aldeia”, casados há 61 anos.

Deixamos o senhor António voltar aos seus trabalhos no centro de dia e seguimos ao encontro de "Pauleta", que afinal também se chama António: António Oliveira Pinto. Todos lhe chamam "Pauleta". A conversa começa no jardim e é aí que nos conta as suas aventuras no futebol profissional nos anos 60. Esteve emigrado mais de 40 anos na África do Sul. Divorciou-se aos 73 anos, quase a completar 50 anos de casamento. Já era voluntário n’Os Pioneiros desde 2001. A filha que vive em Portugal aconselhou-o a ir viver para lá. Não se arrepende. «Ótimo! A minha vida é uma vida de burguês. Vou à pastelaria a Águeda tomar o café. Ainda hoje de lá vim.» Demora a responder como é a sua vida comparativamente com a de outros idosos. Mas quando o faz é sem papas na língua. «Eu não vou para o lar! Vou fazer um testamento para não ir para o lar e têm de o cumprir. Eu quero morrer nesta casa! Se eu vim para aqui, é a minha casa. Não quero ir lá para cima. Porque não quero!», dispara. O tom brincalhão usado em toda a conversa só desaparece nesta altura. «Aqui faço tudo e lá não faço nada. Tenho uma liberdade enorme que não tenho lá. Enquanto eu tiver consciência, ninguém me leva para lá nem me tira de cá», argumenta.

Neste projeto, 17 pessoas vivem em 10 casas. «Têm de ter autonomia física e mental. As casinhas começaram em 2011. Neste momento, as casas estão todas ocupadas», explica Susana. O valor pago depende dos valores das reformas, mas varia entre os 120 e os 800 euros. A média, dirá mais tarde o presidente de Os Pioneiros, serão os 500 euros. A lista de espera é grande. Os idosos podem habitar as casas sem ter nenhum apoio da instituição. Com a casa têm tratamento de roupa e limpeza da casa.
José Carlos Arede, presidente de Os Pioneiros, salienta que a realidade dos idosos mudou muito nas últimas décadas. «Os nossos lares são quase unidades de cuidados continuados», constata. Por isso, defende a existência de uma «alternativa anterior ao lar». O presidente da instituição revolta-se ao contar que tem andado em luta com a Segurança Social, porque não está prevista esta solução. «Tivemos de andar a contornar a lei. Fizemos um arrendamento e depois colocamos os que precisam numa resposta social. Só que a Segurança Social diz que é ilegal e que é um lar encapotado. Não é! É preciso que o legislador encontre uma solução», conta.

É também esta a convicção dos fundadores da Hac.Ora Portugal Senior Cohousing Association. Nuno Cardoso, presidente da Hac.Ora, explica que habitação colaborativa é «uma comunidade autopromovida e autogerida» com espaços privados e comuns como lavandaria, cozinha, espaço para refeições, por exemplo. As tarefas são partilhadas ou divididas. Em maio do ano passado, começaram a angariar associados e rapidamente perceberam que não estavam sós. «Chegámos logo aos 140. Foram ouvidos também na Assembleia da República no âmbito da discussão sobre a Lei de Bases da Habitação, precisamente para que consagre a habitação colaborativa. «Temos esperança que isso vá ser consagrado. Esse é o primeiro passo para a legislação se adaptar às especificidades próprias de um equipamento de habitação colaborativa», conta.
A Hac.Ora está a criar uma plataforma colaborativa de técnicos que possa apoiar os grupos que queiram viver assim. É o ponto de partida. Para já, os projetos mais avançados são de «cohousing institucional». A Misericórdia do Porto vai construir 40 T1 para arrendar a idosos ativos de «camadas mais desfavorecidas». Deverão estar prontos em 2021. A Hac.Ora é parceira e «gostaria de apoiar do ponto de vista técnico para ter características do cohousing». A ideia é que haja autogestão. «Queremos que a filosofia colaborativa se instale e não seja apenas um bloco de T1. Queremos dar o passo à frente que é de facto dar a ambiência de comunidade. Aqui a pedra de toque é vencer o isolamento das pessoas. Queremos que as pessoas convivam, partilhem espaços comuns, que cozinhem juntas, que façam festas, passeiem. É preciso criar comunidades, criar esta família alargada», explica.
Reportagem: Cláudia Sebastião
Fotos: Ricardo Perna
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