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Holocausto: 4 portugueses são Justos entre as Nações
27.01.2017

«Justos entre as Nações» é o título oficial dado pelo Yad Vashem, Memorial do Holocausto, em nome do Estado de Israel, a não-judeus que tenham arriscado a vida para salvar judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Na lista, constantemente atualizada,  na página do Yad Vashem, por nacionalidades surgem três portugueses como «Justos entre as Nações»: Aristides de Sousa Mendes, n.º 264, declarado Justo em 1966; Carlos Sampaio Garrido, n.º 11758, Justo em 2010 e Joaquim Carreira, n.º 12893, Justo em 2014. Já Joseph (José) Brito-Mendes aparece fora desta lista por ter sido declarado «Justo entre as Nações», em 2004, em conjunto com a esposa Marie-Louise, de origem francesa.


Mas quem são os Justos portugueses?
Aristides de Sousa Mendes é o mais conhecido dos quatro. Foi cônsul-geral em Bordéus, França e desrespeitou a ordem do Governo português de proibir a emissão de vistos ou documentos que permitissem atravessar território nacional. De acordo com informação do Memorial do Holocausto, cerca de 30 mil refugiados, incluindo 10 mil judeus juntaram-se às portas do consulado de Bordéus. Sousa Mendes, com dois dos seus filhos e a ajuda de alguns judeus, tratou dos documentos. Durante três dias e três noites, trabalhou sem descanso até desmaiar de exaustão ao terminar. O Governo português foi avisado das suas ações e mandou-o regressar de imediato. Escoltado por dois homens do regime, ao passar pelo consulado português em Bayonne encontrou centenas de pessoas retidas. Sousa Mendes mandou o cônsul emitir vistos e ele mesmo colou os selos escrevendo à mão: «O Governo de Portugal pede ao Governo de Espanha encarecidamente que autorize o portador deste documento a autorizar Espanha livremente. O portador deste documento é um refugiado do conflito na Europa e a caminho de Portugal.» Além disso, escoltou pessoalmente os refugiados até à fronteira espanhola. Os seus atos acabaram por ter consequências graves, tendo sido demitido e ficou impossibilitado de sustentar os 14 filhos.
 

Na página dedicada do Yad Vashem, cita-se o cônsul português: «Se centenas de judeus estão a sofrer por causa de um cristão [Hitler], seguramente um cristão pode sofrer por tantos judeus.»


Aristides Sousa Mendes morreu na pobreza em 1954. Foi reconhecido Justo entre as nações em outubro de 1966.
 

Joseph e Marie-Louise Brito-Mendes viviam em Saint-Ouen, França. José era português e tinha chegado a Paris nos anos 1920. Trabalhava na construção civil e era casado com Marie-Louise, francesa. A biografia deles no Yad Vashem diz que eram vizinhos e amigos da família Berkovic, polacos fugidos do antissemitismo. A filha Cécile cresceu com Jacques, o filho do casal luso-francês. O pai da menina foi preso e morto em 1941, e a mãe confiou-a ao casal Brito-Mendes, que a criou como filha. A mãe foi também presa e morta. Em 1943, a casa da família luso-francesa foi revistada pela polícia em busca de judeus escondidos. Cécile não estava em casa, mas o casal acabou por enviar as duas crianças para uma aldeia. Depois da guerra, José e Marie-Claire quiseram adotar a menina, mas um tio, regressado dos campos de concentração, ganhou a luta em tribunal e ficou com ela. Joseph e Marie-Louise Brito-Mendes foram reconhecidos Justos entre as Nações em janeiro de 2004.

 
Carlos Garrido Sampaio foi embaixador de Portugal na Hungria entre 1939 e 1944. De acordo com as informações do Yad Vashem, num telegrama que enviou para o Governo português, descrevia a perseguição de judeus na Hungria e os decretos antissemitas como tendo a intenção de «humilhar, roubar e perseguir». Por causa dos bombardeamentos aliados, o embaixador mudou a residência e a embaixada para Galgagyörk, a 60 km de Budapeste. Hospedou dezenas de cidadãos húngaros, muitos deles judeus, entre os quais a secretária judia Magda Gabor e a família. Em abril de 1944, Salazar mandou regressar o embaixador. Mas apenas cinco dias depois, a polícia húngara invadiu a sua casa. O testemunho de Annette Gabor Lantos pode ser lido na página do Yad Vashem dedicada ao embaixador português: «Quando o embaixador viu que estavam a levar Magda, pôs o pé na porta e não os deixou sair.» Apesar da resistência, foram presos tanto o embaixador como as pessoas que ele protegia. Depois de levados para Budapeste, Garrido Sampaio continuou a defender a libertação dos seus «convidados» até conseguir. Apresentou queixa ao Governo húngaro, exigindo investigações e um pedido de desculpas. Acabou sendo declarado persona non grata. Carlos Garrido Sampaio foi reconhecido Justo entre as Nações em 2 de fevereiro de 2010.

 
Entre os Justos entre as Nações portugueses há também um padre: Joaquim Carreira, que foi vice-reitor e reitor do Colégio Pontifício Português de Roma. António Marujo, jornalista, investigou a sua história e contribuiu para o reconhecimento. A pesquisa começou no jornal Público e prolongou-se para a publicação do livro A lista do padre Carreira. António Marujo explica que o padre da diocese de Leiria foi reitor interino e reitor do Colégio Português durante a Segunda Guerra. «Em setembro de 1943, Roma é ocupada pelas tropas nazis e a perseguição a todos os opositores ao nazismo foi bastante endurecida. É na altura em que várias dezenas de pessoas procuram refúgio no Colégio Português de Roma, cerca de 50 pessoas.» Entre os refugiados estava uma família de judeus: Elio, o seu pai Roberto e o tio Isacco. O jornalista encontrou e falou com o rapaz. «Em 2012, chega finalmente uma resposta de alguém que me dava uma pista de familiares dessas pessoas. Falei com a senhora e ela diz “esse senhor está vivo, é meu tio e o contacto é este”. Imediatamente liguei, falei com o senhor, e ele disse: “Eu fui salvo pelo padre Carreira.”»
O número de pessoas salvas pelo Pe. Carreira é uma incógnita e António Marujo fala em mais de 100. «Ele contou a uma senhora que um dia pegou num grupo de largas dezenas de pessoas, eventualmente mais de 100, mulheres e crianças, e leva-o para a Igreja de Santo António dos Portugueses. Divide o grupo em três e leva-os para três casas religiosas. Somando tudo, poderemos chegar às 100 e tal, duzentas pessoas que ele terá salvado.»
 
O jornalista António Marujo investigou a história do Pe. Joaquim Carreira.

O jornalista conta que o “padre-aviador”, como era conhecido, disse «uma frase que justifica o que fez:
 
“Concedi asilo e hospitalidade no Colégio a pessoas perseguidas com base em leis injustas e desumanas.” O Pe. Carreira teve a convicção profunda que tinha de desobedecer a esse tipo de leis.»
 
O Pe. Joaquim Carreira foi reconhecido como Justo entre as Nações em setembro de 2014.

O que é preciso para ser considerado Justo entre as Nações?
De acordo com o Yad Vashem, as condições as condições para receber o título de Justo entre as Nações são: «envolvimento ativo no salvamento de um ou mais judeus da ameaça de deportação para campos de concentração ou morte; risco para a vida, liberdade ou posição do salvador; motivação inicial ser ajudar judeus perseguidos, isto é, sem pagamento ou outra recompensa; a existência de testemunho de quem foi ajudado ou documentação inequívoca estabelecendo a natureza do salvamento e as suas circunstâncias.»As pessoas reconhecidas como “Justos entre as Nações” recebem uma medalha e um certificado de honra. Além disso, os seus nomes são inscritos no Muro de Honra no Jardim dos Justos do Yad Vashem em Jerusalém.
 
Texto: Cláudia Sebastião
Fotos: Yad Vashem e António Miguel Fonseca
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