O padre Thabet Habib Mansur é iraquiano. Nasceu em Karamlesh, cidade da planície de Nínive, perto de Mossul, de onde teve de fugir, como cerca de 95 mil cristãos, quando o autoproclamado Estado Islâmico chegou. Agora é o responsável pelo regresso e pela reconstrução.
Depois dos estudos em Roma, agora está no Iraque, na Planície de Nínive?
Sim, quando regressei dos estudos, fui pároco primeiro em Karamlesh durante três anos. Depois disto, em 2014, chegou o Daesh, o Estado Islâmico, e deixámos o nosso país e a nossa terra para nos refugiarmos em Erbil, no Curdistão, com o meu povo, com fiéis da minha diocese aí. Fui o responsável pela ajuda para eles. Até à libertação da planície de Nínive voltamos para reconstruir as cidades. Agora regressámos às nossas cidades. Eu sou o responsável pela reconstrução.
Como foram esses tempos?
Foram tempos difíceis porque perdemos todas as coisas: as nossas casas, as nossas propriedades, a nossa dignidade. Vivíamos em Erbil, trabalhámos duramente com eles e com a ajuda da Igreja de todo o mundo. Encontrámos casas e locais para as pessoas. Mas pode imaginar: tínhamos duas ou três famílias a viver juntas num apartamento. Foi muito pesado para elas. E também, as pessoas tinham muitas necessidades. Foi um mau tempo para nós, mas esperamos que não se repita.
Agora que as famílias estão a voltar, como está a correr? E a reconstrução?
A destruição aconteceu em toda a cidade. A reconstrução é muito complicada e difícil. Até agora fizemos a reconstrução de muitas casas e muitas famílias já voltaram. E temos outras famílias à espera pela reconstrução e para acabarem as coisas em Erbil: as escolas, talvez algum pequeno trabalho que tenham. Mas voltar à Planície de Nínive sem qualquer apoio ou ato do Governo iraquiano… as infraestruturas estão destruídas. Por exemplo, o Daesh pôs petróleo nas condutas de água. Agora abres a torneira e sai petróleo. Não se pode limpar. Tem de se substituir todos os canos… Muitas coisas estão fechadas. É muito difícil viver lá. Mas estamos a trabalhar muito e também dependemos da fé e da vontade destas famílias. Elas querem voltar. Nós encorajamo-las e elas encorajam-nos a construir uma nova sociedade e uma nova cidade.
Quantas famílias voltaram a casa?
Em Karamlesh, 320 famílias voltaram. Isso quer dizer que 40% voltaram até agora. Temos outras famílias no Iraque, famílias deslocadas. Mas temos também outras cerca de 25 ou 30% de famílias que saíram do Iraque para a Europa, Austrália, Jordânia, Líbano, etc.
Como é o espírito das famílias cristãs que estão a regressar e também das que estão à espera? Estão esperançosas? Com medo?
Sim, às vezes têm preocupações acerca do futuro. Mas a partir do momento em que as famílias decidem voltar, isso significa que estão convencidas a voltar, têm esperança, têm amor e contacto pela terra. É um bom espírito e também estamos a trabalhar não só para reconstruir as casas, mas também a criar atividades e festivais e muitas outras coisas para dar a estas famílias o sentimento de estarem seguras, para que possam sentir a vida nas suas casas e nas suas cidades. Porque viver numa cidade grande como pessoas deslocadas criou um sentimento mau nestas famílias. Por isso, com o regresso, recuperamos a nossa identidade. Estas famílias têm coragem, mas precisam de ser encorajadas mais.
Quando voltou a Karamlesh e à região, o que viu? Como era a destruição?
Eu estive lá antes da libertação, perto da cidade, a dois ou três quilómetros. A um quilómetro do Daesh. Cheguei quando a guerra ainda estava a acontecer. Todas as ruas estavam bloqueadas por muros e o Daesh pôr pneus a arder para criar fumo contra a força aérea. E vimos a triste realidade de muitas casas terem sido queimadas. Foi uma coisa má. Em Karamlesh, temos 756 casas. E temos 240 queimadas. E cem foram completamente destruídas. Todas as casas foram saqueadas. Os danos estavam em todo o lado, em Karamlesh, nas ruas, nas igrejas. Eles escavaram os túmulos, destruíram os símbolos cristãos, queimaram as casas, escreveram nas paredes muitas coisas contra os cristãos e contra outras religiões.
E como sentiu isso, pessoalmente?
Eu sou padre e líder. Mas para muitas pessoas não foi uma coisa boa. Talvez tenha criado desespero nas pessoas. Mas, para mim, foi muito importante regressarmos à terra. Por isso, podemos! Podemos reparar as casas, recuperar a nossa identidade. Não é um problema. Casas queimadas ou destruição não pode pôr um fim à cristandade. A Igreja pode continuar ali. Por isso, voltámos com este entusiasmo. Encorajámos o povo desde o primeiro dia. No primeiro dia, quando regressei a Karamlesh, escrevi canções sobre isso e os professores das crianças pequenas cantaram e puseram na internet. Por isso, podemos. Podemos recomeçar. Apesar da destruição e das casas queimadas.
O Papa Francisco diz que quer ir ao Iraque e recentemente o governo iraquiano disse que isso pode acontecer em breve. Acredita que pode ser possível ver o Papa Francisco no Iraque? Como padre, como vê essa vontade do Papa ir lá?
Claro. Estamos à espera dessa visita desde 1999, quando João Paulo II decidiu visitar o Iraque, mas foi impossível nessa altura. O Governo iraquiano criou dificuldades. Mas será um momento espetacular se tivermos o Papa Francisco no Iraque a incentivar os cristãos, a encorajar não apenas os cristãos mas todos os iraquianos a dialogar e a trabalhar juntos para conhecer o respeito pela diferença do outro, para encorajar o governo iraquiano a ser um bom governo e a trabalhar pelo povo. Porque nós perdemos muitas coisas, não temos paz, não temos prosperidade desde 2003 até agora, até à invasão. Temos um novo regime de democracia, mas não estamos contentes com a situação. Por isso, a visita do nosso Papa será um ótimo momento. Pessoalmente, estou a sonhar com isso.
Quer deixar uma mensagem?
Somos um povo na Igreja. Portugueses, espanhóis, gregos, franceses, chineses, iraquianos. Somos um povo porque a Igreja é o Corpo de Cristo e um membro deste Corpo está no Iraque e depende de todos os membros da Igreja, depende da vida de todos os membros da Igreja. Recordem os vossos irmãos em dificuldades… É a ordem de São Paulo e do Evangelho, para rezar pelos irmãos por todo o mundo. Também podemos pedir aos bispos e às conferências episcopais que façam uma visita à nossa região da Planície de Nínive, Mossul e Erbil para ver a situação.