Os jovens reunidos em assembleia com o Papa, em vista à preparação do Sínodo dos bispos sobre os jovens, falaram hoje ao Papa Francisco sobre as preocupações da Igreja universal, assim vista pelos jovens. Um representante de cada continente discursou sobre o estado da Igreja e a sua experiência eclesial, deixando vários recados ao Papa e aos responsáveis da Igreja.
Tendai Karombo, do Zimbabué, representava os jovens africanos, e agradeceu ao Papa esta «plataforma» sinodal, que lhes dá «mais esperança no que podemos esperar da sociedade e da Igreja», referiu.
Esta jovem africana apontou as condições socioeconómicas que muitos jovens e as suas famílias encontram como razão para «migrações, violência política, mortes, materialismo, só para citar algumas» das dificuldades que afetam as famílias. Criticou os pais que usam em demasia as redes sociais e «deixam de lado as crianças», e pediu que a Igreja acompanhasse os jovens que fazem o Crisma e ficam “abandonados”. «Depois do crisma, faltam opções, não há programas de continuação da fé para os jovens, e muitas paróquias não dão apoio aos grupos que vão aparecendo», apontou.
Mais tarde, em conversa com a FAMÍLIA CRISTÃ, Kendai explicou que o problema da poligamia no seu país está a desaparecer nos jovens, em virtude de muitos maus exemplos que vêm dos seus pais. «Alguns não têm escolha, são confrontados com essa realidade nas suas famílias, do seu pai ter quatro ou cinco mulheres, e vêm o sofrimento que isso lhes causa, e por isso estão a abandonar essa prática», garante.
Frente ao Papa, pediu também que o acompanhamento da Igreja no discernimento dos jovens fosse um «processo», não um «evento isolado». «Os membros da Igreja precisam de intervir na vida dos jovens, que vivem com esperança de um futuro melhor, por muito que os desafios sejam grandes», exortou.
«Há um provérbio africano que diz que é preciso toda uma aldeia para educar uma criança, e é isso que esperamos da sociedade e da Igreja, uma sociedade inclusiva, e uma Igreja que esteja pronta para se transformar. Esperamos que a Igreja esteja pronta para trabalhar nestes assuntos e aconselhar a sociedade em melhores alternativas», concluiu.
Preocupações de todo o mundo
Nicholas Lopez veio do Texas para representar toda a América. Por isso, e em honra da sua herança, iniciou o seu discurso em espanhol, o que originou um sorriso da parte do Papa, também ele sul-americano. Depois, já em inglês, explicou ao Papa que, na América, «muitos jovens são céticos em relação à religião e desconfiam dos nossos líderes religiosos», e que isso os impede de aprofundarem a sua fé. A «procura do seu lugar no mundo» faz.se lidando com as frustrações do dia a dia, atarefa que, dizia este jovem, será mais fácil de fazer se a Igreja ajudar e estiver presente.
Da Ásia veio Cao Huu Minh Tri, do Vietname, que falou ao Papa do problema da violência entre os jovens, responsável por milhares de mortes naquele continente. «Por causa dos jogos e redes sociais, passam muito tempo no computador e não se relacionam, e depois a violência é muito fácil de se espalhar», explicou à FAMÍLIA CRISTÃ no intervalo dos trabalhos, afirmando que pediu ao Papa uma nova forma de comunicar a linguagem do Evangelho pois, «se os jovens compreenderem a mensagem que a Igreja está a passar, eles aderem a ela. O problema é que muitos não compreendem o que se diz», lamentou.
A jovem da Oceânia trazia a história mais complexa. Angela Markas é filha de imigrantes iraquianos, começou logo por dizer que só a realização desta assembleia já manda «uma mensagem importante para o mundo». Angela refere que «os jovens sentem-se desligados da Igreja, seja por se sentirem afastados dos clérigos mais velhos, ou por não se sentirem ouvidos, ou acolhidos com amor. Precisam de um local onde se sintam seguros, bem-vindos e amados. Só depois podem olhar para si com paz no meio de um mundo com tanto ruído», disse ao Papa.
Mais tarde, em declarações aos jornalistas, considerou também que o problema da mensagem da Igreja não está no seu conteúdo. «A Igreja existe há dois mil anos e sempre passou a sua mensagem. Não é um problema de conteúdo, mas sim o de encontrar novas formas de falar aos jovens, esta é uma cultura que precisa de estar ligada, e temos de abordar isto. Esta assembleia é uma ótima oportunidade para isso, porque a Igreja está a ouvir», afirmou à FAMÍLIA CRISTÃ, ainda em êxtase pelo contacto direto com o Papa. «Eu nem acredito que beijei o Papa, e que lhe dei a mão. Nem a vou lavar até chegar a casa (risos)», referiu, visivelmente emocionada e sensibilizada.
Angela afirmou ainda que temos de abraçar os desafios que os jovens colocam «sem medo», e espera que no documento final também se fale do papel das mulheres. «Precisamos de nos sentir importantes, e quero que todos os jovens se sintam importantes, principalmente as mulheres», pediu.
Texto e Fotos: Ricardo Perna
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