Famílias que apoiam famílias, lojas sociais, aproveitamento de águas da chuva para rega ou ainda Bancos de Fardas nos escuteiros para reutilização de roupa são algumas das muitas ideias que as dioceses e as organizações que responderam ao nosso inquérito colocam em prática no seu dia a dia. Ideias que podem servir de inspiração.
Depois do inquérito descrito pelo próprio Vaticano como «pioneiro» em Portugal e no mundo, levado a cabo pela
Família Cristã e pelo
7Margens, no qual se percebeu a realidade da aplicação da encíclica do Papa Francisco sobre ecologia integral no nosso país, damos conta dos bons exemplos e práticas que existem em Portugal no âmbito desta conversão ecológica pedida pelo Papa Francisco.
Estas são algumas das ideias partilhadas nas 55 respostas das 21 dioceses e 46 instituições (20 das quais são comunidades e obras da Companhia de Jesus) ao inquérito promovido pela Família Cristã e 7Margens sobre a aplicação da encíclica
Laudato si’ na Igreja Católica em Portugal.
Famílias que apoiam famílias e lojas sociais
«O crescimento nos últimos dois séculos não significou, em todos os seus aspetos, um verdadeiro progresso integral e uma melhoria da qualidade de vida. Alguns destes sinais são ao mesmo tempo sintomas duma verdadeira degradação social, duma silenciosa rutura dos vínculos de integração e comunhão social.» (LS, 46)
Em termos de apoio social, Portugal tem trabalho de décadas desenvolvido, através das estruturas de apoio socio-caritativo que as paróquias, dioceses, congregações e movimentos dinamizam há muito tempo. Mas isso não significa que não haja espaço para inovação. Observe-se por exemplo o projeto “75 anos, 75 famílias”, promovido pela Opus Dei no âmbito das comemorações dos 75 anos da Obra em Portugal. «Cada paróquia seleciona 25 famílias carenciadas, a quem lhes será destinado mensalmente, ao longo de 12 meses, um cabaz com bens essenciais, explica Benedita Santiago Neves, responsável pela iniciativa.
O projeto começou no núcleo de Lisboa, com 75 famílias em três paróquias, mas já se estendeu a Porto e Braga, pelo que serão 225 famílias a apoiar 225 famílias carenciadas. «Nos casos em que a paróquia considerar oportuno será também proposto um desafio familiar com vista a melhorar o convívio familiar em tempo de pandemia e de confinamento», acrescentam.
Muitas são as instituições que responderam que fazem recolha de roupa, mobiliário, brinquedos e outros bens para doar a famílias carenciadas, desde logo as Cáritas diocesanas, mas também os Focolares, várias instituições dos Jesuítas, a Universidade Católica Portuguesa (UCP) e as capelanias militares.
Mas, na Ericeira, as Servas de Nossa Senhora de Fátima quiseram ir mais longe e abriram uma loja social, que não doa roupa, mas vende-a a preços muitos simbólicos (1€), permitindo que as pessoas possam escolher o que desejam, e ao mesmo tempo mantenham a dignidade na capacidade de continuarem a comprar a sua roupa. Além disso, têm outra loja com «quadros, potes, livros, coisas com algum valor; coisas antigas, de que as pessoas já não gostam; vendemos as coisas mais incríveis», garantem.
Com os fundos recolhidos nestas lojas, continuam a ajudar, neste caso estudantes da zona da Ericeira, a quem atribuem bolsas para ajudar a pagar os seus estudos. Ajudam em média sete estudantes por ano com bolsas, sem distinção de raça ou etnia, tendo até, referem, «ajudado já alguns de etnia cigana a frequentar o curso de Direito».
No Porto, o Centro São Cirilo, dos Jesuítas, tem um banco de roupa doada que «pretende apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade social, muitas delas em situação de sem-abrigo, que precisem de roupa», assim como apoiam «os nossos utentes do alojamento e de cabaz de alimento que, muitas vezes, iniciam o apoio em situação de grande fragilidade e necessitam de roupa para si, para os filhos ou até roupa de casa (lençóis, toalhas, mantas)».
Mas não é apenas a doação de roupa. «O Banco de Roupa responde a vários objetivos ecológicos, pois permite à população geral reciclar a sua roupa, doando-a nós; permite apoiar aqueles que mais precisam; e permite reciclar o que já não pode ser reutilizado, já que a roupa que não está em condições para ser doada é entregue à Sarah Trading, uma empresa que recicla a roupa e nos dá um benefício económico por kg de roupa cedida», refere o Centro, quando questionado sobre o funcionamento deste Banco.
Ainda na fase da partilha de bens, o Corpo Nacional de Escutas (CNE) promove, em muitos dos seus agrupamentos, Bancos de Fardas, onde as famílias podem depositar as peças do uniforme escutista que já não servem aos seus filhos, que depois são vendidas a preços mais acessíveis, ou entregues gratuitamente a escuteiros provenientes de famílias carenciadas, promovendo a reutilização dos bens, neste caso da roupa e calçado.
Apoio alimentar e de trabalho à Refood
Duas das instituições que responderam ao nosso inquérito indicaram uma parceria com a Refood, procedendo desta forma à entrega dos alimentos que não foram confecionados nesse dia. No caso dos Maristas, Marisa Temporão, coordenadora da pastoral, afirma que entregam, «em média, 50 refeições por dia à Refood da Estrela [em Lisboa]».
Quanto ao Colégio Santa Doroteia, trabalham com a Refood do Lumiar, também em Lisboa, não apenas na entrega de alimentos, mas colocando os estudantes a fazer voluntariado 2/3 dias por semana na instituição. Com a pandemia e o encerramento dos restaurantes, passaram a fazer recolha nas famílias dos alunos, e envolvem «mais de 200 alunos», segundo informaram, quando questionadas sobre o tipo de ajuda prestada, referindo que o facto de fazerem as compras online permite também o aparecimento de reflexões sobre o tipo de alimentos a adquirir. «Às vezes alguém sugere mais um euro cada um, e algum que não concorda respondem-lhe “Então já viste o que compramos com mais 27/30 euros?”», dizem.
Apoio aos refugiados é também ecologia integral
«As mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se; e isto, por sua vez, afeta os recursos produtivos dos mais pobres, que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos. É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil.» (LS, 25)
No nosso inquérito, 43% dos inquiridos respondeu que tinha estruturas habitacionais a acolher refugiados. É o caso dos missionários da Consolata, que indicaram que acolhiam mais de 20 refugiados. «Três estão no Cacém, vivem, trabalham com a comunidade. Dois acabam de encontrar casa, vão mudar-se, o terceiro em Julho», refere o Pe. Ermanno Savarino, que adianta que tem mais 22 na Maia, em Águas Santas, e talvez «mais três para chegar nas próximas semanas e outros três que talvez saiam para casa própria». Entre os 20 e os 40 anos de idade, embora a maior parte sejam na casa dos 20, são provenientes de vários países: Afeganistão, Guiné-Bissau, Sudão, Nigéria, Gana, Senegal, Paquistão, Togo, Gâmbia e Camarões.
No caso dos refugiados, a integração dos mesmos tem sido um sucesso aqui na Consolata. Através de parcerias com empresas, como é o caso do IKEA, que ofereceu vagas para cursos de formação, procuram, no processo de acolhimento, ir «ao encontro da pessoa». «Quando foi a o final do Ramadão – festa de Eid al’Fitr – trouxemos coisas para partilhar com eles, e um deles deu 10 euros para dar a quem precisar. “Mas tu é que precisas de ajuda”; “a minha mãe, no fim do Ramadão, dava sempre dinheiro a quem precisava; eu já sou adulto, vou ter trabalho, também posso ajudar”», conta o religioso.
Apesar de não ter estruturas habitacionais para acolher refugiados, a UCP indicou que «acolhemos alunos refugiados e temos bolsas sociais». «A UCP criou um fundo para apoiar estudantes refugiados - Fundo Papa Francisco, que tem dado apoio a estudantes sírios - e acolhemos estudantes refugiados e migrantes (com total isenção de propinas e com apoio adicional) em Medicina Dentária, Ciência Política e Enfermagem», refere Rita Paiva e Pona, responsável do Gabinete de Responsabilidade Social da universidade.
Combate ao desperdício já acontece com frequência
«O ritmo de consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes, como aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões. A atenuação dos efeitos do desequilíbrio atual depende do que fizermos agora, sobretudo se pensarmos na responsabilidade que nos atribuirão aqueles que deverão suportar as piores consequências.» (LS, 161)
Mudar pequenos comportamentos, especialmente quando falamos de grandes organizações, pode ter um grande impacto na atenuação dos efeitos das mudanças climáticas. Apesar de ainda haver coisas para fazer, mais de 90% dos inquiridos indicou que faz separação do lixo, 69% indicou medidas para evitar consumo de plásticos descartáveis, e 71% já implementou medidas para evitar o desperdício de água potável.
Em termos práticos, por exemplo, Opus Dei, Focolares, Jesuítas e as Servas, que fazem os seus próprios sacos em casa, aproveitando capulanas, tecidos típicos de Moçambique, não usam ou minimizaram a utilização de sacos de plásticos nas compras.
Já no que diz respeito a garrafas de água, Focolares, UCO, Maristas, CNE, Servas e várias instituições dos jesuítas indicaram que as aboliram nas suas instalações, recomendando aos funcionários que optem por ter garrafa própria, reutilizável, ou chávenas, para beberem a sua água. Para além disso, o CNE «deixou de utilizar talheres e pratos descartáveis nos eventos».
Enquanto que 53% dos inquiridos utilizam já papel reciclado nos seus serviços, o colégio As Caldinhas, de Santo Tirso, e a Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais de Braga, ambas dos Jesuítas, indicaram terem abolido de vez o papel e optado por ter comunicações sempre pela via digital para «pouparem papel».
No que diz respeito à água, são várias as boas práticas, desde logo com a introdução de torneiras de redução do caudal, que permitem poupanças de cerca de 50% no consumo de água, um gesto levado a cabo pela maioria dos inquiridos, mas também com o reaproveitamento de água das chuvas, como o que o CNE faz em alguns dos seus agrupamentos, ou as Servas, que guardam «as águas de lavagem em reservatórios no jardim para a rega».
Projetos maiores são os levados a cabo pelo Santuário de Fátima e pela UCP, que estão a elaborar um estudo dos lençóis de água freáticos na zona para aproveitamento dessas águas, ou os Focolares, que fizeram um furo para a rega.
A comunidade Pedro Arrupe, dos Jesuítas, começou a confecionar os seus próprios detergentes caseiros, uma medida sustentável que permite poupanças enormes e muitos benefícios para o meio ambiente.
Para além disto, como já referido no artigo principal, são muitas as instituições inquiridas que indicam já possuir alguma espécie de utilização de energia renovável, com quase 90% dos inquiridos a indicar que possuem algum tipo de painel solar ou mesmo moinho para aproveitamento da energia eólica.

Finalmente, um pequeno espaço para dar conta do projeto da horta Laudato si’ levada a cabo por D. Manuel Quintas, bispo do Algarve, dentro do Paço Episcopal, uma história
aqui contada pela Agência Ecclesia.
Texto: Ricardo Perna e António Marujo (7Margens)
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