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«Levar o coração e os braços do Papa para junto» da minoria católica da Arménia e Geórgia
17.07.2018
D. José Bettencourt é o novo núncio apostólico para a Arménia e Geórgia. Já tomou posse no cargo, e os primeiros tempos têm sido passados a entregar as cartas de credenciais e a conhecer a realidade do país. Antes de iniciar funções, falou com a Família Cristã sobre este desafio, recordando ainda o papel de chefe de protocolo da Santa Sé, que desempenhou durante 5 anos, tempo suficiente para conhecer a quase totalidade dos representantes das 185 nações do mundo com que o Vaticano tem relação diplomática.

 
O que faz um núncio?
O núncio é o representante institucional do Papa Francisco. Vai com cartas de credenciais e uma carta de apresentação que é entregue ao presidente da Conferência Episcopal. Isto já existe desde o século III e foi copiado por imensos países, o que é curioso. Serve como embaixador junto do governo, mas também tem funções junto do povo, crente e não crente. Ir ao encontro das situações com que nos deparamos, para darmos voz a quem não tem voz, é um trabalho humanitário baseado na fé que professamos que é muito interessante.
 
Os seus paroquianos serão os bispos?
Bom, é toda uma igreja que caminha, com toda a sua estrutura, os batizados, que estão envolvidos em tantos setores da vida. Estou lá para acompanhar escutar, encorajar e ajudar a hierarquia, os bispos, mas também os religiosos, sacerdotes e leigos. Vou para dois países onde menos de 1% da população é católica, portanto no meu caso vou para um lugar onde a aproximação a outras realidades religiosas é muito importante, e estou ali para continuar o que já foi feito. O Papa esteve lá em 2016, e são lugares que estão próximos do seu coração, e sinto-me honrado que ele me tenha enviado para um local que é tão querido para ele. Eu espero poder levar o coração e os braços do Papa para junto deles.
 
Uma visita que trouxe alguma polémica... é um país que vive uma situação complicada?
A Arménia é a nação cristã mais antiga do mundo. Os primeiros sacerdotes católicos que foram para lá foram a convite do Papa Arménio. Há uma relação muito boa, e é preciso continuar e dar vida a ela. Muitos desafios, mas isso faz parte da condição humana.
 
Muitos desafios?
Temos muito espaço para trabalhar em cooperação, pois as pessoas querem ver testemunho da nossa fé, pois isso é o que fala mais do que qualquer outra coisa.
 
O que é que já conhece desses países?
Bom, confesso que é tudo novo, e a primeira preocupação é entrar na realidade, viver e tocar. Vou ter de estar, e terei o desafio da língua, da cultura e das tradições, desafios que encaro com grande entusiasmo.
 
É importante esse processo de inculturação?
Absolutamente. É preciso dar-se, e as pessoas conseguem aperceber-se de quem vem e quais as intenções, mas estou confiante de que a graça de Deus se vai manifestar em tudo isto.
 


«Em Roma encontramos o que procuramos»
 
Deixa o stress do Vaticano. Vai sentir falta?
Sim e não. Encontrei lá pessoas absolutamente extraordinárias. A tendência podia ser pensarmos nas faltas das pessoas, mas a minha experiência foi extraordinária. Aqui em Roma encontramos o que procuramos. Se procuramos santidade, encontramos, se procuramos outras coisas, também encontramos, faz parte da natureza humana.
 
A Cúria é outro mundo?
Bom, a Cúria tem pessoas de todo o mundo. São muito bem preparadas e estão dispostas a tudo. Há uma intensidade do serviço, do dar-se para servir a Igreja. Não é uma grande burocracia, somos meia dúzia de pessoas em trabalho, que começam bem cedo no dia e podem acabar muito tarde.
 
Mas quem vê de fora vê um monstro que precisa de ser combatido…
Em todos os períodos é preciso restruturar e reformar, segundo as necessidades dos tempos. Quando falamos de reforma, é uma coisa que todos os pontificados fizeram. Neste período da era digital e de movimento rápido, é normal que haja falta de estruturas para ir ao encontro desta sociedade de hoje e não aquelas de há 40 ou 50 anos passados. Mas toda a reforma tem o seu início, e o Papa quis começar a reforma com o ano jubilar da Misericórdia, um apelo à reforma do coração de cada um. Porque todos precisamos de reforma, diria…
 
Cumprimentou quase todos os chefes de estado do mundo…
Sim, talvez sim. Cada pessoa traz as suas situações, e nem vale a pena individualizar. Mas recordo-me de um colega meu que exigia a temperatura da sala entre os 18 e os 20 graus, e estava disposto a vir com ventiladores para a sala para garantir a temperatura. Achei estranho, mas tudo fizemos para ir ao encontro. Tive outro que me disse que “o meu chefe de Estado não espera por ninguém”, ao que eu respondi “ainda bem, porque o Papa também não” (risos). E outro em que percebi logo que iriamos ter alguma dificuldade em concordar em tudo, pelo que decidi fazer a reunião a caminhar nos jardins do Vaticano, e foi mais fácil conversar. Porque, no final, o objetivo era sempre preparar bem o encontro. É um trabalho invisível, mas que permite logo perceber quem aí vem.
 
Qual é a real força da diplomacia do Vaticano?
É sermos uma escola de humanidade. Temos de acompanhar as pessoas como elas são e a partir daí caminhar. É estarmos atentos ao próximo.
 
Mas isso é uma postura diferente da diplomacia de muitos países…
Sim, muito, porque nós não temos interesses económicos, não temos ideologias políticas, todas as coisas que influenciam a diplomacia. A nossa baseia-se na dignidade da pessoa desde a conceção até à morte natural, que tem as suas raízes no Evangelho, e isso muda tudo.
 
O Papa chefe de Estado tem o mesmo peso do Papa líder da Igreja?
Ele é o primeiro diplomata. Ele tem duas responsabilidades: manter a Palavra de Deus intacta e dá-la aos fiéis, e a segunda é confirmar os fiéis na fé. A partir da Palavra de Deus, é ele que procura traçar a diplomacia para estes tempos.
O Papa Francisco conseguiu dar uma certa imaginação e vida, inspirou os outros. E inspirando os outros conseguiu motivá-los, os que estão na igreja e os que estão fora, e conseguiu levar ao topo da agenda internacional assuntos dos quais já não se falava. A solidariedade, a emigração, os refugiados, isto para contrapor às notícias dos bancos que faliam, e outros problemas. Mas agora podemos ver notícias de pessoas verdadeiras, que sofrem, e este é um dom que ele dá aos nossos tempos, porque nos recorda a dignidade do ser humano.
 
Entrevista e fotos: Ricardo Perna
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