A cara e a voz de José Milhazes são bem conhecidas. Ele viveu 38 anos na Rússia, de onde regressou recentemente. É jornalista, formado e apaixonado por História. Publicou recentemente um livro sobre
A Mensagem de Fátima na Rússia. À FAMÍLIA CRISTÃ explica como a mensagem de Fátima chegou à Rússia e como foi recebida.
– Em 1917, há duas coincidências históricas: as aparições de Nossa Senhora em Fátima, em maio, e a revolução bolchevique na Rússia, em outubro. Como é que a mensagem de Fátima chegou à Rússia?
– Existia uma cortina de ferro bastante fechada que separava as duas partes da Europa. Era extremamente difícil a chegada da mensagem de Fátima à Rússia, principalmente a parte que dizia respeito à Rússia. Atravessava de forma muito difícil, mas atravessava. Era como aqueles riachos que vão abrindo caminho por meio das pedras, ultrapassando obstáculos. Parecem muito pequeninos, mas vão deixando rasto. E foi isso que aconteceu com a entrada da mensagem de Fátima na Rússia. Entrava das formas mais diversas, não só devido ao trabalho que a Igreja Católica ia tentando desenvolver num Estado que tinha como religião oficial o ateísmo e onde a religião era perseguida. Mas também através de católicos que levavam essa mensagem aos lugares mais inesperados.
No livro, cito um trecho de
O Arquipélago de Gulag, de Alexandre Soljenitzin, em que ele fala do Rosário no campo de concentração. Como é que ele lá chega? Há também o caso daqueles padres que foram julgados e condenados por tentarem formar as pessoas sobre a mensagem de Fátima. A literatura sobre Fátima era proibida na União Soviética e dava direito a prisão.
– Além de o regime comunista ser contra qualquer religião, havia uma aversão especial por a mensagem de Fátima ter esta componente contra o comunismo?
– Sim. Os poucos soviéticos que podiam visitar Portugal estavam proibidos de visitar Fátima, o que significa que se sabia da mensagem de Fátima. Evitava-se e proibia-se a passagem dessa mensagem dentro do país.
Alguns dos dissidentes soviéticos, mesmo ligados à Igreja Ortodoxa, utilizavam a mensagem de Fátima no combate contra o regime comunista. Recordo uma mensagem enviada ao povo português por um padre e um teólogo ortodoxo, em 1975, em que pediam que o povo português não permitisse a transformação da Cova da Iria em mais uma Praça Vermelha.
– Consegue perceber-se quando é que a mensagem começou a chegar? Terá sido antes da década de 70?
– Eu penso que a seguir à Segunda Guerra Mundial. Entre a imigração russa, o fenómeno de Fátima começa a discutir-se ainda antes, mas no chamado bloco comunista começou a chegar logo após a guerra.
Um marco fundamental é a eleição do Papa João Paulo II. Como relato no livro, baseando-me em documentos, isso provocou pânico na direção soviética, porque era de origem eslava e de um país comunista. O Papa João Paulo II tinha um particular amor por Fátima e contribuiu muito para o fim do mundo comunista.
Depois há outra figura determinante é a do Pe. Kondor, um húngaro emigrado que muito fez, nomeadamente através da tradução de obras para húngaro, polaco e até russo, e do envio clandestino para o bloco soviético. Esse tipo de trabalho fazia com que a mensagem de Fátima penetrasse através da cortina de ferro.
– Como funcionava esse envio clandestino?
– Há o facto de levarem uma imagem de Nossa Senhora de Fátima escondida para a Praça Vermelha. Ou o caso da consagração da Rússia a Nossa Senhora e que é um dos momentos mais curiosos.
– Pode contar-nos um pouco disso? Aconteceu em 1984, não foi?
– Sim, um bispo [Pavol Hnilica] vai clandestinamente à Rússia e faz a consagração da Rússia a Nossa Senhora de Fátima numa das igrejas principais do Kremlin de Moscovo, que é um dos maiores símbolos da Rússia. E fá-lo de uma forma muito curiosa, porque a oração de consagração estava escondida dentro do jornal
Pravda, o órgão do Partido Comunista da União Soviética.
– A mensagem de Fátima falava da consagração da Rússia e do fim do regime comunista. Pode dizer-se que esta mensagem se concretizou?
– Nós, historiadores, apoiamo-nos em factos. Ainda o comunismo estava a alargar-se e aparece alguém a dizer: «Isto é para acabar.» A mensagem de Fátima era muito concreta e que se realizou. Coincidência ou não, isso já é uma questão de fé. É certo que ela aparece num momento em que poucos acreditavam que a União Soviética iria durar tão pouco tempo e cair tão rapidamente. E foi o que aconteceu. Isto é um facto. Tudo o resto, cada um toma a sua posição perante estes factos.
– Falámos um pouco da história, e no presente, como está? A mensagem de Fátima é conhecida? É difundida livremente?
– É difundida. Em praticamente todas as igrejas católicas que existem na Rússia e nas da antiga União Soviética há imagens de Fátima.
Claro que hoje se conhece mais sobre a mensagem de Fátima. Mas a literatura e a informação que chegam são poucas. As pessoas, até sacerdotes ortodoxos, fazem grande confusão. Dizem que Fátima é um mosteiro de freiras onde estava Nossa Senhora de Kazan. Não sabem o que é a Cova da Iria, por exemplo. Já para não falar de russos que chegam a Portugal e perguntam: «Onde fica a terra da senhora velhinha que prevê o futuro da Humanidade?» Quando chegam a Fátima ficam muito surpreendidos como é que numa aldeiazinha de Portugal se falou da Rússia e da forma como se falou. Ou seja, há muita confusão devida principalmente à extrema falta de informação ou informação deturpada.
Nós vamos ao Santuário de Fátima e não temos qualquer informação em russo. Temos em polaco, inglês, numa série de línguas e não tem em russo.
Pode ler toda a entrevista na edição de
janeiro da FAMÍLIA CRISTÃ.