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Médicos Católicos apelam a Marcelo: «Médicos não são agentes da morte»
01.02.2021
A Associação Nacional dos Médicos Católicos emitiu um comunicado em que afirma que «os médicos não são agentes da morte e a eutanásia não é, a nosso ver, um ato médico. Este não é o tempo de legislar sobre a morte. É o tempo de lutar pela vida e criar condições para tratar dos doentes». Os médicos católicos olham agora para Marcelo Rebelo de Sousa: «A Associação dos Médicos Católicos Portugueses apela ao Exmo. Sr. Presidente da República para que escute os portugueses e evite que um dos primeiros atos do seu segundo mandato seja a aprovação de uma lei que torna Portugal membro de um grupo indigno e minoritário de sete países que aprovaram a eutanásia.»



Os médicos católicos consideram que este processo de legalização decorreu com «insanidade», porque «por um lado, comovemo-nos e aplaudimos o empenho abnegado dos profissionais de saúde para salvarem todas as vidas de todos os doentes, com e sem COVID-19; em contraste, espantamo-nos com a obstinação dos deputados em consagrar leis que permitem provocar a morte, a pedido, dos mais frágeis, mais doentes e que mais sofrem, num país em que lamentavelmente a maioria ainda não tem acesso aos cuidados paliativos». Considerando a aprovação da lei «uma afronta ao período mais crítico da história do SNS», afirmam que «a dignidade da vida humana, consagrada na nossa Constituição e no nosso Código Deontológico, é diariamente reafirmada pelo esforço diário e admirável de todos os profissionais de saúde, nas condições limite que a presente pandemia criou».

Religiões contra aprovação
Também o Grupo de Trabalho Inter-Religioso|Religiões-Saúde lamenta que a eutanásia tenha sido legalizada pelo Parlamento «sem os habituais holofotes da imprensa, sem solenidade e com sublime indiferença à realidade da cidade e do país», quando todos estão «atordoados pelo tsumani provocado pela pandemia em número de mortos e infetados e incrédulos face ao número de ambulância que acorrem aos cuidados de saúde ficando horas e horas à espera de cuidados, às angústia das famílias e desespero de muitos doentes, à transferência de doentes para as ilhas e de iminente transferência para o estrangeiro, ao zelo e entrega dos profissionais na luta pela saúde e pela vida, apesar da falta de meios, da escassez de pessoal e do cansaço».

Fotografia de Arquivo. (Ricardo Perna)
Em comunicado, este grupo que congrega nove igrejas e confissões religiosas (Aliança Evangélica Portuguesa, Comunidade Hindu Portuguesa, Comunidade Islâmica de Lisboa, Comunidade Israelita de Lisboa, Igreja Católica, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons), Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, União Budista Portuguesa, União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia) já tinha em ocasiões anteriores unido esforços contra a eutanásia. Agora reafirma que «a pessoa humana é frágil e vulnerável. É próprio do homem amparar, acompanhar, curar e cuidar com compaixão o seu semelhante doente, vulnerável e frágil». Por isso, defende que «aquilo que a Assembleia Parlamentar ofereceu como saída à pessoa que sofre gravemente é a morte a pedido (por enquanto)». Daí que estas confissões religiosas afirmem que a aprovação da eutanásia é «uma rutura no dique da vida e um retrocesso civilizacional em função das ideologias do desejo».

O Grupo de Trabalho Inter-Religioso|Religiões-Saúde reafirma que «continuamos a afirmar o princípio ético, ancestral e universal, “não matarás” porque acreditamos que a vida é um dom que recebemos de Deus, que tem um carácter sagrado e que uma finalidade última e por isso temos o dever de a cuidar até ao seu fim natural». Além disso, estas confissões religiosas graantem que reforçarão o «empenho na proclamação dos valores da vida e na formação humana suportada pelos mesmos porque consideramos que cada ser humano é portador de uma dignidade intrínseca anterior a qualquer critério de autonomia, liberdade ou qualidade de vida e que não depende das fases da vida por que passa nem das suas condições, dos papeis sociais que desempenha nem da cultura a que pertence. Cada pessoa é, na verdade, única e irrepetível, insubstituível e necessária à sociedade de que faz parte. Não há vidas descartáveis». Garantindo que «não somos indiferentes ao pedido de um doente terminal que pede para morrer», «assumimos o desafio de uma maior proximidade aos doentes através do acompanhamento espiritual» porque «esse pedido é não só um grito suplicante por ajuda no controlo sintomático da dor, mas é também um pedido dramático de proximidade humana e um desejo de sentido espiritual». Apelam para que «no sistema de saúde, não nos impeçam de o fazer e que deste sejam retirados os entraves existentes».



O movimento Stop Eutanásia considera a aprovação da lei «um momento triste da história de Portugal». Em comunicado, afirma-se que «existe falta de sentido de oportunidade, e reafirmamos a indignação por este ato cego e surdo dos nossos deputados em relação ao momento em que estamos a viver, ao insistirem em trazer ainda mais “morte” ao povo português; como explicar isto aos nossos profissionais de saúde que não querem dar a morte a ninguém? Com a pandemia o slogan do Governo foi "salvar todas as vidas", "não deixar ninguém para trás". Como explicar aos doentes, cuidadores, e às famílias esta insensibilidade dos nossos governantes?» Também o Stop Eutanásia ainda tem esperança no que Marcelo Rebelo de Sousa poderá fazer. «Esta votação ainda não é o fim do processo legislativo. O diploma será enviado ao Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que como constitucionalista e com valores cristãos poderá avaliar o diploma e averiguar a inconstitucionalidade da lei, vetar ou enviar ao Tribunal Constitucional.»
 
Quem votou como?
A favor votaram BE, IL, PEV, PAN, PS, 14 deputados do PSD (Rui Rio, Catarina Rocha Ferreira, Adão Silva, Isabel Meireles, Duarte Marques, Hugo Carvalho, Mónica Quintela, Cristóvão Norte, António Maló de Abreu, André Coelho Lima, Sofia Matos, Lina Lopes, Pedro Pinto, Margarida Balseiro Lopes) e as deputadas não inscritas Joacine Qatar Moreira e Cristina Rodrigues. Votaram contra as bancadas parlamentares de PCP, CDS, Chega, 56 deputados do PSD (Paulo Minisco, Isaura Morais, Hugo Oliveira, Emídio Guerreiro, Fernanda Luís, João Moura, Clara Marques Mendes, Bruno Coimbra, Carlos Peixoto, Afonso Oliveira, Duarte Teixeira, Cláudia André, António Cunha, João Marques, André Neves, Firmino Marques, Filipa Roseta, Ilídia Quadrado, Hugo Carneiro, Emília Cerqueira, António Lima Costa, Fernando Ruas, Carla Borges, Alberto Machado, Carla Madureira, Cláudia Bento, Alexandre Poço, Álvaro Almeida, Alberto Fonseca, Artur Andrade, Carlos Silva, Carla Barros, Luís Marques Guedes, Pedro Roque, Ricardo Batista leita, Gabriela Fonseca, Paulo Neves, Sandra Pereira, Rui Cristina, Germana Rocha, Márcia Passos, Paulo Rios de Oliveira, Olga Silvestre, Jorge Salgueiro Mendes, José Cesário, Nuno Carvalho, Jorge Paulo de Oliveira, José Silvano, Paulo Leitão, Pedro Rodrigues, Helga Correia, Pedro Alves, Carlos Alberto Gonçalves, Luís Leite Ramos, Sérgio Marques, Cancela Moura) e 9 deputados do PS (Raúl Castro, Romualda Fernandes, Cristina Sousa, Maria da Graça Reis, Joaquim Barreto, Paulo Porto, Pedro Cegonho, Ascenço Simões, José Luís Carneiro).

Este texto final resulta da junção dos projetos de lei do Bloco de Esquerda, PAN, PS, PEV e Iniciativa Liberal aprovados na generalidade em 20 de fevereiro de 2020. A lei prevê que só podem recorrer à eutanásia, maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável.

Que pode fazer presidente da República?
Quando o texto agora aprovado chegar às mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa tem três opções: promulga tal qual está e segue para publicação e entrada em vigor; pode, no prazo de 8 dias, pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional (que tem 25 dias para decidir); e ainda no prazo de 20 dias vetar politicamente o diploma, devolvendo-o ao Parlamento sem o aprovar, com uma mensagem escrita aos deputados. Neste último caso, a Assembleia da República pode voltar a aprovar com maioria reforçada.

Pode ler o texto final aprovado no Parlamento, clicando aqui.
 
Texto: Cláudia Sebastião
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