João Costa é Secretário de Estado Adjunto e da Educação e tem sido uma dos rostos da transformação que a Educação sofreu em Portugal em virtude do encerramento das escolas por causa do novo coronavírus. À FAMÍLIA CRISTÃ, fala de como estes novos tempos na educação vão impactar as família e quais as preocupações imediatas do Ministério da Educação para garantir o melhor acompanhamento dos alunos, sem sobrecarregar os pais.
Quais são as preocupações com as famílias?
Em primeiro lugar, o principal foco de preocupação que temos e a que estamos a tentar acudir de várias formas é o grande aumento de desigualdades que este contexto nos traz. Há alunos que têm tido na escola um filtro para a deteção de situações de emergência e de maus tratos, ausos, etc, que estão hoje muito mais isolados e são até geralmente os que têm menor conetividade e menores equipamentos para assegurar o contacto com as escolas. Nessa medida, essa é a nossa prioridade, como tem sido servir refeições aos alunos, que muitas vezes só comem na escola, não comem em mais lado nenhum, e esse tem sido o nosso principal cuidado.
O outro prende-se, e repare que estou a deixar as aprendizagens para o fim, com o bem-estar global. Estamos a fazer trabalho com a Ordem dos Psicólogos para nos disponibilizar apoio e sugestões para as famílias, porque os pais estão em teletrabalho, em casa há um computador para todos em casa, têm de gerir a partilha de espaços e equipamentos, e isto gera por vezes situações de tensão, os pais sentem que têm de acompanhar presencialmente todos os momentos de aprendizagem dos alunos e queremos ter aqui alguns instrumentos de apoio psicológico, porque sabemos que a fatura económica e a fatura de saúde mental desta crise tende a ser muito elevada.
E, finalmente, a aprendizagem...
Depois, no trabalho que temos estado a fazer com as escolas, se bem que o papel de todos se altere, porque o ensino é 100% à distância, o trabalho que temos estado a fazer com as escolas com os roteiros que temos vindo a publicar sobre a organização das escolas é chamar à atenção para o facto de não podermos ter um sistema que é dependente dos encarregados de educação, porque neste quadro de acelerar de desigualdades, aí teríamos a mesma coisa, porque nem todos os alunos têm os pais com a mesma disponibilidade, com a mesma capacidade de apoio. Isso já é verdade num regime presencial, onde um dos grandes preditores do sucesso ou insucesso é a qualificação académica dos encarregados de educação. Tem sido uma luta nossa, mesmo no âmbito da educação inclusiva, que a escola seja mesmo um elevador social e não um reprodutor de assimetrias que existem à partida. Neste momento, como há mais pais e menos escola, ao longo do dia, a tendência poderá ser acentuar este desequilíbrio, e é isso que queremos também, no contacto que temos estado a fazer e no acompanhamento às escolas, tentar prevenir ao máximo. Agora, é uma mudança de sistema abrupta e para um modelo completamente diferente que vai gerar certamente muitas dificuldades.
É um apoio que permitirá às crianças fazerem as suas aulas, mesmo com menos apoio dos pais?
É isso que pretendemos, ter uma boa combinação entre os momentos que são síncronos, em que os professores estão a trabalhar diretamente com os alunos, e os momentos que são assíncronos, e que permitem que o próprio aluno vá fazendo os seus trabalhos, atividades que são propostas, sem terem de recorrer ao adulto. Não se espera que os pais substituam os professores, e isto implica que, do lado da planificação das atividades, haja esse cuidado de termos atividades que são para todos, independentemente da sua família. Como eu dizia, estes momentos agravam desigualdades, portanto o nosso papel é pôr o máximo esforço em mitigá-las.
No que diz respeito às desigualdades materiais, é uma preocupação grande porque há famílias que não têm materiais para isso. Vai haver forma de colmatar estas necessidades materiais no curto prazo?
Nós já tínhamos, no programa do Governo, o plano Portugal Digital, que já foi apresentado publicamente, que tem como um dos seus eixos um programa de transição digital na educação, em que uma parte passa exatamente por equipar infraestruturas com rede e equipamentos os alunos. Esse plano continua em marcha, e se alguma coisa aconteceu com a pandemia foi a sua aceleração.
Estamos a trabalhar para que esses equipamentos estejam acessíveis para todos, mas não no breve prazo. Nós não conseguimos assegurar que haja equipamentos disponíveis para todos ainda durante o terceiro período por duas razões essenciais: uma é mais difícil de compreender, que é os processos de compra pública que são morosos, ainda que haja a excecionalidade do estado de emergência, mas sobretudo porque há uma grande rutura de stocks. A China é um dos grandes fornecedores deste tipo de equipamentos, mas viu a sua capacidade de produção reduzida em 40% e houve uma corrida aos equipamentos quando se passou para o regime de teletrabalho em todo o mundo. Portanto, tudo isto requer aqui uma operação que é complexa, por isso temos de trabalhar no curto prazo, e aqui têm sido muitas as parcerias que se têm estabelecido com as câmaras, que têm disponibilizado equipamentos. Além disso, há empresas que estão com os seus trabalhadores em teletrabalho e têm equipamentos que já não são necessários, pois compraram portáteis para os seus funcionários e estão a emprestar os equipamentos antigos. Todos os dias temos redução das necessidades, mas tudo o que pudermos fazer é pouco, precisamos aqui de facto de um envolvimento de todos para conseguir chegar às necessidades dos que já estavam mais para trás e que vêm aqui riscos acrescidos de ficarem ainda mais para trás.
E o risco de mais famílias ficarem para trás...
Exatamente. Este levantamento tem vindo a ser feito. A primeira coisa que as escolas fizeram foi apurar formas de contacto com os alunos, para garantirem que não perdem o contacto com nenhum aluno. As escolas já sabem, e nós também já temos isso, quais são os alunos que não têm equipamento, e isso também é importante, porque nesse apoio que se dá às famílias, temos de prevenir, e empenharmo-nos fortemente nisso, o abandono escolar. Sabemos que há alunos que só iam à escola porque é obrigatório e porque os pais poderiam perder algum apoio social, etc, portanto se não conseguíssemos continuar a controlar assiduidade, poderíamos perder muitos miúdos por baixo do radar.
Mas se não houver meios técnicos para aceder às aulas, também não o vão conseguir fazer...
É um equilíbrio que se procura. E não é só o equipamento: eu posso ter computador, televisão, internet e telemóvel, mas se não tiver um professor ou um tutor a fazer pressão para eu participar nas tarefas, posso simplesmente desaparecer de vista. Temos de garantir que estruturas como a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens estão e continuam a trabalhar.
Quanto aos pais que estão em apoio aos filhos, será possível que mais gente fique nessa situação, mesmo com o outro cônjuge em teletrabalho?
Para os alunos com mais de 12 anos, o que está previsto é que, em casa de deficiência, esse apoio possa ser mantido para lá dos 12 anos. Depois, relativamente aos outros, aquilo que o Governo está a fazer é tentar ter as soluções que conseguem garantir a maior estabilidade nos empregos, ou seja, penalizar bastante os despedimentos nesta altura, e estamos a assegurar um programa de suporte durante o lay off que tem um peso financeiro muito significativo, pelo que estas coisas têm de ser equilibradas nestas diferentes dimensões.
E em relação aos alunos? Há também aqui uma exigência de responsabilidade e autonomia...
Uma das principais competências que temos de trabalhar com os alunos neste contexto são as da autonomia e responsabilidade. E há muitas escolas que, nos seus planos de educação à distância, estão a considerar estas áreas como prioritárias, principalmente nestas primeiras semanas do terceiro período. Agora já não toca para a entrada, não há o funcionário para os ir arrancar do pátio da escola para irem para a aula, e nem sempre está lá o pai ou a mãe para isso, pelo que há uma autodisciplina e autorregulação que tem de ser muito importante, e que implica uma colaboração boa nos contactos entre os encarregados de educação, os professores e os diretores de turma para não alimentarem este tipo de comportamentos de desistência da parte dos alunos.
Que poderá contar para avaliação?
Exatamente, sim, e daí a importância que nós demos ao facto de o terceiro período ser um período com classificações, notas e atividades a desenvolver.
Entrevista e fotos: Ricardo Perna
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