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O destino dos embriões congelados em Portugal
18.04.2018
Tina e Benjamin Gibson tiveram um bebé em novembro de 2017. Emma, assim se chama a criança, tinha sido gerada por fertilização in vitro e congelada em azoto líquido em 1992. Tina (a mãe) tinha 18 meses quando Emma (a filha) foi gerada. Uma situação insólita que é recorde mundial.

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Comecemos pelo início, e simplificando, as técnicas de procriação medicamente assistidas (PMA) concebem, em laboratório, embriões para que casais inférteis possam ter filhos. Desses processos clínicos são gerados mais embriões do que os que são implantados no útero da mulher. Os que sobram são congelados para poderem ser usados de novo pelo casal. No final de 2016, Rui Nunes, Presidente da Associação Portuguesa de Bioética. (D. R.)o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) revelava que havia 24 158 embriões criopreservados. Alguns tinham 12 anos. Rui Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Bioética, explica que «com a evolução técnica, e sobretudo por uma exigência ética acrescida, tenta-se hoje criar o número de embriões adequado a uma única transferência uterina com sucesso». Rui Nunes defende que «é considerado cada vez menos aceitável a geração de embriões excedentários para fins procriativos». A lei portuguesa não prevê um limite máximo de embriões gerados para um mesmo casal, ao contrário do que acontece no Brasil, por exemplo.
 
Que prevê a lei?
Os primeiros tratamentos de infertilidade começaram na década de 80 do século passado, mas o setor só foi regulado em 2006. Em 2008, surgiram os formulários de consentimento para os casais escolherem o destino que querem dar aos embriões. A lei prevê que possam ser congelados durante três anos, período que pode ser prolongado por mais três anos. Mas não se dizia nada sobre a destruição.
Isso mudou no ano passado. A Lei n.º 58/2017, de 25 de julho, prevê que possam ser destruídos os embriões criopreservados antes de 2006. Antes disso, o casal tem de ser contactado por carta registada com aviso de receção para a morada aquando dos tratamentos. O casal tem 30 dias para dizer o que quer fazer. Se não houver resposta ou se a carta for devolvida, os embriões podem ser descongelados e eliminados.
 
O que é o embrião e onde começa a vida?
Esta situação provoca um debate sem fim sobre o início da vida e o respeito pela vida humana. Quem considera que ela começa na conceção entende que os embriões são pessoas. Quem acha que os embriões são apenas material genético trata-os como tal. A lei refere-se a embriões como «material genético». Jaime Roriz, advogadoJuridicamente, o advogado Jaime Roriz explica que não existe um estatuto do embrião. «Não sabemos o que é o embrião juridicamente.» É uma coisa ou tem direitos? O advogado, especializado na área de família, afirma que «a lei vem garantir direitos aos nascituros (uma gravidez que já existe e tem todas as condições para ser viável) e também garante alguns direitos, mas poucos, aos concepturos [por conceber]. Alguém pode deixar em herança todos os bens ao filho da Helena, que nem sequer tem filhos e tem 12 anos de idade. A meu ver, o embrião é um concepturo. Porque lhe falta muito para ser uma gravidez viável». A personalidade jurídica é atribuída com o nascimento. Do ponto de vista da bioética, a questão tem sido amplamente discutida. Rui Nunes diz que «a maioria das sociedades modernas confere uma ampla proteção ao embrião humano e Portugal não é exceção», e lembra que «a legislação portuguesa prevê a adoção de embriões humanos por casais inférteis, o que significa que a lei lhes confere um estatuto de elevado relevo». Ao mesmo tempo, a doação de embriões resolve o problema dos excedentários e «consagra o seu direito à vida e ao desenvolvimento».
 
Doações a casais são poucas
A lei permite, mas ainda há poucas doações a outros casais. Em 2016 foram apenas 81 e no ano anterior tinham sido 17. A preferência vai para a investigação. E a destruição de embriões? Rui Nunes, diretor mundial do Departamento de Investigação da Cátedra de Bioética na UNESCO, não vê esta hipótese com bons olhos. «Pessoalmente, acho eticamente agressivo destruir embriões excedentários, pelo que a melhor solução será sempre que não se criem mais embriões humanos do que aqueles que podem ser transferidos num único ciclo procriativo.» Mas que fazer aos que já existem? «Seria mais adequado mantê-los em criopreservação ou, preferencialmente, dá-los para adoção», defende.
 
Posição da Igreja
Que diz a Igreja sobre tudo isto? A instrução Dignitas Personae, sobre algumas questões de bioética, da Congregação para a Doutrina da Fé, explica por que razão é contra estas técnicas. «É eticamente inaceitável para a Igreja a dissociação da procriação do contexto integralmente pessoal do ato conjugal, pois a procriação humana é um ato pessoal do casal homem-mulher, que não admite nenhuma forma de delegação substitutiva.» Além disso, há uma «altíssima taxa abortiva das técnicas de fecundação in vitro». Defendendo a vida desde a conceção, a Igreja defende que «a crioconservação é incompatível com o respeito devido aos embriões humanos». Quanto ao destino dos excedentários, «são claramente inaceitáveis as propostas de usar tais embriões para a investigação ou de os destinar a usos terapêuticos, porque tratam os embriões como simples “material biológico” e comportam a sua destruição. Também a proposta de descongelar estes embriões e, sem os reativar, os usar para a pesquisa como se fossem cadáveres normais é inadmissível». A doação, «embora louvável na intenção de respeitar a defesa da vida humana, apresenta, todavia, diversos problemas» médicos, psicológicos e jurídicos.
 
Este é um excerto de uma reportagem que pode ler na íntegra na FAMÍLIA CRISTÃ de abril de 2018.
 
Texto: Cláudia Sebastião
Fotos: Ricardo Perna/ Shutterstock e D. R.
 
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