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«O monstro que aqui agia cresceu ainda mais»
01.03.2016


A Ir. Myri, uma monja portuguesa a viver na Síria, não se mostrou surpreendida pelos atentados em Paris. Bastante crítica da atuação da comunidade internacional, esta religiosa critica o governo francês e a comunidade internacional por quererem agora vir combater os grupos terroristas que, segundo ela, foram financiados pelos mesmos países que agora pretendem vir combater o Daesh. Em entrevista à Família Cristã, A Ir. Myri pede uma solução pacífica para o problema, avisando que mais armas na região só vão fazer aumentar a violência e o sofrimento do povo sírio. Esta monja considera que a solução estará apenas numa ação concertada com as autoridades do país, que a comunidade internacional anda a tentar derrubar há alguns anos e a quem não reconhece direito de soberania.

Já quando tinha estado em Portugal, a Ir. Myri tinha defendido que o governo sírio fazia mais bem do que mal. «É verdade que havia uma certa..., mas as pessoas viviam muito bem. Os hospitais eram gratuitos, a educação era gratuita. Havia senhas de alimentação, o governo ajudava imenso a população. Agora é o caos...», relatava na altura a religiosa. Uma entrevista de quem está do lado de quem sofre todos os dias com um terrorismo que não ajudou a criar, um ponto de vista que vale a pena conhecer.

Como é que receberam a notícia dos atentados?
Já temíamos que, mais cedo ou mais tarde, isso aconteceria de alguma forma nalgum país da Europa Ocidental. Colhem o que tanto semearam sem discernimento! Somos como as virgens insensatas do Evangelho que não guardaram o óleo para o momento em que era preciso ter a lampada acesa! Jesus também nos advertiu que aqueles que no seu tempo morreram sob a torre de Siloé ou mortos por Pilatos não eram mais pecadores que os outros, e que se não nos convertessemos, morreriamos todos da mesma forma. A mensagem deixada em Fátima alerta-nos exatamente para o mesmo.

Mas a culpa é francesa, ou dos países europeus?
Todos os países, incluindo as principais potências, estão obrigados a respeitar as leis internacionais e as leis humanitárias internacionais. É muito grave violá-las mesmo quando os seus muito poderosos meios de comunicação o ocultam e mostram que, pelo contrário, estes países poderosos fazem o bem e desejam o melhor para os outros países. Na realidade é pelos seus frutos que nós os reconhecemos. Eles vêm até esta região, falam e dão conselhos a toda a gente. Mas eles são a causa da destruição da nossa região e dos milhões de mortos que isso gera desde há anos. Eles põem o fogo (o fogo do terrorismo, da rebelião, do islamismo, do radicalismo) e, em seguida, acusam os outros, até mesmo as vítimas desses terroristas, e depois apresentam-se como sendo os únicos que podem apagar este mesmo fogo, para acabar com o terrorismo, que ajudaram a implantar-se e a prosperar.

Qual foi a resposta dos sírios no terreno às notícias dos atentados em Paris?
As pessoas aqui talvez tivessem ouvido falar, mas não lhes disse muito, veem-no com indiferença. O que lá aconteceu acontece em maior escala aqui num só dia e todos os dias, desde há 5 anos. «Agora falam tanto de Paris, mas ninguém se lembrou de falar de nós». Os que me disseram isto tinham as lágrimas nos olhos dizendo que ainda ontem diante da sua casa em Damasco tinham testemunhado o espetáculo de destruição (os automóveis, os apartamentos...) e quatro vizinhos bem conhecidos mortos, assim como uns quantos alunos feridos (que precisam de operações e uma das sanções impostas ao país é precisamente sobre os medicamentos) da escola que os filhos frequentariam se lá estivessem ainda a viver...

O presidente francês já mandou bombardear algumas posições do Daesh na Síria, e estão a preparar-se para fazer guerra. Qual é o vosso sentimento nesta altura?
São os próprios habitantes que nos dizem «Mas eles já cá estão a fazer a guerra há muito tempo! O assunto não é novo...» é isto o que as pessoas pensam. Se não voltam atrás, a uma solução sensata, arriscam-se a levar todo o seu povo a acarretar com um conflito mundial que não parece vir a ser coisa pequena.

Já estão aí há muito tempo a fazer guerra? E ninguém falou sobre isso?
Nós testemunhámos várias vezes a realidade dramática da situação aqui. Desde o início o terrorismo atingiu a população sem misericórdia. Um dia, no início de dezembro de 2011, a nossa Superiora contou mais de 100 pessoas assassinadas sem razão em Homs, mas ninguém acreditou em nós. Pelo contrário, ridicularizaram-nos e criticaram-nos. Agora é tarde demais. O monstro que aqui agia cresceu ainda mais. Infiltrou-se em muitos países, como a micose. Será preciso destruir muito antes de o erradicar. Por causa da sua indiferença e dos seus interesses míopes, os líderes dos países ocidentais foram mordidos pela serpente que contribuiram a elevar.

E qual é a solução?
Para quem ainda não percebeu, isto é uma guerra em primeiro lugar espiritual e combate-se com armas espirituais. Depois, deixar de alimentar os grupos terroristas em armas, dinheiro, comprando o petróleo, treino, cuidados de saúde... de onde lhes vêm as armas mais poderosas que parecem ter agora? Uma decisão internacional podia acabar com o assunto em pouco tempo. Mas trazer mais armas para a região vai provavelmente gerar mais violência e mais guerra, um baril de pólvora pronto a explodir... a não ser que colaborem com as autoridades do país para uma acção coordenada, e não contra essas autoridades.

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Ricardo Perna
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