Com cerca de 200 participantes, a sessão de abertura do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade juntou em Roma os intervenientes nas diferentes comissões sinodais criadas pelo Papa Francisco. Bispos, padres, leigos, especialistas que agora começam o trabalho de apoiar todas as dioceses do mundo neste caminho sinodal que vai terminar em 2023.
A Família Cristã esteve à conversa com alguns destes participantes para perceber como irá ser este caminho, que se pretende de renovação e transformação da Igreja. Antes de mais, é expetável que o próprio processo sinodal sofra alterações, até porque, defende Rafael Luciani, assessor da Comissão Teológica do Sínodo, «o Sínodo é uma estrutura, e a ideia é que a partir de agora existam mais estruturas, que não sejam episcopais, mas sinodais», dando como exemplo a América Latina, «com a Assembleia Eclesial, é já o nascimento de uma nova estrutura, de uma nova instituição que supõe este modelo sinodal».
Esta mudança pressupõe «relação mais horizontal», a partir do Batismo comum de todos os católicos, onde as diferenças entre a hierarquia e o Povo de Deus se vão esbatendo, à semelhança do que já existe na América Latina. «É uma assembleia que já não é episcopal, aí está a sinodalidade: os leigos, leigas, religiosos, religiosas, padres, bispos, vão estar sentados à mesma mesa, ao mesmo nível, dialogando e construindo, refere este teólogo.
Uma ideia secundada por D. Luis Marín de San Martín. O prelado espanhol defende que o Sínodo não se identifique apenas com o Sínodo dos Bispos. «Pode haver outras manifestações, podemos criar outras estruturas para desenvolver a sinodalidade, que é muito mais ampla», defende.
Este bispo argumenta que deve haver uma «autoridade participada» na Igreja. «Essa autoridade não é monarquia, em pirâmide», critica.
A irmã Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo e coordenadora da Comissão de Metodologia, disse que o processo sinodal que decorre até 2023 quer contar com a participação de todos, dentro ou à margem da Igreja Católica. «Todas as vozes contam. A Igreja precisa de todos, hoje, para discernir – porque é esse o verdadeiro repto do Sínodo – como ser Igreja ao serviço de todos, colocando-se à escuta do Espírito Santo», disse.
A religiosa francesa, primeira mulher com direito a voto numa assembleia sinodal, destaca que «uma Igreja sinodal é uma Igreja inclusiva, onde todos e todas são atores». «A verdade é que a experiência mostra que os jovens e as mulheres são, de forma particular, motores de sinodalidade», acrescenta.

A teóloga espanhola que proferiu o texto introdutório na sessão desta manhã de sábado afirmou à Família Cristã que «há pessoas que são Povo de Deus e de que não sentimos a falta, quando se vão embora». «Essa realidade tem de mudar», diz.
Para isso, é preciso que a Igreja se aproxime dessas pessoas, principalmente daquelas que foram afastadas da Igreja. «Somos responsáveis e corresponsáveis de nos aproximarmos dessas pessoas, sobretudo com muita simplicidade e encanto, para que não se sintam ainda mais feridas», pede Cristina Inogés Sanz.
Membro da Comissão Metodológica, esta espanhola leiga explica que as conclusões de cada diocese, para além de serem enviadas às Conferências Episcopais para ser construída a síntese do país, vão também ser enviadas diretamente à Secretaria-Geral do Sínodo. «Isso é uma enorme novidade: há uma relação direta não só entre as dioceses e as conferências episcopais, o que seria o normal, mas cada diocese também vai ter acesso direto à Secretaria-Geral do Sínodo», afirmou.
Cristina considera que «o primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que o problema existe. Temos um problema de uma estrutura rígida, vertical, clericalizada ao máximo», admitiu a teóloga, que acresenta que é preciso começar a mudança desde baixo, pelas paróquias e os seminários, «a origem de tudo».
Para além disto, importante, segundo ela, manter vivo o «espírito sinodal» ao longo dos próximos anos, através da comunicação das várias temáticas sinodais.
O processo sinodal escolhido pelo Papa, sendo original, foi beber aos processos dos sínodos passados, nomeadamente o da Amazónia, local de onde vem a Ir. Lúcia Pereia Manso. Brasileira, indígena, explica que «essa experiência» da Amazónia pode «ajudar neste Sínodo a intuir os caminhos que estamos a fazer, de uma Igreja em saída, de uma Igreja samaritana, de uma Igreja serva, mas de uma Igreja sobretudo Madalena, onde resgatamos esse papel da mulher na Igreja, porque na Amazónia a Igreja é dinamizada por mulheres», aponta.
O papel da mulher, aliás, é um dos focos, é por isso que a Ir. Lúcia sustenta que «é hora de a Igreja reconhecer esse protagonismo da mulher no seu interior».
Uma ideia também defendida por Carmen Peña García, professora de Direito Canónio e membro da Comissão Teológica do Sínodo. «Penso que é preciso normalizar a presença de mulheres ou de leigos em determinados cargos. O dia em que não for notícia o facto de uma mulher ter sido nomeada para esse cargo, teremos conseguido voltar ao que nos une a todos, o Batismo», aponta.
Carmen Garcia também aproveitou a conversa com a Família Cristã para explicar que, ao contrário do que algumas pessoas argumentam, este processo sinodal não vai retirar autoridade ao Papa ou ao Vaticano. Argumentando que «sinodalidade não é parlamentarismo», esta leiga defende que «o papel, a missão da hierarquia, que é específica, deve fazer-se em escuta, com todo o Povo de Deus», enquanto que o processo de tomada de decisão deve ser «participado» e não feito de forma «individual, autorreferencial».
Muito contente de estar de novo em Roma estava Agatha Lydia Natania, da Indonésia, membro do Conselho dos Jovens criado pela Santa Sé. A jovem tem colaborado na tradução de vários documentos para os jovens da Indonésia, em colaboração com um sacerdote, num processo onde o importante é desconstruir a linguagem por vezes complicada da Igreja. «Tive muitas conversas com o sacerdote sobre qual a melhor tradução, a palavra correta que reflita não só a espiritualidade, mas a vida quotidiana.
Sinodalidade é uma palavra complicada que muitos jovens não iriam entender, e era importante mudar para uma palavra que todos entendam, e é por isso que começámos a utilizar a expressão “Caminhar em conjunto”», conta à Família Cristã na Sala de Imprensa do Vaticano, onde decorreu a entrevista.
Quando questionada sobre a importância de ver os jovens envolvidos no Sínodo, Agatha referiu que «a participação das mulheres e dos jovens é tão importante, para tornar a Igreja mais aberta a todos. Fico tão tocada quando o Papa diz que a Igreja tem de estar aberta para todos...», confessou, com um sorriso.
Estes e muitos outros especialistas vão agora trabalhar com as dioceses de todo o mundo a apoiar a concretização do processo de escuta em cada diocese e comunidade local. Até março de 2022, cada diocese deverá levar a cabo esse processo de escuta ativa das comunidades, e depois elaborar um resumo das suas reflexões, que é enviado não só à Conferência Episcopal, mas também diretamente à Secretaria-Geral do Sínodo.
A reportagem da abertura do Sínodo dos Bispos em Roma é fruto de uma parceria estabelecida entre a Família Cristã, a Agência Ecclesia, o Diário do Minho e a Associação de Imprensa Cristã.
Texto: Ricardo Perna
Fotos: Ricardo Perna e © Vatican Media
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