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Ocupar o tempo livremente
14.04.2016
Nas semanas que antecedem as férias de verão dos mais novos, alguns pais iniciam as contas de subtrair de três meses dos miúdos aos seus 22 dias, na melhor das hipóteses. Como ocupar as crianças? E como garantir que se sentem realmente de férias? Mesmo para os que, por algum motivo, não podem gozar férias fora, há gestos que podem ajudar!

Encontrar, no tempo de férias e através da brincadeira, maneiras de distanciar e quebrar as rotinas dos mais novos relativamente ao tempo escolar é «absolutamente essencial» para o desenvolvimento das crianças, explica-nos Alberto Nídio, investigador do Centro de Investigação em Estudos da Criança, da Universidade do Minho.

A vivência de um tempo totalmente livre, programado pela criança e vivido no grupo de pares ganha uma dimensão ainda mais relevante no período de férias, já que no restante tempo as crianças têm, em grande parte, tempos ocupados e tempos livres ocupados com atividades programadas pelos adultos.
A preparação para quebrar rotinas nas férias pode ser trabalhada ao longo do ano e ajudar a que, mesmo não saindo do espaço habitual por muito tempo, as férias possam saber a tal.

Encontros de crianças

Promover a criação de redes de vizinhança ou proximidade, reforçar o convívio grupal dos mais novos, privilegiar o ar livre, conseguir encontrar espaços e tempos que permitam às crianças poderem brincar umas com as outras são aspetos que podem ajudar, independentemente do número de dias que os pais possam gozar ou dos recursos financeiros que possam despender.

Se tudo isto parece demasiado simples, à primeira vista, não deixa de exigir, porém, algum grau de consciência da parte dos adultos, obrigar a uma organização e apresentar alguns constrangimentos. «Mas faz-se», afiança o especialista em Sociologia da Infância.

Um aspeto a ter em atenção, ainda durante o ano, é a importância das relações informais e autogeridas entre as crianças, um aspeto que deve ser tido em atenção, de acordo com Alberto Nídio.
Estes encontros podem ser facilitados por uma rede de vizinhança ou de proximidade que nem sempre é fácil de estabelecer, principalmente para os pais que vivem em cidades mais impessoais, mas que é «meio caminho andado para que a criança consiga desenvolver um conjunto de atividades, porque aí, sim, já vai ser possível juntar o grupo, já vai ser possível constituir equipas alargadas, partilharem a sua cultura lúdica... esse será o cenário ideal.»

E o espírito de ajuda entre famílias é necessário para que se possam garantir espaços livres e informais de brincadeira. «A família aqui tem de dar esse contributo, de programar e organizar as coisas, como organiza a vida das crianças ao longo do ano. É um trabalho da família criar esses laços e esses momentos para que as crianças também os criem entre si e depois a partir daí facilitarem os espaços, revezarem-se entre si», exemplifica.

Espaços de liberdade

E os espaços são também, na opinião de Alberto Nídio, uma questão importante das férias, devendo ser privilegiados, sempre que possível, espaços e brincadeiras ao ar livre dos quais as crianças se possam apropriar. Um quintal, um largo de aldeia, uma praceta citadina que não tenha trânsito, um espaço verde dentro de algum bloco de uma urbanização, um parque são algumas das hipóteses avançadas pelo investigador da Universidade do Minho, ainda que também nestes exemplos existam "mas". «Em boa verdade, as crianças não deixam de ter essa dificuldade. É que os espaços para poderem brincar foram assaltados por parques de estacionamento e por equipamentos que estão ao serviço de quase tudo menos das crianças», lamenta.

Ao proporcionar o contacto com outras crianças há que ter em conta, para além do espaço, o tempo e a programação das brincadeiras, dando a palavra aos mais novos, «porque senão deixa de ser um tempo das crianças e passa a ser um tempo dos adultos para as crianças. As crianças têm culturas próprias, dentro das suas culturas próprias têm as suas culturas lúdicas, talvez a expressão maior das culturas infantis. Nós temos de abrir espaço para que elas possam existir e só existem quando elas estão entre elas.»

A ênfase dada à importância das brincadeiras entre pares no período veranil não exclui a participação dos pais durante este período. «Sociologia da família que se preze tem de defender essa necessidade imperiosa de que a célula familiar esteja junta e uma coisa não tem necessariamente de prejudicar a outra.»
Alberto Nídio considera que são de privilegiar, nesta época, as atividades ao ar livre, até com «alguma intensidade, porque ajuda as crianças a crescer». Olhando para as atividades dentro de portas com os pais, como um «remedeio, porque não reclamam da criança o ritual de juntar o grupo, de constituir equipa», o investigador entende que, nesse caso, devem ser privilegiados os interesses da criança.

Num dos capítulos da sua tese de doutoramento Jogos, Brinquedos e Brincadeiras – Trajetos Intergeracionais, Alberto Nídio faz referência às teorias que comprovam os benefícios dos tempos ocupados livremente pelas crianças no seu desenvolvimento, na sua autonomia e na sua autoafirmação, a par de uma diminuição da sua expressão na vida dos mais novos.

Por isso, em tempo de férias, mais do que a preocupação por não poder dar umas férias de sonho às crianças, os pais podem tentar encontrar meios para que estas usufruam de uma boa parte de tempo ocupado livremente entre pares, sem excluir atividades que ocupem os seus tempos livres na companhia dos pais.

Texto: Rita Bruno
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