Os dados fornecidos pelas três principais associações escutistas e guidistas portuguesas revelam que mais de 8 mil escuteiros e guias deixaram o movimento por causa da pandemia. É uma quebra de, em média, 10% em todas as associações.
Os dados dos censos de 2021 permitiram perceber esta quebra. Ivo Faria, chefe nacional do Corpo Nacional de Escutas (CNE), revela que a quebra em janeiro (altura em que habitualmente fecham os censos) «terá sido superior», mas que o reingresso de muitos escuteiros no princípio do ano levou a associação a esticar o prazo para reingressos até maio, «até porque já faziam mesmo parte do agrupamento», fechando então com menos 6.400 escuteiros. «Honestamente achava que íamos ter uma queda de 10%. Menos de 10% seria sofrível, 15% já seriam números muito complicados», responde à Família Cristã.
Ana Proença, da Associação dos Escoteiros de Portugal (AEP), indica que a associação sofreu uma quebra de 9,5% no censo que fecharam em novembro de 2020. A AEP tem 13 mil escuteiros no ativo, segundo o seu site, dados de 2020, pelo que a quebra rondou os cerca de 1.300 escuteiros. «No início, tememos quebra maior, mas não aconteceu», diz Ana Proença, chefe nacional da AEP.
Bárbara Silva, presidente da Associação das Guias de Portugal (AGP), afirmou à Família Cristã que as quebras de efetivo rondaram os 10 a 12%, o que, num efetivo de 4.000 guias em todo o país, significa uma quebra de pouco mais de 400 elementos no seu efetivo. «Temos estado a crescer todos os anos, e agora ficámos com o efetivo de há 10 anos. Tentámos perceber o impacto seis meses depois, e em junho percebemos que houve um aumento das entradas. Não sabemos qual é o aumento real do efetivo, porque na prática não sabemos se houve saídas. Só em entradas recuperámos os números perdidos, mas pode ter havido saídas», pelo que dados certos só depois de fecharem os censos no final do ano.
No que diz respeito à AEP, Ana Proença confirma que «tivemos quebra em todos os grupos, transversal, mas também sabemos que há grupos com lista de espera para retomar. Se as coisas evoluírem da melhor forma, no próximo ano escutista conseguiremos recuperar essa quebra que tivemos», sustenta.
Tanto a AEP como a AGP não tiveram grupos e companhias (designações para as organizações locais em cada associação) a encerrar em virtude da pandemia, sendo que a AEP teve dois grupos suspensos que «pretendem já reativar em setembro», conforme nos diz Ana Proença.
No caso do CNE, os agrupamentos foram mais afetados no seu total. «Num ano normal suspendemos cerca de 10, este ano suspendemos 16 agrupamentos», refere Ivo Faria, que adianta que o CNE tem estado nos últimos anos a diminuir o número de agrupamentos, tendo passado de 1.040 em 2017 para 1.004 este ano. «Há mais que o habitual a suspender, penso que o que terá acontecido é misturar-se o conceito de um agrupamento que já estava débil com o agrupamento que, estando débil, se aguentaria mais um par de anos, mas a pandemia veio acelerar o seu processo», refere.
Além das desistências nas associações, houve também, indicaram os três responsáveis, muitos destes grupos locais que optaram por não acolher escuteiros novos no início do ano, em virtude das limitações colocadas pela pandemia, o que significa que a expetativa de todos é recuperar rapidamente estas perdas, embora não necessariamente com o regresso dos escuteiros que saíram, o que lamentam. «Temos a consciência que alguns miúdos que saíram possam não voltar», admite Ivo Faria.
Considerando que estas associações dependem muito, no que diz respeito às atividades e ao funcionamento normal, das angariações de fundos que vão fazendo os seus elementos, e que neste tempo da pandemia não foi possível realizar muitas, estes três responsáveis elogiam a postura das autarquias que, em muitos casos, auxiliaram financeiramente os grupos para garantir a sua sustentabilidade.
Ivo Faria refere «casos em que os municípios decidem pagar as quotas a todos os escuteiros e outras coletividades para ajudar essas organizações», enquanto Ana Proença confirma que «houve um enorme aumento de apoio dos municípios aos grupos» e Bárbara Silva adianta que não sentiram impacto negativo económico da pandemia porque «houve muitas autarquias a apoiar as companhias». Isto porque, defende esta responsável, «acreditamos mesmo que nós, Guias, e o CNE e a AEP, somos uma oferta de que a sociedade está a precisar para dar aos jovens, quer em termos de ar livre, saúde mental ou de amizades, e isso é mesmo importante».
Bárbara Silva refere que este ano, em que celebram 90 anos de existência, a AGP vai dinamizar um acampamento nacional «dividido em cada companhia», e que, às preocupações dos dirigentes com a evolução da situação pandémica, os pais lhes respondiam «desculpem, mas as minhas filhas têm de sair de casa e ir acampar (risos)», sinal da importância dos movimentos para as famílias.
A recuperação, essa, poderá e deverá ser feita também pelos jovens escuteiros e guias, cujo testemunho pode ajudar a que outros jovens conheçam o movimento e queiram experimentar. «Os nossos miúdos são agentes de crescimento, e podem e devem trazer mais miúdos para o movimento, pois são eles os nossos melhores evangelizadores», defende Ivo Faria. No caso do CNE, ligados à Igreja Católica, e nas outras duas organizações, ligadas a outras confissões religiosas também.
Texto: Ricardo Perna
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