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Papa apela a «luta total» contra «crimes abomináveis» contra menores
24.02.2019
O Papa Francisco encerrou hoje o encontro sobre Proteção de Menores na Igreja com um apelo ao fim da «monstruosidade» que são os abusos contra menores. O discurso do Papa focou-se não apenas na questão dos abusos dentro da Igreja, ma do fenómeno universal.

 
O Santo Padre elencou oito linhas orientadoras de ação que devem ser levadas a cabo por todas as conferências episcopais no sentido de erradicar o drama dos abusos dentro da Igreja e contribuir para que ele possa diminuir a nível internacional também.
 
Recordando que, «segundo os dados Unicef de 2017 relativos a 28 países no mundo, em cada 10 meninas-adolescentes que tiveram relações sexuais forçadas, 9 revelam que foram vítimas duma pessoa conhecida ou próxima da família», o Papa não esquece os abusos cometidos por membros do clero. «A desumanidade do fenómeno, a nível mundial, torna-se ainda mais grave e escandalosa na Igreja, porque está em contraste com a sua autoridade moral e a sua credibilidade ética», refere o Papa no seu discurso.
 
Classificando que quem cede à tentação de cometer abusos se torna «instrumento de Satanás», Francisco defende que, «nos abusos, vemos a mão do mal que não poupa sequer a inocência das crianças», admitindo ainda que «não há explicações suficientes para estes abusos contra as crianças». «Com humildade e coragem, devemos reconhecer que estamos perante o mistério do mal, que se encarniça contra os mais frágeis, porque são imagem de Jesus. É por isso que atualmente cresceu na Igreja a consciência do dever que tem de procurar não só conter os gravíssimos abusos com medidas disciplinares e processos civis e canónicos, mas também enfrentar decididamente o fenómeno dentro e fora da Igreja. Sente-se chamada a combater este mal que atinge o centro da sua missão: anunciar o Evangelho aos pequeninos e protegê-los dos lobos vorazes», anuncia.
 
Linhas de orientação sem medidas concretas
As linhas de orientação que o Papa propõe, que anuncia terem tido como base «as “Boas Práticas” formuladas, sob a guia da Organização Mundial da Saúde, por um grupo de dez Agências internacionais que desenvolveu e aprovou um pacote de medidas chamado INSPIRE, isto é, sete estratégias para acabar com a violência contra as crianças», o «trabalho feito nos últimos anos pela Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores» e a «contribuição deste nosso Encontro», pretendem afrontar «com a máxima seriedade» este problema porque «ainda que na Igreja se constatasse um único caso de abuso – o que em si já constitui uma monstruosidade –, tratar-se-á dele com a máxima seriedade».
 
Francisco receonhece que «na ira justificada das pessoas, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado por estes consagrados desonestos». «O eco do grito silencioso dos menores, que, em vez de encontrar neles paternidade e guias espirituais, acharam algozes, fará abalar os corações anestesiados pela hipocrisia e o poder. Temos o dever de ouvir atentamente este sufocado grito silencioso», admitiu.
 
Os oito pontos resumem-se desta forma, nas palavras do Papa:
 
1. A tutela das crianças: «é necessário mudar a mentalidade combatendo a atitude defensivo-reativa de salvaguardar a Instituição em benefício duma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abusos em todos os sentidos».
 
2. Seriedade impecável: «a Igreja não poupará esforços fazendo tudo o que for necessário para entregar à justiça toda a pessoa que tenha cometido tais delitos. A Igreja não procurará jamais dissimular ou subestimar qualquer um destes casos», disse o Papa citando o seu próprio discurso à Cúria Romana em dezembro do ano passado.
 
3. Uma verdadeira purificação: «apesar das medidas tomadas e os progressos realizados em matéria de prevenção dos abusos, é necessário impor um renovado e perene empenho na santidade dos pastores, cuja configuração a Cristo Bom Pastor é um direito do povo de Deus. (...) Acusar-se a si próprio: é um início sapiencial, associado ao temor santo de Deus. Aprender a acusar-se a si próprio, como pessoa, como instituição, como sociedade. Na realidade, não devemos cair na armadilha de acusar os outros, que é um passo rumo ao álibi que nos separa da realidade».
 
4. A formação: «as exigências da seleção e formação dos candidatos ao sacerdócio com critérios não só negativos, visando principalmente excluir as personalidades problemáticas, mas também positivos, oferecendo um caminho de formação equilibrado para os candidatos idóneos, tendente à santidade e englobando a virtude da castidade».
 
5. Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais: «reafirmar a necessidade da unidade dos Bispos na aplicação de parâmetros que tenham valor de normas e não apenas de diretrizes. Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo. De modo particular, é preciso desenvolver um novo enquadramento eficaz de prevenção em toda as instituições e ambientes das atividades eclesiais.
 
6. Acompanhar as pessoas abusadas: o mal que viveram deixa nelas feridas indeléveis que se manifestam também em rancores e tendências à autodestruição. Por isso, a Igreja tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário, valendo-se dos especialistas neste campo. Escutar… eu diria «perder tempo» escutando. A escuta cura a pessoa ferida, e cura-nos a nós também do egoísmo, da distância, do «não me diz respeito», da atitude do sacerdote e do levita na parábola do Bom Samaritano.
 
7. O mundo digital: Os seminaristas, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os agentes pastorais e todos os fiéis devem estar cientes de que o mundo digital e o uso dos seus instrumentos com frequência incidem mais profundamente do que se pensa. (...) Devemos esforçar-nos por que as jovens e os jovens, particularmente os seminaristas e o clero, não se tornem escravos de dependências baseadas na exploração e no abuso criminoso dos inocentes e suas imagens e no desprezo da dignidade da mulher e da pessoa humana. Destacam-se aqui as novas normas «sobre os delitos mais graves» aprovadas pelo Papa Bento XVI em 2010, onde fora acrescentado como um novo caso de delito «a aquisição, a detenção ou a divulgação», realizada por um membro do clero «de qualquer forma e por qualquer meio, de imagens pornográficas tendo por objeto menores». Falava-se então de «menores de 14 anos»; agora achamos que devemos elevar este limite de idade para ampliar a tutela dos menores e insistir na gravidade destes factos.
 
8. O turismo sexual: As comunidades eclesiais são chamadas a reforçar o cuidado pastoral das pessoas exploradas pelo turismo sexual. Entre estas, as mais vulneráveis e necessitadas de ajuda particular são certamente mulheres, menores e crianças; estas últimos, porém, precisam de proteção e atenção especiais. As autoridades governamentais deem prioridade e ajam urgentemente para combater o tráfico e a exploração económica das crianças. Para isso, é importante coordenar os esforços a todos os níveis da sociedade e colaborar estreitamente também com as organizações internacionais para realizar um quadro jurídico que proteja as crianças da exploração sexual no turismo e permita perseguir legalmente os criminosos.
 
A concluir, o Papa voltou a referir a «importância de dever transformar este mal em oportunidade de purificação». «O melhor resultado e a resolução mais eficaz que podemos oferecer às vítimas, ao Povo da Santa Mãe Igreja e ao mundo inteiro são o compromisso em prol duma conversão pessoal e coletiva, a humildade de aprender, escutar, assistir e proteger os mais vulneráveis», concluiu o Santo Padre.

 
«Fomos o nosso pior inimigo», admite arcebispo australiano na homilia
D. Mark Benedict Coleridge, arcebispo de Brisbane, presidente da Conferência Episcopal Australiana, foi escolhido pelo Papa Francisco para fazer a homilia na missa conclusiva do encontro. Este prelado delcarou que todos devem mostrar-se empenhados em fazer «tudo o que pudermos para levar justiça e cura aos sobreviventes de abuso. «Vamos ouvi-los, acreditar neles e caminhar com eles; vamos garantir que aqueles que abusaram nunca mais sejam capazes de ofender; chamaremos para prestar contas os que esconderam o abuso; fortaleceremos os processos de recrutamento e formação de líderes da Igreja; vamos educar todo o nosso povo no que a salvaguarda exige; faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir que os horrores do passado não sejam repetidos e que a Igreja seja um lugar seguro para todos, uma mãe amorosa, especialmente para os jovens e os vulneráveis; não agiremos sozinhos, mas trabalharemos com todos os envolvidos para o bem dos jovens e dos vulneráveis; continuaremos a aprofundar a nossa compreensão do abuso e dos seus efeitos, o motivo pelo qual isto aconteceu na Igreja e o que deve ser feito para erradicá-lo. Tudo isso vai levar tempo, mas não temos para sempre e não podemos falhar», pediu.
 
O arcebispo australiano avisou os presentes que o «inimigo», nesta questão dos abusos, não são «aqueles que desafiaram a Igreja a ver o abuso e a sua ocultação pelo que realmente são, acima de tudo as vítimas e sobreviventes que nos levaram à dolorosa verdade contando as suas histórias com tanta coragem». «Às vezes, no entanto, temos visto vítimas e sobreviventes como inimigos, não os amamos, não os abençoamos. Nesse sentido, fomos o nosso pior inimigo», lamentou.
 
D. Mark Coleridge reconheceu que «mostrámos muito pouca misericórdia» e que, agora, «receberemos o mesmo, porque a medida com que damos será a medida com que receberemos em troca».
 
Conforme foi anunciado nestes dias de encontro, a comissão organizadora irá agora trabalhar com todas as contribuições deixadas pelos participantes nas intervenções, nos grupos linguísticos, para sistematizar os dados e depois apresentar mais conclusões.

A reportagem em Roma no Encontro sobre Proteção de Menores na Igreja é realizada em parceria para a Agência Ecclesia, Família Cristã, Flor de Lis, Rádio Renascença, SIC e Voz da Verdade.
 
Texto: Ricardo Perna
Fotos: EPA
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