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Papa e Martin Scorsese em conversa sobre alternativas à «crueldade»
23.10.2018
O Papa Francisco disse hoje em Roma que todos se devem unir contra a «crueldade» na sociedade, em resposta a uma questão colocada pelo cineasta Martin Scorsese, durante a apresentação de um livro pensado pelo pontífice. «Uma das formas [de crueldade] que mais me toca, neste mundo dos Direitos Humanos, é a tortura», que tira a «dignidade às pessoas», observou, no Instituto Patrístico Augustinianum, onde foi lançado o livro ‘Partilhando a Sabedoria do Tempo’ (Loyola Press), com prefácio do próprio pontífice.

 
O novo projeto editorial, com 250 entrevistas e reflexões do Papa, quer dar vida ao seu sonho de uma «aliança entre jovens e idosos».
 
No mesmo evento, Francisco respondeu a perguntas de um grupo de jovens e idosos, oriundos da Colômbia, Itália, Malta e Estados Unidos da América, incluindo o realizador Martin Scorsese, que falou do «sofrimento real» que experimentou nas ruas de Nova Iorque (EUA), aparentemente «distante» da mensagem que lhe era transmitida pela Igreja Católica.
 
«A não-violência, a mansidão, a ternura, estas virtudes humanas que parece pequenas, são capazes de superar os conflitos mais duros», observou o Papa, em resposta.
 
Francisco recomendou a proximidade com os que sofrem, com os problemas, pedindo a «sabedoria de chorar». «O choro é humano e cristão. Peçamos a graça das lágrimas», apelou.
 
O pontífice, que falou mais de uma hora, convidou os mais velhos a partilhar as suas experiências de vida com «empatia», face às novas gerações.
 
Uma jovem italiana perguntou ao Papa como encontrar a felicidade num mundo «a fingir, de plástico». Francisco concordou que hoje, muitas vezes, «o que conta são as aparências, o sucesso pessoal», mesmo à conta dos outros, convidando a ter uma atitude contrária à da competição, abrindo as mãos e servindo. «Suja as mãos e serás feliz», recomendou. «A cultura da competição nunca olha para o Fim, olha sempre para um fim que colocou no seu coração», continuou.

 
Um casal de avós, vindos da ilha de Malta, falou da dificuldade de falar da fé católica aos pais e netos. O Papa valorizou o papel dos avós na transmissão da fé em contextos de perseguição, como aconteceu no século XX, e defendeu que a fé se transmite «em dialeto», em casa, «sem perder a paz» e sem «tentar convencer». «A fé cresce por atração, pelo testemunho», precisou, defendendo que o silêncio e a ternura que acompanha as pessoas destroem «quaisquer resistências».
 
Em resposta a outra pergunta, que lhe foi dirigida pedindo-lhe que respondesse como se fosse um «avô», Francisco desafiou os jovens a «sonhar, sem vergonha», e a assumir os sonhos dos mais velhos, para os «levar por diante». «O sonho que recebemos de um idoso é um peso, uma responsabilidade», advertiu.
 
Fiorella Bacherini, professora de italiano junto de migrantes e refugiados, mostrou-se chocada com a falta de respeito pela «humanidade» destas pessoas e perguntou o Papa o que sentia perante este «momento difícil do mundo». «Os jovens não têm a experiência das duas Guerras [Mundiais]», da «dor da guerra», reconheceu o pontífice, assinalando que, pelo contrário, «os idosos sabem como cresce um populismo».
 
Francisco recordou a ascensão de Hitler, na Alemanha, e apresentou uma chave para reconhecer o surgimento dos populismos, o surgimento de atitudes de «ódio» e de «divisão». «Semear o ódio. Não se pode viver semeando ódio», alertou.
 
O Papa lamentou ainda a «falta de humanidade» perante quem chega à Europa. «Sofro, rezo, falo. Não devemos aceitar este sofrimento. Nunca dizer: sofre-se por toda a parte, vamos em frente. Não, hoje há uma III Guerra Mundial aos bocados».
 
Acolher os imigrantes, prosseguiu, é um «mandato de Deus», convidando a recuperar a memória da «história europeia», com milhões de pessoas noutros continentes.
 
O pontífice reforçou a sua advertência sobre os perigos de não «integrar» quem chega de outra terra, com «prudência», considerando importante que «toda a Europa se ponha de acordo» sobre este tema. «O novo cemitério europeu chama-se Mediterrâneo, chama-se Egeu», lamentou.
 
A sessão contou com apresentações do arcebispo do Panamá, D. José Domingo Ulloa Mendieta, presidente do Comité Organizador da Jornada Mundial da Juventude 2019, e do padre Antonio Spadaro, jesuíta, diretor da revista 'La Civiltà Cattolica’.
 
Entre os participantes estavam vários dos bispos e jovens que estão reunidos na assembleia do Sínodo dos Bispos dedicada às novas gerações, a decorrer no Vaticano.

A reportagem em Roma é realizada em parceria para a Família Cristã, Agência Ecclesia, Flor de Lis, Rádio Renascença e Voz da Verdade.
 
Texto: Octávio Carmo
Fotos: Ricardo Perna
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