O Papa Francisco recebeu em audiência os bispos portugueses que estão em visita ad limina ao Vaticano, e mostrou-se preocupado com a situação da juventude na igreja. Falando de uma «debandada», Francisco refere que «hoje a nossa proposta [da Igreja e da catequese] não os convence», muito por culpa da dificuldade em encontrar a «figura e a vida de Jesus» no «testemunho de vida do catequista e da comunidade inteira que o envia e sustenta». «Que Ele está, não há dúvida; mas onde é que O escondemos? Porque, se a proposta é Jesus Cristo crucificado e ressuscitado no catequista e na comunidade, se este Jesus se põe a caminho com o jovem e lhe fala ao coração, este seguramente abrasa-se», disse, usando como referência o Evangelho de Lucas e o episódio do Caminho de Emaús.
No discurso do Papa aos prelados portugueses, Francisco mostrou-se preocupado com «situações que suscitam perplexidade e vos causam [aos bispos] amargura, tais como certas paróquias estagnadas e necessitadas de reavivar a fé batismal, que acorde no indivíduo e na comunidade um autêntico espírito de missão; paróquias por vezes centradas e fechadas no «seu» pároco às quais a carência de sacerdotes, para além do mais, impõe abertura a uma lógica mais dinâmica e eclesial na comunhão; alguns sacerdotes que, tentados pelo ativismo pastoral, não cultivam a oração e a profundidade espiritual, essenciais para a evangelização; um grande número de adolescentes e jovens que abandonam a prática cristã, depois do sacramento do Crisma; um vazio na oferta paroquial de formação cristã juvenil pós-Crisma, que muito poderia obstar a futuras situações familiares irregulares; enfim, necessidade de conversão pessoal e pastoral de pastores e fiéis até que todos possam dizer com verdade e alegria: a Igreja é a nossa casa».
Neste sentido, Francisco criticou o «pensamento dominante atual, que vê o ser humano como aprendiz-criador de si mesmo e totalmente embriagado de liberdade», o que não lhe permite «aceitar o conceito de vocação, no sentido alto de um chamamento que chega à pessoa vindo do Criador do seu próprio ser e vida». Considerando que «a nossa felicidade depende absolutamente de individuarmos e seguirmos o chamamento para tal missão», o Papa pede que o «catequista e a comunidade inteira» passem do «modelo escolar ao catecumenal». «Não apenas conhecimento cerebral, mas encontro pessoal com Jesus Cristo, vivido em dinâmica vocacional segundo a qual deus chama e o ser humano responde».
Isto porque, segundo o Papa, «a igreja em Portugal precisa de jovens capazes de dar resposta a Deus que os chama, para voltar a haver famílias cristãs estáveis e fecundas, para voltar a haver consagrados e consagradas que trocam tudo pelo tesouro do Reino de Deus, para voltar a haver sacerdotes imolados com Cristo pelos seus irmãos e irmãs», mas, no entanto, eles parecem alheados, e o Papa dá a resposta à sua própria questão. «Ninguém nos contratou», disse, citando o evangelho de Mateus, e apontando a necessidade de «um percurso catequético global que possa cobrir as várias idades do ser humano, de modo que todas elas sejam uma resposta ao bom Deus que chama».
Para alcançar esta intenção, Francisco pede aos bispos portugueses um «esforço de colaboração da Igreja inteira, porque foi à Igreja que o Senhor assegurou a sua constante presença e a sua infalível assistência».
D. Manuel prefere olhar para «comunidades que procuram respostas»
No final do encontro e em declarações aos jornalistas, D. Manuel Clemente, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e Cardeal Patriarca de Lisboa, assumiu a existência de algumas situações complicadas, como o Papa referiu, mas prefere realçar que «há muitas comunidades em que se procuram respostas» diferentes. Neste sentido, D. Manuel Clemente referiu que o Papa ficou muito satisfeito com os projetos de voluntariado missionário, que acontecem nos períodos de férias, dentro e fora do país, num «esforço missionário que envolve cada vez mais jovens, como escutismo católico e outros movimentos ad gentes, e que tem um enorme retorno nas nossas comunidades», disse o prelado.
Quanto aos temas que tinham sido abordados, foram, na sua opinião, os mais «oportunos». «Não só o Sínodo e a insistência na relevância da apresentação cristã aos futuros casais, como a temática dos refugiados que temos de acolher, do acompanhamento da juventude, tudo com muita franqueza e fraternidade», referiu.
Sobre os refugiados, D. Manuel Clemente referiu que o Papa explicou melhor a sua intenção de ter todas as paróquias a receberem refugiados. «O Papa explicou-nos que pretende que, em cada paróquia, haja pelo menos uma família que se responsabiliza por uma família de refugiados, com o apoio de todas as estruturas. O Papa nem pede que seja em suas casas, mas que se ocupem delas para que a integração ocorra da melhor maneira numa série de temáticas em que eles irão precisar de ajuda, que fazem desta questão algo de novo, a que não estamos habituados», disse o presidente da CEP.
Em conclusão, o Cardeal Patriarca de Lisboa resumiu os pontos principais. «Dar toda a relevância à família. Refazer a pastoral em chave familiar, o que terá muitas consequências para as comunidades; olhar os itinerários juvenis, ir ao encontro dos jovens, com experiências mais pequenas e locais, para além das experiências grandes das Jornadas Mundiais da Juventude e Taizé; e a necessidade de acolher e apoiar as populações de refugiados que nos procuram», concluiu.
A visita
ad limina prossegue com reuniões setoriais nos diversos dicastérios da Cúria Romana.
Texto: Ricardo Perna
Fotos: l'Osservatore Romano
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